Hiato escrita por Tatau


Capítulo 4
Eu consigo calcular o movimento dos corpos...


Notas iniciais do capítulo

mas não a loucura das pessoas.
-Isaac Newton



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–Bom dia, Rose- Ouvi minha própria voz arrastada. Arg, se continuasse assim eu não conseguiria cantar pelos próximos milénios.

Observei enquanto Rose fazia um aceno de cabeça e enchia uma caneca bem grande com café. Eu nunca tive empregados, contrato uma diarista para limpar a casa duas vezes por semana. De resto, ou faço a maior gororoba do mundo ou eu e Georgia saímos, quer dizer, saiamos.

Não sei se isso é bom, se é ruim. Eu só queria mesmo era que essa tortura acabasse, mas de uma coisa tenho certeza. Georgia não estava fazendo a mínima falta. Fiquei abismado com a falta de amor que sentia por ela.

Carinho, dedicação, companheirismo. Ok, isso tudo bem, mas talvez o amor tenha ficado preso no meio do caminho e entalado por lá, esquecendo-se de achar seu caminho de volta.

–Toma, garoto- Balancei a cabeça e foquei na caneca a minha frente. Céus, eu nem ao menos tinha visto que ela já estava ali.

Sorri de canto para Rose e puxei a caneca para perto dando um leve gole no conteúdo, estava sem açúcar, do jeito que eu precisava. Não necessariamente bom.


–Daniel- Ergui a cabeça, esse jeito de chamar as pessoas pelo nome inteiro é tão “minha mãe dando bronca”, mas eu entendia que era a falta de intimidade. Rose podia ser atenciosa, mas ainda assim estava morando na casa de um estranho. Um estranho famoso, mas isso não vem ao caso agora- Desculpe se for muita intromissão, mas talvez seja bom você sair. Pegar um ar.

Isso soava tanto com o Tom, sentir falta dos amigos é normal. Difícil é sentir falta, mas mesmo assim não querer ver ninguém. Quanto mais eu penso, menos as coisas fazem sentido.

–Eu realmente...- Meu dedo percorreu a borda da caneca. De repente tudo parecia mais interessante do que aquela conversa que Rose tentava manter, ainda que não com as falas, mas com o silêncio breve que me deu para responder- Não tenho vontade alguma de sair.

–É por isso mesmo que deveria, garoto- Rose disse, aumentando um tom na sua voz, o que a deixava mais parecida ainda com a minha mãe. Alias, agora parecia que eu tinha duas.

Já não bastava a minha mãe ligando todos os dias perguntando se eu, pelo menos, me alimentava direito.

Sim, o “pelo menos” vinha sempre incluído nas frases.


–Meu querido, se você não estiver saudável, como espera deixar a garota saudável novamente? Você precisa se manter forte para cuidar dela- E o pior em todas aquelas palavras, era a verdade. Eu sabia, sabia que se quisesse manter a promessa que fiz a mim, aos pais dela e a ela.

Precisava me manter vivo de qualquer jeito.

–Vamos, tome esse café e depois saia. Ligue para um amigo, toque um pouco ou cante. Seja o que for fazer não se preocupe com Luiza. Eu vou estar aqui cuidando dela- Rose abriu aquele sorriso meigo. Algo que podia me convencer facilmente há algum tempo, mas agora só me causava agonia. A ideia de me afastar da onde Luiza estava fazia mil coisas aparecerem na minha cabeça.

E se algo acontecesse e eu não estivesse lá para ajudar? Seria imperdoável, como se toda essa história já não parecesse a minha culpa.

–Certo- Respondi simplesmente. Eu não convenceria a ninguém, que estava bem, ficando trancado dentro de casa. Fingir que está tudo caminhando parece a melhor saída. Já repararam no quanto isso é ridículo? As pessoas não precisam te ver, realmente, felizes, elas só precisam achar que você está bem e fim.

Às vezes quando tentam nos ajudar, só piora.


Terminei de tomar o café (ou quase isso), subi as escadas com um objetivo em mente. Entrar no quarto de Luiza e ver se estava tudo bem. Obviamente que fazendo isso eu já iria me privar de qualquer coisa futura. Era complicado.

Fui barrado por Rose no meio do caminho, aquela mulher prevê movimentos (ou eu estou ficando previsível demais).

Puxei o celular do bolso, havia algumas ligações perdidas e três mensagens na caixa.


“Danny, eu sei que ‘ta complicado ai, mas você pode atender esse celular?

Só pro caso de você ter esquecido, aqui é o Tom”

Eu vejo seu nome escrito no celular Fletcher, meu Deus, depois eu que sou o lerdo do grupo.


“Certo, agora eu ‘to ficando preocupado.

Você era o que mais queria fazer essa merda de show extra antes de sair em turnê”

Turnê? Ele ainda acha que eu vou?


“E ai, dude? Vem ou não?

A bixa do Tom ‘ta soltando fogo no rabo

xxDougie

Eu teria rido disso, se meu humor ainda existisse. Tudo que pude fazer foi revirar os olhos. Agora a situação estava realmente complicada.

Pensei ter explicado tudo para o Tom, achei que ele tinha entendido direito o que estava acontecendo, mas pelo visto, não.

Resolvi esclarecer tudo, ao menos assim eu sairia de casa como Rose tinha pedido e poderia colocar os pontos nos “is”.

Só não faço ideia se o resultado vai ser o melhor, na verdade, eu realmente estou esperando pelo pior.


Mandei uma mensagem, ligar estava fora de cogitação, eu sabia que tria de ouvir um berreiro antes de falar. Mensagem é melhor.


“Tem como me encontrar no parque, aquele que fica em frente a minha casa, em menos de dez minutos?”

A resposta, quase que imediata, foi:


“Vai logo, e não atrase”

Não sou expert no assunto, mas se meus cálculos estão certos. Tom está me odiando no momento. E eu não o culpo por isso.


Joguei o celular em um canto qualquer para poder abrir o armário e escolher uma roupa. Fazer isso nunca foi tão difícil! Agora, era como olhar para dúzias e dúzias de roupas dançantes bem na minha frente. Eu provavelmente ando vendo muito filme de ficção, ou devem ser os remédios para dormir. Ok, isso faz mais sentido.

Peguei qualquer coisa, literalmente, nem olhei para a roupa e já estava colocando-a. Senti um leve aperto ao passar a camiseta pelo corpo, mas mesmo assim foi essa mesmo. Até porque, se eu atrasasse um segundo Tom me decapitaria.

–Eu volto em menos de meia hora, Rose- Berrei enquanto descia as escadas.

–Uma hora, Sr. Jones. Só quero que volte para a hora do almoço- Essa foi boa, agora eu estou proibido de entrar em casa antes disso. Encolhi os ombros pensando em passar no quarto de Luiza, mas..- E NEM PENSE EM ENTRAR NESSE QUARTO.

Sério, essa mulher me dá medo.


Passei reto, desci as escadas e sai de casa pela primeira vez depois de toda a mudança. E querem saber? O mundo consegue ter menos cores quando você não se sente bem e o simples ato do sol brilhar na sua cara consegue incomodar mais ainda. Eu devo estar entrando na depressão, minha vontade era de dar meia volta e me esconder debaixo de um cobertor.

Ou eu virei um vampiro, melhor do que depressão.

Ao menos eu que havia escolhido o ponto de encontro, sendo assim, era só atravessar a rua e andar uma quadra. Sem carros... Sem carros mesmo, só de pensar em dirigir eu sentia uma certa náusea.

Caminhei devagar, por mais que estivesse sol ainda fazia frio e eu não peguei casaco. Alias, ainda não faço ideia da roupa que estava usando, mas levando em conta o desconforto e os olhares de algumas pessoas eu não devo ter feito a melhor combinação do ano.


Na pressa eu esqueci de pegar algum óculos escuro, também não sei que diferença faria. Famosos tem essa mania de sair de óculos achando que está de mascara.

Incrível como isso já é algo automático, mas por alguma razão parece funcionar. Principalmente por ter sido parado umas duas vezes por garotas pedindo autógrafos.

Juro que tentei sorrir, mas o fato delas tentarem me animar parece extremamente irritante

–Não se preocupe com a Luiza, Danny. Ela vai ficar bem- Às vezes me surpreendo com a facilidade que essas garotas têm de saber tudo o que acontece na minha vida e na dos caras. Já cheguei a procurar por algum chip de rastreamento na minha roupa, uma vez, mas foi de brincadeira.... Quase.

–Er.. Obrigado- Respondi arranhando um pouco a garganta, estavam duas meninas na minha frente tentando me consolar. É mole?

–Não foi culpa sua, sabe? Você sabe. Alias, acho muito lindo o que você está fazendo por essa menina. Ela nem é sua responsabilidade. Quer dizer, ela que se colocou na frente do....

–Danny!- Salvo pelo gongo, digo... Tom.


–Hey, mate- Respondi em um tom um pouco mais animado, Tom não fazia ideia de como eu estava feliz por vê-lo naquele momento. Sério.

As meninas pareciam extasiadas por um momento, se recuperaram e.. Parece que tiveram um belo autocontrole em não gritar quando Tom chegou perto.

–Achei que você tinha atrasado, tentei ligar umas mil vezes- meu rosto ficou vermelho por alguns segundos.

–Er.. Esqueci o celular em algum lugar- Disse levando a mão até o cabelo e bagunçando-o.

–Ok, isso não importa agora. O que importa é que... Que roupa é essa?

Pela primeira vez eu realmente olhei minha roupa. Sinceramente não tenho palavras para esse tipo de combinação. Uma calça xadrez e uma camiseta cor de abobora. Alguém me explica como uma camiseta dessa cor foi parar no meu armário?

–Ou era isso, ou eu me atrasava- Respondi rapidamente, para não dar tempo de falar que eu estava brisando na frente do armário e com a vontade de me afogar na privada. Sim, estou dramático hoje, me deixa.

–Certo.... E essas lindas meninas?- Tom se virou para as garotas, ele sempre vai ter uma habilidade extraordinária de se dar bem com fãs. Eu sou completamente impaciente, admito isso, apesar de me esforçar bastante. Eu sei bem que não seria nada sem as fãs que tenho, só não consigo amá-las vinte e quatro horas do meu dia como elas fazem.

Um dos grandes motivos de estar realmente bravo com essa atitude delas é a própria Luiza. Como ela ousou fazer aquilo? Eu entendo os motivos, mas... POR QUÊ?

Honestamente, não me pareceu um ato de gratidão, parecia algo para me fazer sentir culpado de todas às vezes em que não falei com uma fã ou a ignorei. Eu só queria que o tempo voltasse, pode isso?


É.. Não.

–Vicky e Kath. Muito legal conhecer vocês. A gente pode tirar uma foto- E lá vamos nós de novo.

Posando, dando o sorriso mais falso de todos, fingindo que a vida ainda vale a pena e, finalmente, dizendo adeus as garotas.

–Você podia tentar- O sussurro de Tom foi apenas isso, um sussurro. Quase como um murmurinho que entrou embaçando nos meus ouvidos.

Virei o rosto na direção dele, seus olhos já me encaravam com extrema curiosidade. Ele sabia que eu precisava dizer alguma coisa, tantos anos de amizade causam esse tipo mutuo conhecimento sobre o outro. Eu devia saber que seria impossível adiar meus pensamentos, nem ao menos perguntar como estavam indo as coisas funcionaria.

–Eu estou tentando, Tom. Sei que não parece...

–Se você estivesse mesmo tentando eu saberia- Percebi o movimento sutil dele, de colocar as mãos nos bolsos e ficar inteiramente de frente para mim- Diga logo o que não consegue dizer pelo celular.

–Melhor ir em um lugar menos cheio.

–Conte logo Daniel, você me fez vir até aqui para ir a outro lugar?- O tom de sua voz me fez olhar em volta e ver se mais alguém reparava naquela situação estranha. Como eu queria sair logo dali, me esconder em algum lugar.

Chato, né? Fico imaginando como alguém se interessaria por meus pensamentos quando tudo é só escuridão, quando parece que nunca vou sair dessa depressão infinita.

Uma vez eu ouvi dizer que a alma do artista interpreta as coisas de maneiras diferentes das de outras pessoas (com mais intensidade), quando se está feliz demais você acaba não prestando atenção em comentários como esses, ou apenas os converte para o lado positivo. Tudo o que eu fiz ao ouvir isso foi sorrir mais ainda.

Lembrando disso agora, só consigo piorar mais ainda a minha situação.

–Caminhar, Tom, só caminhar- Disse já dando os primeiros passos na direção de algumas árvores, havia a parte asfaltada do porque e a parte cheia de gramas e árvores, onde poucas pessoas iam e quando iam ficavam espalhadas pela vegetação.


–Você está com medo de me dizer?

–Ultimamente eu tenho ficado com medo de tudo- Soltei uma risada sem humor- Mas sim, nada do que eu vou dizer vai ser agradável.

–Eu já espero por isso, só quero que essa sua loucura passe logo.

–Esse é o problema! Eu não me sinto tão louco quanto você diz que estou. Na verdade, sinto que estou fazendo o certo. Tom, pare e pense um pouco.... Eu estou fazendo o certo, não estou?

Por alguns segundos meu amigo se calou mesmo, o único som era dos nossos passos indo em uma direção qualquer. Pude ver seu cenho se contorcendo, minhas mãos já soavam de nervoso com essa pequena pausa. O tipo de momento que você não sabe dizer se foram segundos ou horas passando.

–Parece o certo- Ele respondeu por fim, abaixou a cabeça- Ainda assim, não é. Danny, você não pode deixar de viver por algo que não foi culpa sua.

–Pare de dizer isso, ninguém vai me convencer que não foi culpa minha. Às vezes acho que o único honesto comigo é o Diogo. Aquele irmão de Luiza que só faz me julgar, ao menos ele me faz querer provar que eu posso fazer algo que ajude, porque eu reconheço minha culpa e não quero ficar sem fazer nada. Pensei que você tinha entendido isso, quando me ajudou a arrumar o quarto para Luiza. Tom, o que esperava que acontecesse?

–Um milagre- Ele suspirou, pude sentir o peso naquele suspiro- Eu sabia que não seria mais a mesma coisa, mas não esperava uma mudança tão radical. Era seu sonho retomar a turnê, viajar por mais lugares.. Danny, era o nosso sonho.

–Muitas pessoas desistem dos seus sonhos pra fazer o que é certo, nada me faz acreditar que eu tenho o direito de ser egoísta.

–Quando foi que você virou tão poético?- Soltei uma risada, provavelmente a primeira depois de todo o acontecido. Era bom rir um pouco para variar, por mais que fosse um riso amargo demais.

–Desde que virei músico, meu caro- Brinquei de volta sentindo o mínimo de vida penetrar minha pele. Rose tinha razão, eu precisava de momentos como esse pra sentir a mínima vitalidade que fosse. Só não me sentia no direito de ter esses momentos. Logo a expressão dura voltou ao meu rosto.

Tom sentiu a mudança drástica, talvez por isso tenha dito:

–Você vai sair da banda- Não foi uma pergunta, foi uma afirmação. Assenti com a cabeça, prensei meus lábios. Estava sendo mais difícil do que eu imaginei, e acreditem, eu imaginei algo bem terrível.

–Seria temporário, até Luiza melhorar..

–E se ela nunca melhorar?

–Por isso eu vou deixar em aberto, vocês podem procurar por outra pessoa... Me substituir. Eu.... Bom...

–O McFly acabou- Tom disse firme, algo que me fez erguer as sobrancelhas- Você já esqueceu como éramos? Não existe essa possibilidade de te substituir. Se você sair, não existe mais o McFly.

–Não seja tão drástico, eu posso até ajudar a achar alguém.. Por favor, Não quero me sentir culpado por mais isso- Vacilei na voz, apesar de ser verdade eu tinha posto na minha cabeça que Luiza seria prioridade. E isso era algo que estava disposto a cumprir.

–Danny, acho melhor você pensar direito no que está propondo e no que está desistindo de ter.

–O problema é que eu já pensei demais- Passei a mão na testa em forma de desespero-Não existe pessoa no mundo que queira uma maquina do tempo mais do que eu. Concertar tudo, esquecer o que aconteceu, seguir em frente. Tom, eu não posso enquanto aquela menina estiver inconsciente por minha causa! É como se minha alma estivesse ligada a dela por uma divida de vida. Você sabe que eu teria morrido na hora caso...

–Sei, ok... Certo. Eu tentei entender uma vez e te ajudei. Preciso assimilar tudo isso e depois falo com você.

–Eu realmente espero que você me perdoe por isso- Disse por fim, mesmo sabendo que Tom já estava se afastando.

Cheguei a parar de andar para que ele seguisse seu caminho, mas ele voltou rapidamente. Apenas para dizer uma última coisa que fez meu corpo esfriar.


–Sem a música você vai definhar, escute bem Danny, não tem como sobreviver a isso sem a única coisa que te faz realmente bem.

Então eu iria definhar com Luiza. Isso também fazia parte do plano.



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