~ L ~

 A dor é imensa. Não sei o que dói mais, a ferida em si ou saber quem a causou.

 Qualquer que seja, é insuportável.

 Desde o começo eu sabia como tudo poderia terminar, o que aquela decisão poderia acarretar, mas eu decidi confiar; pela primeira vez na minha vida eu optei por dar mais valor aos meus sentimentos do que à minha razão.

 E agora eu estou morrendo.

 Me permiti olhar para a ferida feita entre as minhas costelas por um instante, mas foi um erro. A dor pareceu dobrar ao visualizar a mancha vermelha na minha camisa branca, que se formava em volta do punhal cravado na minha carne.

 Logo eu não conseguia mais sustentar meu próprio peso e tive que me apoiar nos ombros dele para não cair.

~ Raito ~

 O que eu fiz? Era realmente... Era realmente isso que eu queria?

 Lógico que era!

 Ele é L, aquele que declarou guerra contra Kira; ele precisa morrer para que eu possa me tornar o Deus do Novo Mundo!

 Mas então... Por que dói tanto?

 Por que sinto essa angústia insuportável?

 Por que?

 Verdade que no tempo que eu não tinha memória alguma sobre o caderno, nós convivemos e acabamos nos aproximando de uma forma, com uma intensidade, que jamais constou em meus planos, mas... Isso ainda continua?

 Talvez sim. Por qual outro motivo eu abandonaria todo o meu cuidadoso planejamento dessa forma? Se tinha de matá-lo, achei que o mínimo que devia à ele era fazê-lo com minhas próprias mãos.

 E assim fiz.

 Mas o arrependimento  me atingiu tão logo enfiei o punhal em seu corpo, e nesse momento eu não era mais "Kira", era apenas "Raito", e eu tinha certeza de que "Raito" não queria que L morresse.

 Era tão estranho, era como se houvessem duas pessoas dentro de mim, uma sobrepujando a outra.

 Ryuzaki se apoiou em mim, e dava para ver toda a dor que ele sentia, todo o sofrimento.

 Sua pele estava mais pálida do que jamais vi; seus olhos aos poucos perdiam o brilho; suas olheiras pareciam grandes fendas em seu rosto; arfava cada vez menos.

 Ele realmente estava morrendo.

 ...

 Não!

 O abracei forte, tomando cuidado para não encostar no punhal que ainda jazia em seu corpo.

 Ele parecia não ter mais forças nem mesmo para se manter apoiado, então o deitei gentilmente no chão, ainda mantendo meus braços ao seu redor.

~ L ~

 Ele me abraçou e me deitou no chão, ainda em seus braços, de uma forma que eu, sinceramente, não esperava.

 Aqueles olhos... Era como se "Raito" houvesse voltado, o "Raito" que eu achei que nunca mais fosse encontrar.

 Ah! Não é irônico como na primeira vez em toda a minha vida que eu me relaciono com alguém, essa pessoa me mata?

 Minha visão estava começando a escurecer...

 A dor aos poucos ia diminuindo...

 Não, não era a dor que ia diminuindo, eram os meus sentidos que começavam a falhar...

 - Ryuzaki! - Raito exclamou ao ver meus olhos começarem a fechar. Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto.

 Ele... Estava chorando?... Por mim?

 Tentei manter meus olhos abertos mais um pouco, mas era incrivelmente difícil com o torpor que aos poucos ia me envolvendo.

 Consegui apenas reunir o que restava das minhas forças e do meu ar para dizer, quase sem conseguir terminar - Lawliet... Me chame de... Lawliet...

 Queria ao menos... Ouví-lo dizer meu nome... Apenas uma vez...

 Apenas isso.

 - Lawliet... Lawliet! - repetia Raito sem parar.

 Desisti de lutar contra a névoa, contra o torpor, mas ainda consegui ver mais lágrimas se formando em seus olhos.

 Sua voz estava cada vez mais distante, mas eu ainda a ouvia como um eco: "Lawliet... Lawliet..."

~ Raito ~

 - Lawliet! - chamei pela última vez em uma esperança vã.

 Aqueles olhos não se abririam mais.

 Eu sabia.

 Continuei abraçado ao seu corpo, lembrando ironicamente do sonho que tive certa noite.

 O sonho em que eu matava Ryu... Que eu matava Lawliet. Na época aquele sonho me perturbou tanto, e agora eu o reproduzi na realidade, com todos os detalhes.

 Ou melhor, quase todos. Aqui não havia um espelho.

 E também nem precisava.

 Porque eu sei quem eu sou.

 E pela primeira vez, me odiei por ser... "Eu".

 Desta vez Lawliet não estaria ao meu lado quando eu acordasse, para me abraçar, me confortar.

 Porque desta vez eu não iria acordar do pesadelo.

 Porque Lawliet estava morto.

 Eu o havia matado.

 Eu era praticamente a pessoa mais poderosa do mundo agora. Voltaria a agir como Kira e me esconderia atrás da máscara e dos privilégios de "L". A maior parte do mundo me apoiava e a outra parte me temia. Meu pai confia totalmente em mim e Misa fará tudo o que eu mandar.

 Agora não existe ninguém que possa me parar.

 ... Isso mesmo, ninguém.

 Para minha própria perplexidade, eu não me movi dali; eu sequer cogitei me mover. Não queria soltar Lawliet, não dando a mínima que alguém pudesse entrar e me prender, não me importando, que se esse fosse o caso, eu passaria o resto da vida na cadeia ou até mesmo fosse executado.

 Eu não me importava.

 Poque nada fazia sentido, se Lawliet estava morto.

 E eu percebi isso tarde demais.