Ich Liebe Dich. escrita por Mrs Flynn


Capítulo 14
Cap. 14:Ser ou não ser, eis a questão.




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Eu estava como sempre olhando a janela vendo as gotas de chuva caírem lentamente por ela.

  Havia três noites, tinha expulsado Peter do meu campo de visão. O que tinha feito era algo que eu sabia que me faria sentir sozinha, deixada, amargurada novamente. Pois ele parecia ser a cura de todos os problemas. Mas a cura de todos os problemas não existe. Ela não deve existir. É apenas uma ilusão de mentes cansadas. E não há nada que uma mente cansada possa inventar mais do que um sossego para ela.

  E apesar de eu achar que tudo sobre ele era uma verdadeira mentira inventada por mim e por ele, me doía. Doía-me não tê-lo por perto.

  Mas doíam-me tantas coisas, que eu não conseguia mais distinguir qual era a dor, o porquê dela, a sua consequência... Estava apenas entorpecida. Como um zumbi. Uma carne tão machucada, que se reconstituía, achando um prego sempre a lhe perfurar. Ficando com uma cicatriz profunda. Uma cicatriz permanente. Que já não doía mais, se não mexessem nela. Se não lembrassem que ela estava ali. Se não fizessem questão de lembrar que ela estava ali.

  Um sofrimento conformado. O pior de todos.

  Era insuportável quando eu voltava ao meu juízo perfeito e me dava conta de que a única felicidade que tinha era que estava com uma doença que ia me matar, mais cedo ou mais tarde.

  Decidi então pensar nos outros...

  Bridget finalmente viveria feliz com Joe. Depois que eu morresse e, claro, ela sentisse aquela culpa básica que as pessoas sentem, só para se confortarem, achando que não vão ter a punição de ir ao inferno por se arrependerem do que fizeram. Minha mãe teria menos trabalho comigo e menos lembranças do homem que a deixava tão feliz e que se fora. Sim, pois a minha personalidade era a dele.

  Sam sentiria muito a minha falta... Mas Sam é uma pessoa feliz...

--- Filha, você quer água ?! – Minha mãe perguntou gentilmente.

--- Não, obrigada. –Disse friamente. Minha voz mal saia e estava em tom de sussurro.

--- Filha, você tem que comer algo, ou pelo menosbeberalgo. –Ela disse aflita.

--- É? Para quê? –Disse com melancolia e minha voz mal saia de novo.

--- Para eu não fazer uma loucura com você! –Disse seriamente exaltada.

--- Me dê um espelho, mãe. –Disse, ignorando o que ela falava.

--- Não precisa de um espelho. –Disse ela secamente.

--- Sim, eu preciso. –Disse olhando-a firmemente.

--- Tudo bem. – Minha mãe se levantou da cadeira e pegou um espelho em cima do criado-mudo.

  Foi exatamente como ver a personificação da morte. Era como ver a minha alma. Aquela tão quebrada. Tão sem vida. Meus cabelos emolduravam meu rosto. Ainda tinha muito cabelo ali. E eu os deixaria, a cair, como realidade, para me lembrar que o tempo estava passando e que estava chegando o dia do descanso.

  As olheiras estavam fundas, cinzas. A pele era  muito branca, beirando a lividez total. Mas eu ainda estava bonita. Era um rosto limpo. Parecia como uma entidade. Como somente alma. Sorri, fragilmente. Aquilo foi como se um morto suspirasse. Desse um sinal de vida.

  Mexi nos meus cabelos. Tirei alguns fios. Parecia que aquela quimioterapia não estava ajudando em nada. Somente me fazendo chegar com certeza ao destino final. Era algo deprimente de se ver, de se presenciar.

  Os olhares doentios de Sam. Que tinha olheiras como eu. Ela não saía da minha casa. Não ia a universidade frequentemente. Só me via adormecer e pentear os cabelos. E comer, vegetativamente.

  Suas rugas e as de minha mãe eram evidentes. Os dias passavam. Arrastavam-se. O médico loiro, de barba, me lembrava em muito o Peter. Ele parecia alemão, também. Mas era só a minha mente. Voltando ao Peter. Voltando...

--- Mãe! –Dei um grito estridente.

--- Calma, Lottie, o que foi? –Ela saiu de perto da porta onde estava parada em pé e sentou na cama, perto de mim.

Eu a abracei com força, bruscamente.

--- Lottie...

---Promete! –Gritei chorando, esganiçadamente. - Promete mãe! –Gritei num som tão agudo, transmitindo tanta angústia ao silêncio daquela noite, que minha mãe se assustou.

--- O quê?! –Ela perguntou, aturdida, abalada.

--- Que você nunca vai embora, que você nunca vai deixar a Sam ir embora. Que você nunca vai me deixar aqui sozinha pensando que você morreu nunca mais vai voltar. Que não vai me deixar para procurar por Bridget. –Disse, numa voz agora sufocada e triste. - Promete!–Gritei, desesperada, passando por cima das palavras e choramingando.

  Ouvia o choro sufocadamente baixo dela, enquanto me abraçava forte, massageando minhas costas. Apalpando o buraco imaginário que se fazia em toda aquela região do meu peito.

  Era algo que me acalmava. Mas o pânico não passava. Um aperto e uma angústia. Um medo da morte, do futuro, dos meus próprios gritos, da dor, da solidão, me invadia. Não conseguia lidar. Estava aflita.

  Minha mãe me abraçava, chorava comigo. E eu vomitava a minha dor, chorando, como uma mendiga bêbada sozinha, abandonada, na rua.

--- Promete que vai ficar aqui até que eu morra, mesmo sofrendo?! –Consegui perguntar, entre choros.

--- Você não vaimorrer. – Percebi a irritação em sua voz.

--- Sabemos bem que eu não durarei muito, mãe. –Eu disse num tom de consolo. Cessando as lágrimas, para reconfortá-la, pois percebi que estava assustando-a.

  Mesmo aquela mulher tão dura feita pelos tempos de tempestade, tinha suas fraquezas. E a minha fraqueza era ver as fraquezas alheias. Precisava demonstrar que ela não precisava sentir medo. Não queria que ela sentisse aquilo.

--- Se você não parar com essa desistência, eu vou te deixar como todos fizeram. Eles não conseguem acreditar no que nem você acredita.

--- Eu... acreditarei, mãe. –Menti.

  Não fazia isso com a mesma freqüência em que dava certo. Eu mentia pouco, mas mentiabem.

--- Guarde suas lágrimas, filha, você ficará boa. –Minha mãe me tirou de seus braços sorrindo.

  Ela parecia ter acreditado na minha mentira bem contada. Deixei a minha entonação de voz bem propícia para isso. Eu conseguia fazer uma entonação feliz. O que tornava a minha mentira mais perfeita.

--- Mãe... Não quero morrer. –Disse, mentindo.

  Era a única coisa que eu queria, apesar de estar apavorada com tudo aquilo.

Este era o meu grande problema com relações, quando as pessoas tentavam me consolar, não adiantava. Porque simplesmente acabava mentindo para elas em consolo por não conseguirem me consolar. E eu estava sempre em último plano...

--- Isso mesmo filha.

  Minha mãe não era boba, eu era quem mentia formidavelmente.

  Quando eu estava a cometer uma das mentiras mais dolorosas de minha vida, batidas fizeram um som grave ecoar no quarto. A porta abriu-se e, de repente vi o meu espelho, só que, aparentemente bonito, saudável e feliz.

--- Você não vaimorrer. Eu tenho a solução, Lottie. –Uma voz fininha ecoou no quarto e eu fiquei olhando aquela figura, antes tão parecida comigo, e agora, um pouco estranha aos meus olhos.



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