- Mas que surpresa. Achei que como dono da casa, deveria saber quando temos convidados. Festa do pijama de fadas? – Um riso sarcástico se formou enquanto concluía sua frase. Quanta arrogância. Senti desprezo e me levantei tímida. Logo depois, ele finalmente reparava em mim, me examinando. Percebeu meus olhos inchados, minhas roupas sujas de terra, meu cabelo desgrenhado, minha angústia, minha dor. De alguma forma, aquele loiro musculoso arrogante tinha em seu olhar um brilho não mais de desejo e malicia, mas um toque gentil, que passaria despercebido facilmente pelos observadores. E eu sim, era uma pessoa extremamente observadora.

                Dois passos à frente, agora Eric se encontrava de modo legítimo no mesmo cômodo que nós. Senti um arrepio percorrer meu corpo. A postura daquele homem deixava claro que ele não era qualquer um, emanava poder e importância. Obviamente ele sabia disso, pois percebia o efeito que fazia nas pessoas. Sua atenção agora desviou para Sookie, que cruzara os braços e o fitava com pura impaciência e uma dose de indignação.

                - Vai ficar por aqui? – Foi tudo o que disse, aquele metido, visivelmente confuso pela situação, por mais que tentasse agir sem demonstrar. Apenas acenei com a cabeça afirmativamente, desviando meu olhar para o chão. Era deplorável conhecê-lo no estado em que eu me encontrava, não me lembrava de um dia ter estado tão acabada assim. Fora minha cabeça que estava latejando com o excesso de informação em menos de 24 horas. Captando a sincronia estabelecida anos atrás entre nós, ignorei-o e direcionei a palavra à minha amiga.

                - Você pode me emprestar uma roupa? Preciso tomar um banho. Urgente.

                - Mas é óbvio que sim Bree, não precisava nem pedir! – Antes de se ir ate sua cômoda, Sookie se aproveitou do fato de estar de costas para Eric e sorriu para mim, demonstrando ter entrado no jogo. Ele percebeu que estava sendo ignorado, mas se limitou a nos olhar. Se eu estivesse em melhores condições, teria perguntado se ele queria tirar uma foto. Mas hoje não... Apenas peguei a toalha e a roupa limpa encima da cama e fui direto ao banheiro, me entregar a ducha quente que levaria embora pelo menos parte da carga pesada que eu sentia em meus ombros. Subitamente, percebi o quanto estava exausta. O shampoo tinha um cheiro suave e doce, e massageei meu couro cabeludo, ansiosa por ter meu belo cabelo de volta. Olhei o piso frio e me surpreendi com a quantidade de terra que estava em meu corpo e cabelo. Esfreguei a esponja por toda minha pele, ansiosa em retirar cada pequena sujeira deste dia tão conturbado.

Sookie POV

                Maldito! Porque diabos Eric sempre aparecia nas piores horas possíveis? Ele fingia não perceber o quanto era inconveniente às vezes. Loiro estúpido. Tentei controlar todas as palavras ofensivas que estavam prestes a sair da minha boca, então respirei lentamente.

Percebi o som do chuveiro, que era pesado. Finalmente Bree estava tomando seu merecido banho, e não me importaria se durasse horas, ela realmente precisava disso. Além do mais, Eric que pagava as contas. Ah, devia ter dito a ela para ficar o quanto tempo quisesse.

 Agora, um pouco mais calma, encarei aquele homem a minha frente. Ele ainda me olhava com a mesma intensidade. Subitamente lembrei-me de que ainda hoje nesse quarto, ele me vira nua... O que me levou também aos sonhos regados de luxúria que tive enquanto o sangue dele percorria o meu organismo. Tocávamos-nos intensamente, os beijos eram gloriosos e cada toque daquelas mãos grandes em minha pele trazia sensações indescritíveis. Mesmo com o meu sangue livre de qualquer interferência, ainda sentia uma atração, mais forte do que desejava. Devo admitir que ter um deus daquele me desejando e pedindo para ser dele me deixava lisonjeada. Ele tinha tantas opções, tantas mulheres loucas por ele, tanto poder. Mas ele me queria. E no fim, eu adorava. Mas quem não adoraria?

- Quem é ela? – Ele perguntou realmente curioso, arrancando-me de meus pensamentos, e se aproximando ainda mais de mim. Droga, ele saber que esse é um dos meus pontos fracos. Agradeci por ele não poder ler meus pensamentos.

- Uma amiga. – Não via motivo para contar toda a história, mas ele percebeu rapidamente que o ‘amiga’ deveria incluir pelo menos mais um parágrafo descritivo. Tentei desviar, mas ele me encurralou. Colocara suas mãos na cômoda, enquanto eu estava presa entre aqueles braços musculosos. Ele abaixou-se suavemente para ficar quase na minha altura, mas não o fez por completo, é claro, para se mostrar superior a mim. No fim, tudo isso poderia ser uma forma de esconder a vulnerabilidade que ele sentia próximo a mim. Sabia do poder de sedução do meu cheiro. Encarei aqueles olhos e, por um instante, o único som que envolveu aquele momento fora o som da água despencando do chuveiro em centenas de gotículas no piso frio.

- Ela deve mesmo precisar de uma amiga, pelo estado em que se encontra. Conte-me o que aconteceu. – Sua ultima frase soou autoritária. Não era uma simples frase ou pedido, era um comando. Mas que droga, quem ele pensa que é para tentar mandar em mim?

- Não. – Minha resposta monossilábica o fez chegar ainda mais perto. Seus olhos perfuravam os meus. Minha respiração acelerou, reflexo das batidas do meu coração que sofreram a mesma mudança de velocidade. Então aqueles olhos azuis ficaram duros com a minha teimosia.

- Conte-me. Antes que eu mesmo arranque as respostas da sua amiga. – Eric jamais faria isso, faria? Machucaria alguém com que me importo, apenas por uma resposta idiota? Resolvi não arriscar. Bree já havia passado por um turbilhão de acontecimentos desagradáveis, teria que poupá-la ao máximo. Isso é o que amigas fazem.

- Ela também ficou presa no portal. – Pensei que ele relaxaria ao perceber que estava respondendo a sua pergunta, mas ele apenas continuou naquela mesma posição – Era minha amiga de infância, e se mudou para o Brasil. Ela e sua família voltaram esses dias, e foram praticamente direto para aquela dimensão. Seus pais ficaram presos, mas ela conseguiu pular a tempo, voltando para cá. Agora ela esta sem família, e aparentemente, sem nada. Então deixei que ficasse aqui ate organizar sua vida novamente.

Ao concluir minha explicação, não pude evitar demonstrar a tristeza que sentia ao saber o que ela estava passando. Afinal, sei bem o que mortes na família significam. O fato de ela ter perdido um ano e voltado subitamente a sua cidade de origem era ainda mais agressivo. Eric percebeu meus sentimentos, e ergueu meu queixo com um dedo, delicadamente, para me fazer olhá-lo. Uma lágrima fugiu do meu olho esquerdo, nos surpreendendo. Tentei abaixar minha cabeça novamente, mas ele me impediu e, num ato gentil, enxugou minha lágrima com seu dedo, e o passou pelo meu rosto, acariciando-o.  Fechei meus olhos e tudo o que senti, foram seus lábios macios pousando delicadamente em minha bochecha, onde a lágrima tinha estado por uma ultima vez.

Abri meus olhos. Ele me olhou uma ultima vez dessa pequena distancia e, antes de se afastar, concluiu:

- Deixe-a ficar aqui. Não me incomodo de ter duas fadas em minha casa.

Nessa hora, quase dei um tapa em sua cara. Sorte que ele estava andando lentamente, de costas para mim. Então toda aquela gentileza era um teatro desse Viking idiota? Manipulador. No mesmo instante, percebemos o silencio do banheiro. Bree acabara de tomar seu banho e agora ouvi a porta se destrancar. Dela, saia minha amiga com uma aparência infinitamente melhor. Agora livre de terra, podíamos perceber suas pernas torneadas através do pijama de verão que lhe havia emprestado. Ela secava os cabelos com a toalha e os enrolou na mesma quando entrou no quarto. Ainda com aparência cansada, mas agora limpa. Com a água quente, seus olhos haviam desinchado.  

- Obrigada Sook, agora me sinto melhor. – Ela fitou curiosa aquele homem sentado em minha cama, que se levantou e finalmente nos deixou. O único problema foi que, após dizer boa noite, praticamente sumiu, com sua velocidade vampírica, corredor abaixo. É, tinha esquecido de contar esse detalhe a ela...

- Como assim você mora na casa de um vampiro? – Sua indignação e preocupação eram latentes, e ela destacou a ultima palavra com urgência. Obviamente uma fada morando com um não era boa coisa, com duas então...

- Descobri hoje. Ele comprou minha casa enquanto estávamos presas naquele mundo idiota. Te explico tudo depois, eu prometo. – Juntei minhas mãos a dela, segurando-as firmemente – Acho que precisamos descansar. Mesmo com toda essa bagunça louca, estou feliz que esteja de volta. E ótima estratégia de ignorá-lo. Ele parecia um cachorro abandonado.

Rimos juntas por uma eternidade, talvez carregadas pelo nervosismo e cansaço, e senti que nossa amizade era única, forte como um leão ou um touro. Amava aquela mulher, linda mulher, que havia se tornado tantos anos depois.

Bree POV

                Não foi difícil pegar no sono. Estava realmente exausta, e depois de uma pequena discussão quando disse que dormiria no sofá, Sook me obrigou a dormir com ela na mesma confortável cama. Não insisti em dormir no sofá, claro, e acabamos dormindo quase ao mesmo tempo. Demorei um pouco mais, mas depois literalmente apaguei. Geralmente tinha insônia, porem desta vez, demorei a acordar de madrugada. Quando acordei, ainda no escuro, apalpei objetos encima do criado-mudo e peguei meu celular. Eram 04h27min. Droga! Resolvi ir ao banheiro para ver se conseguia dormir depois disso. Às vezes se liberasse minha bexiga, conseguiria dormir novamente.

Ao olhar para o corredor, percebi que Eric estava lá. Congelei, como se algo gelado tivesse descido da minha cabeça aos meus pés. Não conseguia ver direito sua face, tudo o que vi foi sua mão, que acenava para ir ate ele. Desesperei-me. Pensei em acordá-la, mas Sookie estava dormindo tão profundamente, que não queria incomodá-la novamente. Então reprimi meu grito de socorro. Simulei voltar para a cama dormir, como se não tivesse visto, para ver qual seria a reação do vampiro. Obviamente ele sabia que eu tinha visto ele me chamar, e num único segundo após minha desobediência, ele estava parado a minha frente. Colocou um dedo a frente de seus lábios, e olhou significativamente para Sookie. Também não queria acordar a bela, e me pediu silencio. Apenas o olhava curiosa. O que ele queria?  Então, acenou com a cabeça para a porta, queria que eu fosse com ele. Eu? Ficar sozinha com um vampiro? Nem pensar! Acenei negativamente com a cabeça e quando desviei o olhar para voltar a dormir, ouvi o leve barulho, do qual me lembrava muito bem: Seu sorriso agora exibia duas presas enormes. Ele caminhava em direção a Sookie, sem tirar seus olhos dos meus um segundo, e antes de chegar mais perto, apontou para a porta novamente.

Estava encurralada. Não iria arriscar testar se ele iria mesmo morder Sookie a minha frente, que dormia tranquilamente. Mas quem era esse cara de 1,90 de altura, dono da casa da minha melhor amiga, um vampiro? Ele sorriu ao ver que eu dei um passo em direção a porta. Suas presas brilharam e, sem olhá-lo, andei silenciosamente até o corredor.