Lá estava eu, dentro daquele bar imundo que fedia a sexo, tragando mais um de meus cigarros e com mais uma garrafa de cerveja nas mãos, estava pouco me fodendo se aquilo era ou não certo para alguém da minha idade. Eu tinha apenas 19. Era forte, bonito, cabelos pretos e lisos cortados irregularmente por eu mesmo, olhos cor de mel, tinha boa lábia, conseguia ficar com todas as garotas que eu quisesse, porém preferia uma vida a sós entre eu e o Bob. Bob é meu violão. Talvez seja meio estranho colocar nome em coisas que não tenham vida, mas eu ganhei o Bob quando tinha apenas 5 anos, e ele era extremamente grande para meus braços alcançarem e conseguir tocar um simples ré, e foi esse o nome que o dei, com toda a minha inocência e mania de colocar nome em tudo, acho que até meu telefone tinha nome. E assim continuei chamando meu violão, meio que na brincadeira depois que a inocência se foi. Era bom manter uma lembrança dessa época.

— Garoto, se eu fosse você pararia com isso. — Disse Travis apontando para o cigarro e a cerveja. — Seus pulmões e seus rins agradeceriam quando chegassem à minha idade.

Travis era o único que eu realmente considerava meu amigo e confiava por ali. Ele era velho, homem experiente, acho que deveria estar lá para os seus 60 ou 70 anos, mas eu não conseguia vê-lo com essa idade. Considerando sua mentalidade, para mim, Travis tinha pouco mais de 30. Era alto, tinha barriga de chope, olheiras profundas, cabelos e bigodes brancos, e usava sempre um chapéu marrom na cabeça. Lembrava muito um cowboy, faltava apenas um cinto com uma fivela enorme. E esse bar horrível do qual frequento, é dele, e quando eu digo que isso é uma sujeira ele dá sua gargalhada rouca e me responde: "alcoholic bar sem sujeira, não é alcoholic bar". E ele realmente tem razão. Ele era um homem bom, me achou aos 16 quando fui embora de casa, me deu abrigo e depois me ajudou a comprar meu trailer, que agora eu chamo de lar. Vivo me locomovendo, certo, mas sempre acabo voltando para cá, para me estocar de comida, ajudar a colocar as coisas do bar no lugar e claro, visitar meu amigo.

— Tanto faz. Não pretendo passar dos 44.   — O respondi dando de ombros.

— Você vai se arrepender por dizer isso, Brendon.

Eu apenas ri. Mas era verdade, para mim, a vida quando se chega aos 45 parecia ser puro tédio.

Já era quase 6 horas da manhã, o sol estava prestes a nascer e o bar ainda não tinha fechado, Travis só fechava quando a ultima alma viva que estivesse ali perto desaparecesse. E agora no caso, eram apenas duas. Uma delas dormia em cima de uma mesa farta de bebidas. Eu sabia o que Travis faria: assim que o garoto do lado de fora desaparecesse, jogaria o bêbado para fora do bar, o deixando dormir ali na porta, próximo a grama alta. Algumas pessoas ao verem aquilo, se perguntavam onde estava a bondade daquele homem. Bom, ele deixava bem claro o que faria, antes de dar a primeira bebida que continha álcool a cada cliente, e de fato, não daria lugar para dormir em sua casa, pois se começasse a praticar tal ato, viraria bagunça, e vários sem tetos viriam gastar suas poucas moedas por aqui para terem uma cama, a casa do velho não podia virar albergue. Não demorou muito para que o garoto desaparecesse e o outro estivesse do lado de fora. Travis estava limpando as mesas, ao menos isso tinha que ser limpo, não?

— E então... — Começou Travis. — Quando você parte?

— Logo menos.

— Logo menos seria...?

— Hoje à noite.

— Você poderia ficar mais tempo, sabe? — Ele agora sentava na mesma mesa que eu. Deixando de limpar o resto. — Quando você aparece, fica apenas por um dia! O povo aqui sente a falta do garoto travesso, e garanhão... E falando nisso, sabe a Ester?

Eu apenas assenti. Era uma garota morena e de corpo escultural, mas ela tinha a mente fraca. Não pensava em mais nada a não ser sapatos. Uma patricinha da roça. Eu ri com esse pensamento.

— Ela disse que ia vir te ver amanhã. Você podia esperar ela. — Travis me deu uma cotovelada no braço, sorrindo.

— Não gosto dela, Travis.

— Qual é Brendon! Até parece que é gay.

Ele riu e eu também.

— Vai se foder, seu grande veado velho! — Eu disse rindo mais ainda

— Mas é sério, Brendon. Você está precisando de uma companhia.

— Eu já tenho três.

— Cigarro, Bebida e violão não conta. E se você continuar do jeito que está, vai acabar que nem eu. — Disse dando umas palmadinhas na pança.

— Eu, diferente de você, pratico exercício. Sou um bêbado fumante saudável. — Me pus de pé rindo, pronto para ir para o meu Trailer.

— Vejo o saudável, mas tuuudo bem! — Ele agora levantava as mãos, como se estivesse se rendendo, e depois apontou para o armário. — Sua comida está ali.

— Obrigada, Travis. — Agradeci enquanto ia até o armário e pegava a minha comida.

— Boa noite, veadinho. — Eu ri da maneira como ele me chamou e mandei beijo, e então ele riu também.

Cheguei ao trailer e guardei a comida no armário, e em seguida, me joguei na cama, pegando Bob. Dedilhei até o sono chegar e me fazer tocar de olhos fechados.

***

Abri meus olhos quase quatro e meia da tarde. Eu tinha dormido demais. Pra falar a verdade não me lembrava da hora e nem como tinha dormido, mas Bob estava do meu lado. Sentei-me na cama um pouco desnorteado e comecei a pensar sobre o que Travis tinha me dito ontem... hoje, tanto faz. Ele tinha razão, fazia tempo que não passava mais de um dia por aqui, e um dia talvez ainda fosse muito. Senti-me um pouco culpado, parecia que eu só vinha para abusar do velho, levando sua comida embora. Não era esse o real motivo, eu vinha para fazer companhia a ele, mas realmente não era o que estava parecendo. E foi com esse pensamento que me convenci de que deveria passar mais tempo em Joplin, mesmo que eu tivesse de aguentar Ester a noite inteira.

Levantei-me e fiquei parado em frente ao fogão, pensando se fazia um chá, um café ou um leite quente. Nenhum desses. Achei melhor ir ao Travis falar com ele sobre minha decisão e beber cerveja como um café da manhã. Ou da tarde.