Era meio difícil alimentar alguém enquanto este dormia, mas pelo menos consegui. Depois dei néctar para Dan beber e ele se aquietou, como se de repente tivesse começado a dormir profundamente. Ou quem sabe Hipnos tivesse dado um jeito nele.

Dei um sorrisinho idiota e larguei o copo.

Meus olhos voaram para o corte.

Que corte?

Esfreguei os olhos com força até minha visão ficar cheia de pontinhos pretos.

Estiquei a mão e toquei na superfície lisa onde agora tinha três cicatrizes compridas e tortas dizendo que um dia um cão desgraçado tinha enfiado as unhas ali.

Pisquei algumas vezes e não pensei mais.

Levantei e saí correndo Casa Grande a fora e gritando que nem uma louca o nome de Quíron.

Tropecei nos degraus da varanda e quase me esborrachei no chão. Quase atropelei e derrubei alguns campistas para depois chegar totalmente viva ao anfiteatro.

- Licença, licença – passei por entre as poucas pessoas presentes e vi Quíron ao lado de Sunny

Dei passos rápidos em direção a ele, fiquei ao lado de seu corpo grande de cavalo e o cutuquei nas costas.

Ele espantou meu dedo com a mão enquanto Spencer falava algumas coisas em frente ao fogo.

- Quíron – sussurrei.

Ele fez uma cara de bravo e se virou para mim, sua expressão suavizou.

- Charlie? – ele olhou para os lados – Onde está Dan?

- Hm... Lá – apontei para uma direção qualquer.

- Mas...

- Quíron ele está bem! – gritei.

Atraí vários olhares.

- Charlie...

- Não, é sério! Vem comigo, rápido! – peguei sua mão e a puxei.

- Não posso, o que você tem, criança?

Olhei firmemente em seus olhos.

- Quíron, a coisa é séria, preciso de você agora – falei.

Ele suspirou e fechou os olhos.

- Tudo bem, mas não podemos demorar.

- Posso montar na sua garupa?

Quíron semicerrou os olhos.

- Para irmos mais rápido.

- Não – ele balançou a cabeça.

Adentrei o recinto com Quíron vindo lentamente logo atrás de mim.

Não tirei os olhos de Dan e fui andando com rapidez até me sentar na cadeira próxima a cama.

- O que tem o garoto?

- O machucado dele. Sarou – desviei os olhos do meio-sangue para Quíron.

Quíron franziu o cenho e se aproximou. Ele se abaixou um pouco e hesitou ao tocar nas cicatrizes.

- Impossível – ele sussurrou mais para si mesmo do que para mim.

- Eu lhe disse. – murmurei.

O centauro pouso a mão na testa e olhou para trás e depois para Dan novamente.

- Dei apenas ambrosia e néctar para ele comer e beber, eu não...

- Isso... é normal – ele engoliu em seco – Digo, em alguns meio-sangues meio poderosos.

- Normal? – olhei para ele.

Percebi Quíron começar a suar.

- Sim, Charlotte, perfeitamente normal. Este é um comportamento que semideuses muito poderosos assumem.

- Quando você diz semideuses muito poderosos quer dizer que são filhos de...?

Quíron deu um suspiro trêmulo e falou mais baixo ainda:

- Semideuses não, semi-titãs.

Engasguei com a minha saliva e quase caí da cadeira.

- Quíron?! – falei indignada.

Semi-titãs? Isso era completamente impossível! Titãs não se relacionavam com humanos... e poucos não estavam aprisionados.

Então um pensamento me ocorreu, senti minhas mãos suarem e olhei para Quíron, aflita.

- Você quer dizer que... – não consegui terminar a frase, mas ele assentiu. – Não... não pode! Não tem como!

Ele olhou para fora da janela, com um ar distante.

- Há muitas coisas que não temos certeza, Charlie, que podem ser verdade ou apenas coisas da nossa cabeça, mentiras, peças que a nossa imaginação gosta de nos pregar ás vezes. – ele me fitou – Não temos certeza de nada, por isso não espalhe coisa alguma. Talvez eu esteja delirando, afinal, não passo de um velho com traseiro de cavalo – ele deu um sorriso confiante, mas eu podia ver em seus olhos que de confiante não tinha nada, que essa possível história seria certamente uma verdade bem grande, sombria, sinistra e grande. Apenas assenti levemente para ele, que deu meia volta e saiu da enfermaria.