Acordei exaltado, sentindo uma dor dilacerante em minha cabeça. Demorei alguns segundos para que pudesse me refazer. Quando a lembrança dele vindo em minha direção tomou foco em minha mente, assustei-me. Olhei discretamente em volta. Estava sentado em uma imensa cama, que não me preocupei em saber se era ou não confortável. Era um quarto. Simples, sem muitas quinquilharias, mas de um requinte inegável. O cômodo se encontrava escuro, apenas com a luz da luminária. E foi a olhar para a esquerda que meus olhos arregalaram-se. Uma janela redonda! Eu estava na cama dele. Tratei de me colocar de pé rapidamente. Apoiando-me logo depois na parede, não sabendo mais se pisava no chão ou em um monte de gelatina. E então ouvi sua voz. Ele estava parado, encostado no batente da porta, com os braços cruzados, sua expressão era séria.

– Me desculpe te deixar desacordado. Peguei apenas em um ponto sensível em seu pescoço, não se preocupe, não deixei marcas.

Com certeza não era com uma possível marca que me preocupava, e sim com o fato dele ter me deixado desacordado em sua cama. Ele queria o quê, me estuprar? Sacudi a cabeça, desfazendo-me dessa hipótese.

Quando a levantei novamente, ele estava parado a minha frente, próximo demais. Senti apenas meu corpo sendo chocado contra a parede e a enxaqueca piorar. Olhei-o nos olhos. Parecia que iria tirar um pedaço de meu corpo – literalmente. Tentei manter-me calmo. O que ele estava pensando? Posicionou meus braços sobre minha cabeça, segurando com extrema força os pulsos. Ele não tinha consciência de sua força ou pior, tinha e muito bem.

– É o seguinte, moleque. Eu não sou uma pessoa agressiva, mas você conseguiu em menos de um dia me deixar fora do sério.

Quem estava ficando fora do sério agora era eu. Além de minha cabeça latejar, já nem mesmo sentia meus pulsos. Tentei me soltar. Encarava-o com meus olhos queimando de raiva. Mas de nada adiantou, nem mesmo se mexeu um milímetro.

– Olha aqui. Eu não tenho culpa se te irrito. Mas você não tem direito nenhum de encostar um dedo em mim. Quem você pensa que é, Vitor Forward?

Realmente não esperava o que aconteceu depois. Sabe a hipótese do estupro? Comecei a cogitá-la novamente. Colocou lentamente sua mão por dentro de minha blusa. Acariciando minha barriga. Subiu para meu mamilo, apertando-o de leve, fazendo-me soltar um suspiro involuntário. Sorriu divertido quando o escutou. Quando sua mão escorregou para o zíper de minha calça, tremi. Chegou com a boca próxima demais a minha. Sinceramente achei que iria me beijar, mas não. Desviou a milímetros, direcionando-a para minha orelha. E então falou com a voz macia de sempre.

– Não gosto que fiquem bisbilhotando minha vida. Me vendo em momentos íntimos ou escutando conversas de telefone. Se pega-lo novamente fazendo algo como isso, irei continuar com a nossa brincadeira, você querendo ou não. Agora... Suma daqui.

Retirou sua mão de meus pulsos e deu-me passagem. Hesitei um instante, mas logo corri para a porta. Pude sentir seu olhar me acompanhando. Ainda não sei como achei a saída, não vi nada a minha frente. Quando dei por mim já estava na porta da minha casa. Com certeza sofreria um interrogatório por parte de meus pais. Fiz questão de que quando entrei não fizesse nenhum barulho. Subi para meu quarto sorrateiramente. Encostei-me à porta já fechada, e deslizei até o chão.

O que havia sido tudo aquilo?

Sua mão deslizando por meu peito, a voz macia e rouca entrando por meus ouvidos, o ar sombrio de seus olhos. Senti raiva novamente. Como ele pode me tocar daquela maneira, ameaçar-me daquele modo? Senti vontade de dizer aos quatro cantos o que ele havia feito. Porém, lembrei de suas palavras. “Continuar com a brincadeira”. Encolhi-me no chão. Estava realmente confuso. Em meu modo de pensar não havia visto nada demais para que agisse daquela forma. Foram apenas coincidências, de hora e lugar às vezes que o observei. Nesse exato instante soube que escondia alguma coisa. Não sabia o que. Tinha apenas uma certeza: Que se fudecem suas palavras! Agora que ele deu o primeiro passo não daria o braço a torcer. Se existia alguma coisa para ser descoberta, descobriria. E acabaria com ele. Mostraria que Kim Search era muito mais do que os olhos podem ver. Quem daria inicio a brincadeira seria eu.

Fui para o banho. Não deveria ter usado tanta força em meu abdômen, pois pude ver os filetes de sangue que apareceram. Vesti-me lentamente, procurando tomar cuidado com os arranhões em minha barriga, que havia feito tentando arranca qualquer vestígio de suas digitais. Desci para a sala, tudo que diria sendo formulado em minha mente. Meus pais encontravam-se na sala de TV, assistindo a qualquer programa inútil. Suas faces ficaram rígidas ao me ver. Minha mãe foi a primeira a falar.

– Kim, onde você esteve? Como sai assim de casa? Apareceu uma ruga na minha testa por sua culpa. Sem contar que você quebrou minha jarra de cristal. Vou ter que deixar de comprar a blusa que eu tanto queria para repor-la.

Prazer. Essa é Anna.

– Eu me exaltei um pouco hoje mais cedo, me desculpe pai! Passei algumas horas andando pelo condomínio, colocando minhas idéias em ordem. Enquanto a sua jarra mãe, pode deixar que eu compro outra, satisfaça-se com sua blusa.

Os dois estavam quietos apenas escutando. E naquele momento encaminhei minha vida a outro sentido. Um completamente diferente do que teria escolhido a doze horas atrás.

– Pai, estou te comunicando que decidi ir para a faculdade. Quinta-feira iniciarei uma nova vida.

A brincadeira teve inicio.