Mar de Lembranças escrita por Misuzu


Capítulo 12
Promessa


Notas iniciais do capítulo

Teu chocolate, John ;3



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Ela realmente sabe ser convincente quando quer. Podem não ser os argumentos mais civilizados, mas funcionam, então, quem liga? Fico feliz de saber que de mim ela gosta. Não é alguém que eu queira ver irritada comigo. Bonnie irritada e fazendo escândalo? Fácil. Elora brava? Melhor fugir. Engraçado que eu mesma não sinto medo dela, mesmo com sua personalidade inconstante. Algo dentro de mim me diz que ela nunca faria mal a mim e nisso eu realmente acredito. É como se a presença de Elora fosse algo natural.

Obviamente, Elora iria conosco. Eu não tinha dúvida alguma de que ela cumpriria sua ameaça caso ocorresse contrário, levando em consideração tudo o que aconteceu nas últimas semanas. E eu realmente me sentia aliviada por poder ter ela comigo. Ela é a minha mais forte ligação com essa vida desde que abri meus olhos pela primeira vez de que me lembro, há um ano.

Ficara decidido que partiríamos em uma semana. O Sr. Marshall estivera desaparecido nos últimos dias devido aos preparativos para a viagem, que deviam ser muitos, já que não havia uma perspectiva de retorno para Voltrina. Keefe sumira também porque estava auxiliando o Sr. Marshall com os preparativos. Tenho certeza de que a presença dele nessa viagem era o grande motivo para ela ir junto.

– Desde quando você e Keefe... – não terminei a frase, sabia que ela captaria o sentido. Afinal, a relação deles não tem exatamente um nome.

Elora começou a rir enquanto dobrava o vestido para empacotar, o que me deixou bastante confusa.

– Não era exatamente um segredo, sabe. Mas você estava tão deslumbrada pelo Sr. Marshall que nunca conseguiu perceber.

Suspirei pesadamente e fechei a cara, da mesma forma que uma criança de cinco anos faria ao ser contrariada, eu admito, o que fez com que Elora risse mais ainda.

– Mas vocês já estavam juntos antes de eu conhecer o Sr. Marshall, não?

– Sim.

– Por que você nunca me contou sobre ele?

Eu confiava tanto em Elora, pensar que isso era unilateral me deixava profundamente triste. Eu sempre me apoiei nela, compartilhando minhas angústias e meus pequenos momentos de rara alegria. Mas ela nunca me contara sobre seu longo relacionamento.

– Que tipo de pessoa eu seria se ficasse expondo para você minha felicidade enquanto você mesma estava sempre tão triste? Eu arrisco dizer que você só reparou em nós dois agora por estar sentindo algo semelhante.

Suspirei. Eu mesma já tinha percebido isso, embora tentasse ignorar e esquecer, ainda mais depois de seu desaparecimento nos últimos dias. Achei que fosse o momento perfeito para cortar o mal pela raiz. Mas ele voltou, com direito até a entrada triunfal, trazendo de volta a tona todos os sentimentos confusos que eu vinha tentando reprimir. E o pior, ele esteve ausente fazendo algo por mim, isso sim abria as portas para uma enxurrada de sentimentos confusos. O alívio em vê-lo de novo, o primeiro dos sentimentos confusos a escapar, foi tão grande que chegava a ser humilhante.

– Ele é um comodoro, Elora. Eu sou só uma garota idiota sem memórias que apesar de não ser uma prostituta, tem a imagem de uma. Não importa o quanto ele pareça interessado em mim, eu sei que sou apenas um passatempo e que uma hora ele vai se cansar.

Elora sentou-se mais perto de mim, envolvendo minha cintura com seu braço, olhando para frente, de forma pensativa. Eu encarava meus joelhos, quer dizer, as camadas de tecido que os cobriam, com toda a insegurança dentro de mim se dissipando aos poucos com seu abraço casual.

– Veja pelo lado positivo, Millie. Você não tem nada a perder. Eu pensei que você não fosse sobreviver quando a encontrei naquelas condições. Mas aqui está você, viva, com uma nova vida pela frente. Portanto, viva.

Lágrimas escorreram pelo meu rosto. Não sei ao certo os motivos, eram tantos. Insegurança com relação ao Comodoro. Tristeza pela despedida iminente. Uma pontada de tristeza pelo passado que eu não conhecia. Alegria por estar viva e poder ter um futuro. Eu estava virando um bebê chorão, disso eu tinha certeza. Mas eu simplesmente não conseguia impedir minhas inseguranças de tomar seu rumo para fora de mim. Elora permaneceu calada enquanto me abraçava e afagava meu ombro de forma distraída, parecendo acostumada a confortar ondas de lágrimas.

– Ainda me lembro da primeira noite que passei com Keefe desde que você começou a trabalhar no bar. – Ela parecia conter uma risada, então eu presumi que o assunto fosse leve. – Quando Keefe chegou ao quarto, ele me contou que pedira para você uma bebida no bar e por impulso pegara uma mecha de seus cabelos para olhar, admirado pela beleza da cor. Como resultado, você deu um tapa na mão dele e mandou que ele a mantivesse longe de você caso quisesse que ela continuasse no braço, enquanto balançava distraidamente uma faca que usava para cortar limões.

Agora ela ria abertamente, praticamente gargalhava. Acabei me juntando a ela, embora não lembrasse exatamente do ocorrido.

***

Após o prazo de uma semana estipulado pelo Comodoro para que partíssemos, já estávamos com todos nossos bens organizados para a viagem. Não que eu tivesse muita coisa para levar, apenas algumas mudas de roupas. No entanto, quando percebemos, havia muitas coisas a mais. Parece que cada uma das moças queria dar-nos algo para que pudéssemos nos lembrar delas em nossa viagem. Em sua maioria, eram vestidos. Luce fora a única a não me trazer nada, exceto Bonnie e suas capangas, claro. Até mesmo Laureen, com seu jeito frio trouxera-me um presente: um lindo vestido cor de vinho que eu ainda não acreditava que ela realmente havia me dado.

Estava com Elora em seu quarto, ela insistira que eu devia colocar o vestido mais belo que eu tivesse, pois esse dia seria muito importante para mim, pois marcava um novo começo, mais um. Mas eu sabia que o que ela queria é que eu tivesse uma saída triunfal. E o escolhido foi o vestido que Laureen me dera na noite anterior. Senti-me um pouco relutante de coloca-lo. Ele deixava meus ombros a mostra e eu não me sentia confortável em deixar aparecer a marca de uma provável queimadora que havia em meu ombro. Mas Elora dera um olhar encorajador antes mesmo que eu dissesse algo, como se não fosse um grande problema. Bom, ao menos as mangas do vestido eram longas.

Claro, eu devia esperar que apenas o vestido não seria o bastante para Elora. Ela quis também arrumar meu cabelo em um coque alto e desleixado – de uma forma bela. Ela começou a procurar em seu porta-joias por uma presilha que combinasse com o vestido, mas nenhuma parecia deixar-lhe satisfeita. Foi enquanto esperava sua crise de indecisão passar que reparei que Luce estava observando-nos da porta, sabe-se lá há quanto tempo.

– Acho que esta presilha combina com seu vestido, Millenia.

Ela então veio em minha direção e entregou-me a presilha. Era maravilhosa. O ouro se retorcia formando lindas flores, incrustadas com rubis.

– É linda, Luce. Mas não posso aceitar algo assim. – Estendi o braço para devolver-lhe o acessório, mas ela ignorou meu movimento.

– Não estou dando ela a você. Quero que você volte para me contar o que aconteceu e me devolva ela um dia.

Então eu percebi o quanto ela estava tentando parecer forte na minha frente para que eu não me sentisse triste com a partida. Abri os braços e ela abraçou-me no mesmo instante e senti suas lágrimas em meu ombro. Acariciei seus cabelos gentilmente enquanto esperava que ela se acalmasse.

– Não estava em meus planos nunca mais lhe ver Luce, nós nos encontraremos novamente no futuro. E então só sentaremos para conversar e contaremos uma a outra as diferentes histórias do tempo em que ficamos separadas. E então devolverei-lhe esta presilha. Eu juro.

Isso foi o suficiente para que ela se acalmasse. Então ela soltou-me, secou os olhos com a manga da blusa e deu um sorriso pequeno.

– Vou querer saber de tudo, certo?

E então, antes mesmo que eu pudesse verbalizar uma resposta, a jovem garota deu as costas e saiu do quarto, tão repentinamente quanto havia adentrado. Elora, que permanecera em silêncio enquanto Luce estava ali, gentilmente tomou a presilha de minhas mãos e a ajustou ao penteado enquanto eu esperava pacientemente. Ela então veio para a minha frente e estendeu-me a mão para ajudar-me a levantar. Então deu um sorriso de alguém que está satisfeito com a sua criação, mas, ao mesmo tempo, encorajador.

– Você está perfeita.

Alguns instantes depois, Laureen veio nos avisar que o Comodoro Marshall e Keefe já haviam chegado. Tentei controlar o nervosismo que tomou conta de mim, mas parecia ser uma tarefa impossível. Elora pareceu sentir o que se passava comigo, pois pegou minha mão e a apertou de forma a me encorajar.

Seguimos de mãos dadas pelo corredor entre os quartos do segundo andar até as escadas. Durante o trajeto, Elora me explicava a tradição que havia de que, quando uma menina vai embora, as outras meninas a presenteiam, a fim de que ela nunca se esqueça de tudo pelo que passaram juntas. E que essa tradição tem uma segunda parte: aquela que parte deve se apresentar da melhor forma possível para se despedir das outras. Assim, a imagem que terão dela será a última, a mais bonita.

Estávamos no topo das escadas quando tive um mau pressentimento e meu instinto me fez recuar para o lado, puxando Elora comigo. O que aconteceu a seguir foi a série de fatos mais incrível desde que acordei nesse lugar. No exato instante em que desviei para o lado tudo o que pude ver foi Bonnie se impulsionando para frente com os braços estendidos. Como se estivesse procurando algo... ou fosse empurrar alguém. Mas ela acabou sofrendo as consequências de sua própria ação: perdeu o equilíbrio e caiu escada abaixo, rolando violentamente sobre os degraus e gritando desesperadamente.

Elora e eu não fomos as únicas a presenciar a cena: todas as outras garotas viram, pois estavam esperando para nos ver descendo por essas escadas. Pareceram surpresas com o ocorrido no primeiro instante, mas logo a compreensão tomava conta de seus rostos e não conseguiam expressar nada além de desapontamento com Bonnie.

Calmamente, soltei a mão de Elora e desci as escadas de forma serena. Estava ciente de que todos me olhavam, mas não deixei isso me abalar. Quando cheguei ao final na escada, onde Bonnie estava se recompondo, me agachei ao seu lado.

– Sabe, eu pretendia retribuir suas gentilezas hoje caso você fizesse algo – eu disse de forma sarcástica, em um tom de voz que todos ali pudessem ouvir, então dei um sorriso suave – mas, aparentemente, não precisei, já que você é não genial a ponto de conseguir fazer isso sozinha.

Levantei-me novamente e caminhei em direção à porta onde, só agora eu reparei, Allan Marshall me esperava com um sorriso satisfeito nos lábios. Parei a alguns metros dele, esperando sua reação ao ver meu ombro nu e o que ele revelava. Ele olhou para mim de cima a baixo, sem demonstrar nenhuma timidez. Analisou meu vestido, meu cabelo. Então seus olhos pousaram sobre meus ombros e ali permaneceram por uns instantes, seu sorrido perdendo um pouco sua intensidade. Então olhou em meus olhos, como se quisesse analisar cada centímetro de minha alma.

Após alguns instantes de contato visual, seu sorriso satisfeito volta aos lábios, agora ainda mais intenso, enquanto ele estende sua mão para mim. E então, sob os suspiros das demais moças ali presentes, enquanto cruzo as portas que dão para o mundo, escuto estas palavras, pela segunda vez no dia:

– Você está perfeita.


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Notas finais do capítulo

Vejo vocês no próximo capítulo ;*



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