A Brave New World escrita por Maria Salles


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

"Ela se levantou e saiu pela porta dos fundos, completamente à vontade. Eu estava irritada e perplexa demais para exigir respostas e brigar, então, por mais que me odiasse por fazer isso, acatei sua ordem."



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Descobri que todos na família Belikov eram fáceis de gostar. Todas eram ótimas pessoas e em dois dias me sentia totalmente em casa. A única que me dava certo medo era a vovó Yeva. Ela me olhava... Sei lá, era estranho. Estava sempre com ar reprovador e mal humorado. Era a única que não falava inglês, e fazia o pobre Paul traduzir tudo pra ela. Mas o que mais me incomodava era aquele olhar sinistro que ela me dava.

Olena não deixou que começasse a treinar. Disse que tinha que me acostumara com o frio, com a comida, com a casa, com eles, em fim, deu mil e um motivos para que deixasse meus treinos para a semana seguinte, depois que seu filhos chegasse. E ela me achava magra demais, disse que acabaria passando mal se não comesse direito. Então ela e a mãe entraram num consenso: na terça feira, sem falta, a sessão intensivo de guardiã começaria. E não tinha desculpas!

- Eu não entendo.

Era quinta à noite, e tínhamos acabado de jantar, uma espécie de sopa, mas bem mais gostosa. Yeva contava à Viktoria e Paul, histórias de sua época de guardiã, Sonya já estava deitada e Karolina fazia a bebê – ela tinha dois filhos – dormir. Eu ficara para ajudar com Olena arrumar a cozinha, quando comecei a pensar na minha estadia aqui.

- Quero dizer, não me entenda mal, Olena, mas por que tive que vim pra cá? Se for para treinar, poderia ter ficado nos Estados Unidos ainda. Poderia até mesmo treinar com minha mãe. Acredite, já lutei com ela, não é fácil, física e psicologicamente. Mas por que me mandaram pra cá? Longe de tudo, longe da Lissa?

Olena lavou o enxaguou o ultimo prato e me deu para seca-lo. Ela limpou a pia, enxugou e só depois que se sentou e me mandou sentar com ela me dirigiu a palavra.

- Rose, não vou dizer que não sei por que você está aqui, por que eu sei. As festas, as bebidas, os garotos. A forma imprudente que você vem agindo e intensificada nos últimos dois, três anos. E também não vou ignorar o bem que você fez. O ataque em Spookane, sua relação com a princesa Dragomir, e como você a salvou do próprio tio. Poderia enumerar seus feitos, bons e ruins, a noite toda, mas você me entendeu. Mas, infelizmente, neste caso, a conduta ruim supera a boa. Por que você terá outras vidas, a vida de a princesa principalmente, em suas mãos.

- Eu não sei por que eu ajo assim. – disse, de repente, ansiando pela aprovação dela – só que.... eu as faço. Ajo por impulso!  Por... não sei... para provar algo... Olena, eu não sou uma delinquente irresponsável que...

- Rose, Rose! – ela passou o braço abraçando meu ombro e me senti tão reconfortada, me senti tão filha dela como nunca senti da minha mãe, e antes que pudesse me impedir, comecei a chorar. – O motivo por você estar aqui não é por que você precisa de corretivos brutos. Abe, seu pai, me conhece há anos e conhece meu menino, e acha que pode ser bom pra você. Passar um tempo com uma família de verdade. Com uma mãe, uma avó, uma casa cheia. Em um lugar inóspito com poucas distrações. Sua mãe e seu pai querem o seu bem, e querem que você tenha limites, algo que eles não puderam e escola nenhuma pode dar.

Em outras palavras, pelas do Dimiitri: eles não desistiram de mim. Eu, realmente, precisava desse ambiente calmo e tranquilo, que na Academia e na Corte não tinham. Precisava de... férias. Por mais que fosse treinar. Os últimos dois anos foram difíceis ao extremo. As perdas, as batalhas. Eu havia passado por muito, e nada que eu já tivesse enfrentado. Eu poderia parecer bem, e agir até bem demais, mas internamente eu estava um caos, um caco. E a aproximação de Lissa, por mais que me doesse admitir, piorava tudo. Eu estava pegando a escuridão dela.

Junto com seu grande poder do Espirito, vinha também uma enorme fragilidade, tanto física, emocional e mental. O poder exigia demais dela, e as vezes ela tinha depressões tão fortes que se cortava para se sentir melhor. E também havia o lado ruim de sua mente. Pensamentos ruins que incentivavam ações ruins. Eram fortes e quase tinham vida própria, e parte deles, a maior, vinham para mim. Me faziam agir de forma pior que o usual. Me deixavam irritada, e nervosa, a ponto de socar o primeiro que me aparecesse.

- Eu não me orgulho de ser assim. Eu só não consigo evitar... – eu ponderei em contar sobre o laço com a Lissa e o fato da escuridão me cercar. Sobre eu ser uma Shadow Kissed. Mas mudei de ideia – Eu tento mas...

- Rose, não precisa se explicar. – Olena acariciou meus cabelos com carinho, e me senti bem mais calma – O importante é que você está aqui agora. Tudo isso vai te fazer bem, menina. Olhe, eu entendo que você tem passado por muita coisa, e te aconselho a fazer algo: meu filho chega neste sábado. Converse com ele. Sobre o que aconteceu ao seu amigo, sobre o que você presenciou. Misha é um guardião muito bom que já passou por muito mais que todas aqui. Ele, mais que ninguém, vai te entender e te ajudar de alguma forma. Misha, e não digo isso por ser mãe dele, é um rapaz de ouro. Você vai ver isso quando o conhecer. Fará bem a convivência de vocês dois.

- Obrigada Olena.

Eu não ia falar dos meus problemas com um desconhecido, por mais que ele fosse desta família maravilhosa, o que já o fazia maravilhoso. Não conseguia nem explicar a Lissa o que eu sentia. Não consegui falar com ela ate hoje sobre o incidente em Spookane, imagine pra esse guardião vivido e experiente? Mas não iria dizer isso a amável Olena.

- Agora, Yeva deve ter acabo sua ‘sessão de histórias’. Chame Vik e vão dormir. Vocês andaram de um lado para o outro com a vovó Yeva e deveriam dormir cedo hoje. Amanhã vão me ajudar a arrumar a casa e todos os preparativos para a vinda do meu bebê no sábado!

Eu ri e concordei com a cabeça, limpando algumas lágrimas que caíram sem eu perceber. Ter vindo para cá poderia ter sido um erro. Era capaz de eu nunca mais querer voltar.

***

- Rose, acorda!

Eu abri os olhos assustada e me sentei na cama quando vi o teto que não era do meu quarto na Corte. Foi a presença de Vik que me lembrou de que estava a milhões de quilômetros longe dele. E a pouca luz que vinha da janela indicava que era muito mais cedo que eu estava acostumada. Yey!

- Mas que horas são?!

Perguntei exasperada puxando o edredom até o pescoço. Estava frio, cedo e eu tinha fome e sono. Não era uma boa combinação pra mim.

- Oito horas. – eu a encarei boquiaberta. Vik tinha um sorriso animado e já estava toda vestida. – Vamos, vovó daqui a pouco vem aqui pessoalmente! Acredite, você não quer isso!

Com uma velocidade que nunca achei que fosse possível, vesti uma roupa quente, lavei o rosto e escovei os dentes e prendi o cabelo num rabo de cavalo, optando pela praticidade e não vaidade. Vik e eu faríamos os preparativos para o tão famoso filho, Misha.

- Mamãe quer que compremos mais ingredientes para fazer pão. Tanto você quanto ele o adoram e comem bem, então não quer arriscar ter pouco.

Me informou enquanto descíamos as escadas rumo a cozinha. Enquanto tomávamos café, Olena ia de um lado a outro anotando o que precisávamos trazer. Sonya havia saído para trabalhar, e não sabia onde Karolina estava. Yeva, com o costumeiro ar mal humorado, apareceu na cozinha quando Olena nos dava a lista de compras.

Ela disse algo à Vik, e ela pareceu não gostar. Olena suspirou revirando os olhos, enquanto Vik assentia de mal grado.

- O que aconteceu? – perguntei a Olena – o que Yeva disse?

- Ela disse que vai precisar de você na hora do almoço. Que Vik teria que me ajudar sozinha.

- O que ela quer comigo? – a vovó Yeva mal havia me dirigido a 

palavra nesses três dias, o que ela queria comigo agora?

- Ela quer te apresentar a umas pessoas. Uns amigos. Segundo ela tem que ser ainda hoje. – Olena sorriu para a filha que estava mais desanimada – Não se preocupe Vik. Karolina, eu e você damos conta de tudo. Você tem mais duas semanas para aproveitar a companhia de Rose!

- Tá, que seja... – ela me olho com um sorrisinho – temos a noite toda pela frente.

Eu lancei um sorriso de incentivo, acenamos para as duas mulheres na cozinha, e saímos para o centro, rumo ao mercado.

Foi mais demorado que eu pensei. Primeiro que eu não podia ajudar a ler a lista, a pegar ou indicar onde os itens estavam, pois estava tudo em Russo e eu não entendia nada. Eu nem sabia o que estávamos comprando pra começo de conversa. Tinha ingredientes de varias receitas e outras coisas para a casa, então me limitei a fazer o que Vik me pedia.

Depois fomos a uma espécie de feira aberta comprar outras coisas e voltamos em casa para descarregar. Olena já nos esperava com o almoço pronto. Karolina não estava em casa com as crianças, e Yeva chegou pouco tempo depois de nós.

- Ótimo! – exclamou Olena quando a mãe adentrou a cozinha – podemos almoçar agora. Vik, temos muito que fazer ainda...

Yeva disse algo em russo, que deixou Olena desapontada, mas não discutiu. Vik bufou. Deus! Essa velha sempre irrita todo mundo?

- Ahn, Rose, vocês vão almoçar em outro lugar hoje.

- Vocês como...

- Como você e vovó Yeva. Mas é só o almoço! Depois vocês voltam. Vik e eu estaremos, provavelmente fora, mas não demoramos a chegar. Você tem a chave né? Ótimo, então nos espere em casa, sim? Vou te ensinar a fazer aquele pão, Rose!

Eu sorri meio sem graça com a situação. Yeva não aceitava não como resposta, e parecia que ninguém ali realmente ia contra ela. Neste momento gostaria de saber mais que nada em Russo. Eu não entendia nada do que elas disseram e começava a me incomodar com isso.

O caminho fora silencioso. Eu não falava Russo, Yeva não falava inglês. Honestamente? Nem sei se eu realmente queria falar com ela. O silencio durou mais ou menos uma hora, até chegarmos numa casa Nós andamos por quase mais uma hora ante de alcançar uma pequena casa de um andar, feita de toras de madeira marrons, planas e desgastadas. A janela era cercada por persianas azuis, delicadas e estilizadas revestidas com um design branco. Um cheiro de almoço perfumava o ar, e eu percebi que estava com muita fome.

Yeva bateu na porta três vezes, e uma mulher, Moroi, abriu a porta. Devia ter uns 30 anos e era muito bonita. Tinhas as maças do rosto altas cabelo louro avermelhado além de um sorriso simpático. Elas trocaram umas palavras em russo, pra variar, e nos deu espaço para passar.

- Olá, Rose. Eu sou Oskana, prazer em conhecê-la! Estava ansiosa para te conhecer!

- Ah... obrigada.

Ela me olhava como um cientista olhava o ratinho de laboratório. O que Yeva tinha falado de mim pra ela? Oskana me olhava com surpresa, curiosidade e até um pouco de admiração. Um homem que parecia bem mais velho que ela apareceu na sala, as mãos sujas de terra. Ele era alto, tinha um corpo bem constituído e cabelos cinzas. Ele olhou de Yeva para mim e um ar de satisfação preencheu seu rosto.

- Ah, você dever ser Rosemarie. Prazer sou Mark. Marido de Oskana. – ele estendeu a mão para mim, mas logo a recolheu – opa, vou me lavar primeiro, só um instante.

Ele deu um selinho em Oskana e se retirou. Isso me surpreendeu. Uma Moroi e um Damphir? Juntos? Tudo bem terem casos, isso era normal mas... juntos? Tipo, marido e mulher? Isso era um escândalo, algo que nunca havia visto.

- Bem, vamos indo para a mesa? – Oskana nos indicou para segui-la para a cozinha, onde uma mesa farta estava posta. – Você deve estar com fome, Rose. Yeva me disse que você acordaria cedo, imagino que não comeu nada até agora. Vocês, damphiros gastam muito mais energia que nós, então fiz de tudo um pouco, espero que goste.

 Sentamos a mesa e as duas mulheres começaram a conversar na língua natal. Eu permaneci olhando distraída pela cozinha organizada e limpa esperando por Mark chegar para começarmos a almoçar. Eu ainda não entendia o porquê era tão importante para Yeva que eu conhecesse esse casal. Além de ser um casal inesperado, não tinham nada de mais. Bem, nada que pudesse servir de exemplo ou lição para mim.

 - Pronto, - Mark chegou com um sorriso e se sentou ao lado da esposa. - podemos comer.

O almoço estava ótimo e os dois tinham um ritmo interessante. Oskana era quem mais falava, Mark se limitava a assentir uma coisa ou outra. Mas tinha algo nos movimentos dos dois, quando um passava o sal sem o outro pedir, completava a frase com exatidão. Era quase como cronometrado ou combinado. Era como se...

- Vocês dois tem uma ligação! – exclamei de repente, sem me importar com a falta de educação em estar interrompendo uma história, e me virei para Mark – Você é um Shadow Kissed!

Eles se entreolharam, surpresos, e pude ver que Yeva sorriu, como se estivesse satisfeita com minha descoberta. A essa altura, todos já havíamos almoçado, e nos demorávamos à mesa com preguiça. Oskana dirigiu a palavra a Yeva, que respondeu com um dar nos ombros. Mark me olhou por um instante, ainda com ar curioso, me analisando. E então sorriu.

 - E você também. – concluiu olhando para a velha mal humorada, que assentiu. – Sabia que tinha algo diferente em você. Quer dizer, eu senti por que te vi através de Oskana, mas sabia que era algo conhecido.

 - Como vocês... quero dizer...

Isso era incrível! Lissa e eu estávamos loucas atrás de mais usuários, mas nunca nem cogitei a hipótese de encontrar um casal como a gente. Outro Shadow Kissed era algo meio que surreal pra mim. Por isso Oskana me olhava estranho, ela sabia. Sabia que era como o marido dela.

- Caramba, nunca pensei que encontraria outro usuário de espirito. Muito menos que encontraria com ele um outro Shadow Kissed! Sempre achamos que seria muito difícil, quase impossível! Mas aqui está, vocês!

- Bem, não é algo que muitos sabem. A maioria apenas acha que não se especializou. Dificilmente tem ideia do poder neles. – respondeu Oskana com um sorriso. – Com quem você é ligada Rose?

- Minha melhor amiga, Lissa. A gente sofreu um acidente de carro... ela nem sabia o que estava fazendo.

Lembrar–me de Lissa me deu um aperto no coração. Ela estava longe, sofrendo por mim. Eu deveria estar lá para protegê-la! Isso era frustrante! Se sentir inútil, desnecessária... descartável. Mas como Dimitri me disse no bar, e Olena reafirmou ontem, isso era por ela. Ficaria este tempo longe, mas compensaria sendo melhor do que já era.

- Eu adoraria conhece-la! Nunca conheci nenhum outro igual a mim antes.

- Por falta de um, temos dois. Adrian, o primo dela, também é um usuário do espirito, embora não tenha ninguém ligado a ele. E tinha também a Avery, mas ela se deixou levar e acabou fritando o cérebro. Tinha duas ligações, e isso a deixava inconstante demais. Sem contar que já era louca, então...

Uma voz cortou nossa conversa. Uma voz sábia que eu somente ouvira murmurar palavras estranhas de uma língua estranha.

 - Uma conversa incrível e reveladora. – disse Yeva, ignorando meu olhar espantado – mas que ficará para outra hora. Rose, Olena pediu pra que não demorasse. E essa conversa ainda vai longe. Por que não vai para casa e marcamos uma outra hora para os três sentarem e conversarem? Eu ficarei por aqui, tenho mais uns assuntos pendentes, mas você se lembra do caminho, não?

 - Você... você fala inglês! – exclamei irritada – fala inglês bem demais, até! E vem fazendo o pobre do Paul e qualquer um a sua volta de tradutor! Por que, diabos!, fez isso?

 - Por que assim evitava conversas chatas. – ela ergueu a mão para me calar – Sem discussão, Rose. Vai, vai. Olena já deve até estar de esperando!

Ela se levantou e saiu pela porta dos fundos, completamente à vontade. Eu estava irritada e perplexa demais para exigir respostas e brigar, então, por mais que me odiasse por fazer isso, acatei sua ordem. Despedi-me dos casal simpático, e prometi que logo os procuraria sem falta, e fui para casa fula da vida.

- Velha louca! – reclamei pra mim mesma quando podia ver a casa a alguns metros adiante. – Pirada da cabeça. Me fazendo de idiota esse tempo todo!

Subi as escadas da varanda procurando as chaves, ainda reclamando comigo mesma a infelicidade da minha tutora ser uma velha louca varrida! Onde Abe estava com a cabeça? Não, isso devia ser coisa da minha mãe! Ela que não sabe o que faz e acaba estragando tudo!

Que ódio! Que inferno! Que...

Abri a porta e estaquei.


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Notas finais do capítulo

Hm... O que será que aconteceu, han?

Dica:

"Abri os olhos, e, a pouca luz que vinha do corredor, encarei um par de olhos escuros que eu conhecia muito bem. Suas feições estavam meio embaçadas devido a pancada na cabeça que eu levara, mas definitivamente, eu conhecia o russo a minha frente."