- Mello, você parece um pouco feliz demais com esse trabalho - comentei, observando o sorriso dele.

 - Pareço? Imaginação sua - ele respodeu aumentando ainda mais o sorriso.

 Suspirei.

 Eu tinha que acabar com aquela alegria dele, não tinha?

 ...

 Tinha mesmo? 

 Olhei em volta. Não tinha ninguém para fazer isso no meu lugar?!

 - Mello, eu nem sei como te dizer isso, mas... Ahn... Você não vai poder atirar em ninguém.

 O sorriso dele sumiu instantaneamente.

 Essa cena seria até cômica se eu não soubesse do perigo que era.

 A expressão dele era igual a de uma criança que acaba de receber a notícia de que não ganhará presentes no Natal. Mas por um motivo um pouco diferente.

 Essa expressão era porque Mello tinha acabado de ouvir que não poderia atirar em ninguém durante esse trabalho.

 E fui eu quem disse...

 Talvez aceitar um trabalho no paintball não tenha sido a melhor das idéias.

 Mas pelo menos confiscaram a arma de verdade do Mello na entrada. E ele não reclamou quando o fizeram; isso porque ele achou que poderia atirar em todo mundo à vontade com a arma de tinta.

 ...

 Ok, eu não me envergonho de dizer que estou um pouquinho assustado.

 ...

 Que pouquinho, o quê?! Eu estou é apavorado mesmo!

 Quem nunca viu o Mello realmente irritado não conhece esse sentimento!

 E eu tinha um pressentimento de que hoje era o dia.

 Espero que essa proteção ajude em alguma coisa.

 - Hunf. Vamos embora então - Mello falou, começando a andar.

 - Espera! - segurei o braço dele - Nós precisamos do dinheiro.

 - Podemos arranjar outro trabalho.

 - Mas nós já estamos aqui! E totalmente protegidos também.

 É brincadeira né?! Tá que ele deve estar decepcionado e irritado agora, mas ele sabe o quão difícil seria arranjar outro trabalho agora! Claro, o vício dele era fácil de alimentar! Mas meus jogos custavam bem mais do que os chocolates dele!

 Claro que contas, comida e aluguel estão em segundo plano na nossa lista de prioridades.

 - Tá bom, tá bom - ele resmungou e eu soltei o braço dele.

 Até que o trabalho não era difícil. A gente só tinha que ficar lá no meio, atrás de um escudo, e bancar os juízes da brincadeira.

 Mas passar o dia vendo as pessoas atirando dolorosas bolas de tinta umas nas outras não serviu para melhorar o humor de Mello.

 Pelo menos o dia estava chegando ao fim.

 O último grupo do dia era um grupo de 20 ou 25 adolescentes irritantes. Sabe aqueles que fazem mais barulho do que trânsito de fim de tarde?

 ...

 Tá legal, me senti um velho falando agora.

 - AI! - Mello exclamou alto.

 Por que Mello disse " ai "? Eu tinha medo de verificar...

 Coragem, Matt!

 Virei lentamente para olhá-lo.

 Mello estava estático, segurando o escudo em uma das mãos mão e uma barra de chocolate na outra, e tinha uma enorme mancha verde no seu ombro esquerdo.

 Pude ouvir os risos abafados dos moleques ali perto.

 O QUÊ AQUELES IDIOTAS FIZERAM??!!!

 Eles atiraram no Mello?!

 O QUÊ ELES TINHAM NA CABEÇA?!

 - M-Mello? - chamei hesitante.

 - Segura pra mim - ele estendeu a barra de chocolate para mim e eu segurei.

 Ferrou.

 Mais do que quando ele explodia, o pior era quando ele continuava mantendo o controle.

 Mello andou até um dos garotos, muito calmamente, sem levar nada nas mãos.

 - Opa, foi mal aí - o garoto sorriu debochado.

 - Não tem problema - Mello sorriu também.

 Eu tinha medo daquele sorriso.

 E pelo jeito aquele garoto também percebeu o perigo, porque ele deu um passo para trás, o sorriso de deboche vacilando.

 Ah! Então ele não era tão idiota assim.

 Mello estendeu a mão até a arma do garoto, e a pegou. O moleque não ofereceu resistência nenhuma; acho que ele ainda estava sob o efeito do sorriso e do olhar do Mello.

 O que o instinto de sobrevivência não faz.

 Um tiro.

 Ai! Essa até eu senti.

 Mello atirou bem no ombro esquerdo do garoto, deixando uma mancha parecida com a sua, mas amarela. Um tiro de tinta, a queima-roupa deve doer pra caramba!

 Me encolhi atrás do meu escudo. Eu até que gostaria de me divertir um pouco atirando naqueles idiotas que foram burros o suficiente para atirar no Mello, mas... Era melhor me manter fora da linha de risco. 

 Para o meu próprio bem.

 Pude ouvir muito barulho, mas não levantei a cabeça para ver.

 Só teve um momento em que eu parei de ouvir gemidos de dor e coisas caindo e batendo no chão.

 Mello devia estar recarregando a munição.

 - Agora sim esse trabalho valeu a pena.

 Mello apareceu ao meu lado, estendendo a mão para pegar seu chocolate e sorrindo normal já.

 Saí de trás do escudo para visualizar o cenário do " tiroteio ".

 Só tinha metade do número de adolescentes que tinha entrado lá; o resto provavelmente tinha fugido ou se escondido em algum lugar.

 E eles foram espertos, porque os que ainda estavam ali estavam todos no chão, a maioria com as mãos na cabeça, como se tentando se proteger.

 Olhei melhor para Mello.

Foram 12 adolescentes contra Mello, e eles só conseguiram acertá-lo 2 vezes?! Todos eles estavam completamente manchados pelos tiros de Mello e eles só acertaram 2 tiros?!

 Além da mancha verde no ombro, Mello tinha só uma azul no abdômen e uma amarela quase ao lado.

 Cara, como eles era ruins de mira!

 - Se divertiu? - perguntei.

 - Como se eu me divertisse atirando nos outros - ele riu.

 E eu ri junto.

 Na verdade nós não deveríamos estar rindo, não deveríamos mesmo. Eu realmente esperava que Mello tivesse se divertido bastante, porque agora nós estávamos desempregados.

 De novo, só para constar.

 Eu não li as regras do lugar, mas eu acho que atirar sem dó em um grupo de adolescentes não era exatamente seguir as regras.

 - Vêm, vamos receber nosso pagamento de hoje antes que descubram sobre isso - Mello falou ainda rindo.

Por isso eu sempre digo: nada como atirar em uma dúzia de pessoas para melhorar o humor de alguém!