Era dezembro. Exatos 23 de dezembro de 1978. A neve cobria as ruas, as casas, os carros. As crianças brincavam alegres pelas frias avenidas da pacata e tranquila Lafayette, que não estava tão pacata e tranquila assim com a véspera de natal. Um clima de prosperidade e união rondava no ar daquela doce véspera. A amizadae aparentava-se mais amiga, a família aparentava-se mais unida e os corações apaixonados pareciam mais prometidos ainda. A liberdade e a felicidade pareciam acessíveis... Na verdade, só pareciam.

Lembro-me de estar no auge dos meus 16 anos... Alta, esbelta, feliz e amada por meu inesquecível William. Ah, meu William... Era assim que eu o chamava, de meu. Meu lindo e encantador ruivo cheio de sonhos. Meu ruivo de seus 1 metro e setenta e poucos de altura; cabelos longos, lisos e ruivos com aquele doce perfume de fim de ano. Tão cheio de sonhos, vontades e idéias, que às vezes nem parecia estar também no auge de seus 16 anos. Parecia sim ser um homem, o que ele com certeza deve ser hoje. O que mais gostava nele era sua coragem e rebeldia. Ele sempre me ajudava com meus pais, que eram extremamente rígidos e controladores. Com Will eu me sentia livre e feliz, e o melhor é que ele fazia tudo para eu me sentir assim sempre. Como ele mesmo dizia: '' Pra te ver feliz eu vou até o fim do mundo, eu passo por cima de tudo e de todos''.

E foi o que ele fez uma vez quando meus pais não me deixaram ir com ele numa festa que ia acontecer perto de minha casa. Meus pais o xingaram dos nomes mais feios possíveis, bem na frente dele. A reação de Will não foi outra: Ele respondeu os velhos, subiu no segundo andar de minha casa, colocou algumas roupas minhas numa mala e partiu comigo para longe daquela prisão. Ele era tudo pra mim, meu eterno herói. William era tão especial para mim, principalmente por eu ter praticamente descoberto o mundo com ele. Ele foi meu primeiro namorado, e foi com ele que eu pude me abrir e me descobrir mulher. Aliás, que boas lembranças eu tenho da minha primeira vez... Ele foi tão carinhoso comigo, tão compreensivo, que eu queria que aquela noite durasse para sempre... Na verdade, foram vários os momentos inesquecíveis que eu passei ao lado dele, que se perderam como pó no tempo.

Aquela véspera de natal de 78 foi a última vez em que o vi. Ele beijou minha testa e ficou acariciando meus cabelos até eu adormecer. Lembro-me que tive um sonho bem bonito com nós dois: Estávamos num lindo jardim e era um dia bem ensolarado e harmonioso. Mas havia algo diferente, não parecíamos as mesmas pessoas e também estávamos diferentes um com o outro, porém não infelizes. Pelo contrário, estávamos bem sorridentes e encantados com algum motivo que não pude identificar. Acordei feliz olhando pros lados com a certeza de que o encontraria para lhe contar sobre o sonho. Mas para a minha surpresa, ele não estava mais lá. Levantei da cama e fui em cada cômodo da casa à sua procura. Procurei no banheiro, na cozinha, na lareira, mas nada, nada de o encontrar. Por fim, fui à sala de jantar e encontrei um papel dobrado em cima da mesa. Desdobrei o papel e vi que era sua caligrafia. Sentei um pouco por estar um pouco sonolenta e comecei a ler a carta. Ela dizia exatamente assim:

Querida Samantha,

Meu anjo, quero que primeiramente saiba que nunca queria ter que escrever essa maldita carta, e que, se eu infelizmente a escrevi, é porque te amo muito ao ponto de não querer lhe causar mais sofrimento.

Sam, eu infelizmente tive que ir embora de Lafayette... Desculpa por não ter te contado antes, mas é que eu não iria aguentar ter que me despedir de você pessoalmente. Sei que sou um estúpido por apenas te mandar essa carta, mas foi o único meio de te explicar o adeus que eu nunca quis te dar.

Meu pai finalmente conseguiu dinheiro para abrir um negócio na cidade grande. Lafayette está sendo um atraso de vida para todos nós, e é por isso que ele vendeu a casa, juntou toda a família e me forçou a ir para Los Angeles com todos. Queria te trazer comigo, mas seus pais seriam um grande calo em nossas vidas, e meus pais não permitiram te trazer sem o consentimento dos seus.

Meu amor, me perdoe por tudo que fiz, eu só queria uma maneira de não magoá-la, mesmo sabendo que isso seria impossível, pois interromper os melhores anos de minha vida com certeza não vai ser nada fácil. Mas eu prometo que sempre mandarei cartas, que sempre te informarei de tudo, de tudo o que acontecer por aqui, eu juro! Você sempre estará junto de mim, pois no meu coração, sempre haverá um motivo único para bater: Você.

Lendo esta última palavra, as lágrimas correram soltas por meu rosto. Não podia acreditar que o amor de minha vida estava sumindo daquele jeito de mim. Agora eu estava perdida; sem dinheiro pra me sustentar, com dois pais que seriam capazes de me acorrentar se preciso, com o coração quebrado em pedaços, e sem um motivo maior para continuar naquela merda de cidade.

Meu anjo, por favor, continue firme e forte, por mim, pelo nosso amor, que sempre estará dentro de mim. Um dia eu irei voltar para te buscar se for preciso! Lembre-se, pra te ver feliz eu vou até o fim do mundo, eu passo por cima de tudo e de todos... Continue por seu eterno William.

Beijos com eternas saudades,

Do seu Will.

E é aí que começa a minha jornada, quando me vejo sozinha para lutar por minha vida e por meu amor, mesmo sabendo que eu teria que fazer o impossível: Continuar sem o meu Will.