Sinceramente, eu ainda estava tentando entender como eu havia ido parar ali, no lugar em que eu estava. A história havia começado com um rotineiro passeio no Shopping, e agora, lá estava eu, abaixado por trás de uma planta enorme espiando uma coisa que não era do menor interesse meu, por sinal.

— Me explique novamente — recorri à Kyle, que estava ao meu lado, na esperança que ele pudesse clarear minhas idéias — Por que nós que temos que fazer isso? — dei uma ênfase especial ao “nós”.

— Por que... Oras, Elliot é meu irmão, e eu tenho que ajudar ele com essas coisas.

— Mas porque eu tenho que entrar no meio disso? — a ênfase agora foi ao “eu”.

— Porque você é namorado do irmão do Elliot, e como uma boa pessoa, tem que ajudar ele nessas coisas.

Se você tem um namorado que nem o meu, pode crer que ele irá usar os argumentos mais sem nexo para te convencer a fazer alguma coisa, e você vai concordar como se Newton estivesse explicando a lei da gravidade. Tudo para não gerar discussões desnecessárias.

Bem, ainda não contei necessariamente como eu vim parar em tal local impróprio. Tudo fez parte de um maquinado plano criado pela cabeça oca do Kyle. Um plano tão perfeito, que eu cheguei a achar que na verdade ele era um gênio mandado pelo Bourloque para se infiltrar em minha vida, roubar as minhas receitas secretas e me matar durante o sono. Espero que tenham notado que estou sendo irônico.

A primeira parte do plano foi simplesmente me perguntar se eu não podia chamar o Sean para ir ao Shopping conosco. Como um bom vizinho, que conhece e conversa com o camarada faz tempos, não foi coisa tão difícil assim. Eu ainda me pergunto como eu não notei na hora que havia segundas intenções naquilo. Acho que eu estava um pouco distraído com as minhas minhoquinhas de goma azedinha, tentando diferenciar os sabores pela cor.

Fomos então nós quatro ao lugar. Nessa hora, pelos olhares que Eliot e Kyle trocavam, de como quem planeja alguma coisa, reparei na hora e me arrependi amargamente de ter ido. Então, Kyle de repente cisma de ir olhar uma coisa, me puxa sem aviso prévio — fazendo com que eu tropeçasse nos meus próprios pés — e deixa os dois sozinhos lá.

Tudo bem, deixar os dois sozinhos e tal, mas... O Kyle queria espiar.

E bem, aqui estou eu...

-----------

Eu gosto bastante de frio. E estava começando essa época de inverno que eu tanto gostava, para experimentar receitas diferentes de chocolate quente e me enrolar nas cobertas na sala enquanto vejo algum documentário do Discovery Chanel ou do Animal Planet.

E aquela tarde era uma tarde relativamente tranqüila. Elliot havia saído com Sean — sim, os dois haviam começado a sair juntos, depois de muitos planos da parte de Kyle — e Kyle estava para a faculdade, em um curso complementar. Para completar, eu ainda estava de folga pois a Tifa não iria abrir o restaurante hoje.

E eu estava largado no sofá, tomando chocolate quente com canela quando Kyle chega, acompanhado de um sujeitinho cujo qual entrou imediatamente na minha lista de “pessoas com as quais não vou com a cara”. Podem considerar isso um preconceito, mas... Ah, vocês não viram a cara da pessoa. Acho que depois dele, eu passei a achar a minha sogra mais amável. E olha que ela já tentou me jogar uma faca de peixeiro.

— Al, esse é o Edgard. Ele vai fazer trabalho comigo... — apresentou Kyle. — Edgard, esse é o Alphonse, meu namorado.

A forma como essa coisa torceu o nariz quando o Kyle falou “namorado” me surpreendeu. Será que ele tinha algum problema com isso? Tá, mas e daí? Eu tinha meu cobertor, o meu chocolate com canela, a minha folga e a minha televisão, e não seria uma marmota daquela que estragaria com isso.

Eles se se sentaram à mesa da copa para fazer o trabalho, enquanto eu passava os canais, para ver se achava alguma coisa que preste, pois o documentário que eu estava vendo havia terminado.

E de repente eu me deparo com um programa que por um pouco não me faz cuspir todo o chocolate e cair no chão, tendo ataques convulsivos de tanto rir.