Slow Life escrita por thetigas08


Capítulo 8
Capítulo 7 - Reflexo




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E eu permaneci ali. Se não era deitado na cama, era sentado no chão, ou mesmo a espreitar pelo vitral. Sentia uma tremenda necessidade de abraçar alguém e deitar cá para fora tudo num grito apenas. Esperava o consolo. Que viesse até ao meu quarto e nele me reconfortasse.

Onde estava a minha capacidade de autocontrolo? Não me lembrava da última vez de me sentir tão estranhamente triste. Não suportava que isso continuasse. Essa ideia perturbava-me. Eu só queria um abraço. Um abraço de alguém que funcionasse como uma esponja. Precisava de alguém que absorvesse tudo o que sentia, as palavras que me passavam na cabeça, e a revolta que se instalara no coração.

Deviam ser por volta das onze horas quando ouvi um carro. Não queria que a minha mãe me visse naquele estado deprimente. Sabia que, se tal acontecesse, ela acabaria por ficar bem pior do que eu. Tinha de me recompor.

Pus-me em frente ao espelho da casa de banho e olhei-me. Permanecia exactamente igual desde da última vez que o fizera, à uns cento e vinte minutos atrás. E tal como ele, também o meu reflexo continuava a ser o mesmo. Eu, e apenas eu. Mas faltava algo. A capacidade de sorrir. Provavelmente a única fisicamente visível que tornava diferente o Diogo que vira do que estava a ver. E se o espelho apenas projectava aquilo que ele podia ver, era incapaz de mostrar o meu interior. Um interior que, se comparado com uma imaginável projecção real do meu estado de espírito depois de acordar, estava irreconhecível. Faltava a energia e ansiedade por descer as escadas e começar aquele novo dia. Era notório, faltava-lhe a vontade de viver. Tentei teatralizar um exterior mais apresentável, já que isso era a única coisa que naquele momento podia fazer. Lavei a cara e sorri para mim. E o espelho respondeu-me com um mesmo sorriso.

Era a mostra de felicidade mais cínica que alguma vez presenteara. Meteu-me nojo ver-me sorrir como se tudo estivesse bem e eu estivesse igualmente bem. E eles voltaram. Reentraram em cena e eu tentei mentir. De novo. Vi-os no espelho a olharem-me com mágoa. E eu perpetuava aquele sorriso estupidamente falso. Exibia-o como se fosse a verdade. Como se retratasse uma felicidade vinda do prazer de os ter deixado para trás. Era um sorriso tão falso que justificava a amargura com que a visão deles se dirigia a mim. Tornara-me tão bom actor que estava a transmitir-lhes uma ideia errada do que na verdade eu sentia. E o meu sorriso continuava. Mais vigoroso. E então olharam-me e depois dirigiram os olhos para o chão. De onde eu sorria, podia ver um mundo brilhantemente reluzente. De onde eles me olhavam pouco lhes via os traços que se dissolviam com o escuro que lhes servia de fundo. E quanto  mais eu sorria, e a luminosidade ao meu redor avivava-se numa mesma proporção, eles viravam-me as costas e podia vê-los caminhar a passo lento para um buraco negro. Um lugar sem saída. Conseguia sentir o pesar no andar, mas continuava a sorrir. E lentamente a luz que me protegia daquela escuridão ia empurrando-os para um preto escuro bem negro.

De imediato levei as minhas mãos aos lábios e tapei a boca de onde nunca saíra tanta mentira num sorriso. E assim que voltei a retirar as mãos, enquanto me escorregavam, ansiava deixar de o ver. E o espelho deu-me a resposta. Consegui exterminá-lo. Então, senti todo o meu redor escurecer, como se aquele gesto falso que acabara fosse o alimento de toda a luminosidade. Não queria deixar que o buraco negro que engolia aquelas almas de fantasmas perdidos o fizesse. Esperava que agora que se tornava negro o que brilhara, se tornasse claro o que era preto. Porém, tudo escureceu, e todos desapareceram. Eu e eles. Sem qualquer sorriso ou olhar, estava escuro.

Sem a visão, pouco me adiantava a audição, o paladar ou o olfacto. Restava-me apenas o tacto. Procurei algo duro enquanto apalpava todo o lavatório. Senti a água cair da torneira, senti a superfície lisa do granito e encontrei uma ajuda. Um adorno em forma de garrafa do meu lado direito, que dentro guardava uma solução de cor azul. Peguei-o com desespero e recuei na escuridão. Inspirei. E num gesto brusco ergui aquela peça e atirei-a em frente. Estava louco para os voltar a ver.

E aquele objecto em vidro explodiu assim que colidiu com o vidro, acabando com a escuridão. Um líquido azulado salpicou toda uma área que me circundava. Um azul forte que recortou o negro e clareou as coisas. E os destroços de vidro caíam no chão como se uma explosão os tivesse separado. E no espelho criaram-se fendas que o tornaram vulnerável, tão vulnerável que de seguida pude assistir á queda de pedaços reflectores sobre o chão e o lavatório. Cada um projectava pequenas partes de mim como se tal como ele, eu também estivesse agora desfeito.

E já só havia luz. Nem réstia de escuridão. Do adorno, só rastos quebrados, assim como do espelho. Do líquido azul, parte vertera pelo lavatório e o restante permanecia espalhado. Não fora a tempo de os salvar… Mas ainda não perdera toda a esperança.

Ajoelhei-me sobre os vidros e procurei por entre os destroços uma parte espelhada que mos mostrasse. Toquei, mexi e não encontrei. Sentia os joelhos em ferida e conseguia ver algum sangue a jorrar-me pelas mãos, que ia pingando sobre o chão. Eram consequências da procura.

Apetecia-me morrer ali. Fui seguindo com o olhar tudo aquilo que eu fizera e tentar aperceber-me da capacidade que tivera. E a certa altura, meus olhos tomaram a direcção da porta e aí avistara um novo destroço. O maior. Fui elevando o olhar e pude ver a alma da minha mãe ali.

- Diogo…

- Eu não vou aguentar mãe.

E levantei-me. E olhos nos olhos vi escorrer-lhe pelo rosto uma solitária lágrima ao mesmo tempo que a vi correr na minha direcção. E abraçou-me.

Foi o abraço mais sentido com que alguma vez me presentearam. Um verdadeiro abraço. E sussurrou-me ao ouvido:

- Aconteça o que acontecer, eu estarei sempre aqui filho… porque não haverá maior amor do que aquele que sinto por ti. Amor de mãe.

E permaneci abraçado a ela, agora com mais força. E continuou:

- Sei bem o quanto está a ser difícil para ti toda esta situação. Sei bem. E só te tenho de agradecer pelo teu acto. Tu mostras-te, tal como o teu irmão, o quanto amam a família. É provavelmente a maior prova que podiam dar nesse sentido. Estou orgulhosa de ti. Não tens de suportar tudo isto sozinho. Sempre que quiseres estarei cá. Sempre.

E senti uma lágrima correr-me pela cara, e pedi-lhe:

- Mãe, amo-te. Por favor, abraça-me com mais força e não me largues nunca mais…



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