Prostitution Is Revolution. escrita por rumpelstiltskin


Capítulo 2
Capítulo 2




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02. Words are all I have to take your heart away.

POV do David.

            Um dia depois da morte do pai de William Beckett e da insensibilidade de Pierre Bouvier – que convenhamos foi ridícula – ele estava lá, trabalhando com os olhos feridos e eu não pude sequer me aproximar dele para perguntar onde estava Gabriel e porque uma tristeza excessiva, mas voltando ao meu ponto. Bouvier, naquele dia, estava de folga e eu finalmente poderia ter um pouquinho de paz e tranqüilidade. O movimento da chapelaria sempre era bastante fraco e eu costumava brincar dali o que tinha por trás das máscaras. Os castanhos eram sempre aqueles com quem eu perdia maior parte do meu tempo. Eu estava naquele lugar por trabalho, mas também porque eu fazia parte daquele público. Eu havia me assumido gay há alguns anos, mas tinha sofrido muitas coisas dos meus pais, dos meus ex-amigos, mas o que eu menos aturei foi o homem que eu amei, por quem eu me rebelei, me tratando como lixo uns meses depois. Era bastante estranho, mas agora, por ele, eu prefiro manter uma certa distância e ao mesmo tempo o quero perto, porque ainda o amo. Amo e quero odiá-lo o máximo que eu conseguir, mas a verdade era que eu não conseguia não estar perto. Talvez esse fosse o motivo maior de eu continuar num cabaré recebendo metade do salário – está certo que o salário era bem menos que o que eu poderia ganhar com minha formação em advocacia – que eu tinha potencial para adquirir. O Canadá havia ficado para trás, mas apenas um canadense me fazia feliz. Um canadense castanho.

            Era folga de Pierre – pro meu azar ou sorte –, mas ele estava no cabaré, mas como freqüentador, como cliente. Estava sentado no bar tomando um gole de um whisky que parecia excelente, já que ele levantou-o pra mim com um sorriso beirando ao sacana no canto do lábio. Pelo que eu percebi, ele estava ali para me provocar, para tirar o resto da minha sanidade. Ali, de longe, eu o vi dançar com vários dos nossos acompanhantes sexuais e sempre – por mais incrível que pareça – estava com aqueles malditos olhos fitos pra mim. Eu sabia que era para me provocar e ele estava conseguindo. Estava conseguindo muito facilmente. Torci os lábios de forma infantil e ao mesmo tempo raivosa e ajeitei a máscara obrigatória e parte integrante do maldito uniforme e neguei com a cabeça. Ele sabia, perfeitamente bem, que estava conseguindo provar que ele sempre esteve certo nos milhões de conversas que tivemos antes de chegar a este lugar baixo e da cidade adorável de Salt Lake. Eu o amava ainda e ele também me correspondia. Era bastante duro admitir, visando o fato de que quando eu fui expulso de casa, Pierre me abandonou ao vento e veio sozinho tentar a sorte em SLC.

            Ele sempre diz que eu deveria ser mais flexível e que toda história tem seus dois lados. Eu deveria parar e ouvir a sua versão, seu motivo para a mudança repentina para um lugar adorável, mas com um quê conservador que nunca suportaríamos. A verdade era que por sermos o único estabelecimento com serviços de acompanhantes sexuais homens para homens - embora os dançarinos que tiravam suas roupas (e nem todos faziam programas) usavam pseudônimos femininos, ainda eram apenas homens -, tínhamos lucros altíssimos. Quando mais novo eu não conseguia ver quem eu amava trabalhando em um lugar como este sem vender seu corpo. Eu estava enganado e Pierre me provara isso. Naquele momento, Pierre se divertia para me mostrar que eu era hipócrita o suficiente para não assumir o quanto seu ato estava me machucando e ao mesmo tempo, meus olhos me condenavam tremendamente. De provinciano canadense com ideais românticos, eu virei o chapeleiro – que não suporta mais a comparação ridícula com o personagem do livro ridículo – de um cabaré gay.

            Fiz um gesto com a cabeça para que ele viesse até onde eu estava, com discrição, para eu não perder meu emprego, mas eu parecia estar falando com uma porta, porque sequer questão de disfarçar ele veio. Seus passos meio cambaleantes disparavam meu coração nervoso e, ao mesmo tempo, apaixonado. Conheço bem meu ex-namorado e sei que bêbado Bouvier não costuma responder por seus atos e muito menos se lembrar deles – na verdade, eu sempre achei que ele era um grande mentiroso nesse quesito. Ele veio até mim, passando descaradamente pela porta da chapelaria – o que me causou irritação e, com isso, soltar um palavrão baixinho enquanto o segurança do cabaré – conhecido por Pierre – apenas dava uma gargalhada baixa e cruzava os braços frente ao peito.

“Pra que me trouxe aqui?” Perguntou.

“O que raio você tava fazendo lá?” Perguntei torcendo os lábios e imitando sua pose de machão. Batia o pé nervosamente no chão e Bouvier passou os olhos por todo o meu corpo, como se eu fosse do cast de prostituição, como todo cliente fazia com o homem que contratava para ir para a cama. “Eu não estou à venda.” Respondi ao seu olhar, ainda sem desfazer a pose durona.

“Sabia que você está estonteante?” Falou, dando pequenos passos em minha direção. Eu levantei a sobrancelha em um perfeito arco, segurando uma pequena risada – porque, a final, por onde quer que ele olhe tinha homens muito mais bonitos que eu naquele lugar. 

“Sabia que você está bêbado?”

“Qual a diferença que isso faz?” Ele quebrou quase toda a distância entre nós e me segurou pela cintura. Eu não tive como fugir de ficar tão perto daquele jeito de um antigo amor, de um amor que ainda mexia comigo de uma maneira muito ruim, mas ao mesmo tempo era esse antigo amor que me deixava sem ar da forma que eu estava agora. “Você sabe que eu sempre te amei e não é de hoje. Você sabe que eu vim primeiro pra América para conseguir uma forma de ter dinheiro para você e eu sermos felizes aqui, sem pensar no nosso passado.”

“Muito conveniente você dizer tudo isso bêbado, né?” Girei os olhos, tentando afastá-lo de mim, mas foi vão, porque meu coração não queria que ele se afastasse, meu corpo se sentia protegido em um lugar onde se cultuava o sexo sem pretensão, e a felicidade acima da vida alheia. “Amanhã você vai simplesmente esquecer-se de tudo o que você tá dizendo e tudo vai voltar ao normal...”

“Eu nunca quis ferir você, essa é que é a verdade.” Comentou o castanho, dando um beijinho no topo da sua cabeça. “Eu tive mesmo que fugir do Canadá, tive que sair da sua vida e vir trabalhar num lugar aqui, mas confesse que me julgou errado por causa de eu ter aceitado trabalhar como segurança em uma boate gay.”

“Mas hoje em dia eu cresci, Pierre.” Expliquei. “E eu não vou cometer os mesmos erros. Não vou cair na sua conversinha de bêbado, para amanhã ser tratado como um lixo. Porque você sempre faz isso e eu estou cansado de ficar me arrastando por vossa senhoria.”

“Eu também cresci.” Pierre levantou meus olhos e me roubou um beijo rápido, um beijo que eu não pude evitar, porque foi surpreendente, eu não pude desviar, mas ele recebeu um soco fraco em seu ombro como resposta, como se eu deixasse claro que eu não tinha gostado de sua atitude. Ele deu uma risada baixinha, quase que despreocupada e doce, tão doce que eu quase não o reconheci, porque o Pierre Bouvier que eu conheci no Canadá era grosso e não sabia fazer com que os sentimentos fluíssem muito mais que os fluídos corporais responsáveis por um bom sexo. “E eu queria que você me desse uma segunda chance de provar que eu posso ter mudado, muito. Que um pouco da moralidade de Salt Lake pode ter mudado completamente minha vida e minha forma de pensar, Dave.”

“Não me chama assim.” Reclamei, me afastando dele com certa dificuldade. Bouvier se encostou no balcão da chapelaria e ficou olhando para mim, para como eu ia me comportar, como se eu fosse o seu objeto de estudo, mas naquele momento eu só consegui suspirar aliviado por ter me afastado completamente dele. “E, por favor, vá embora daqui. Pare de tentar chamar minha atenção, porque você não vai conseguir. Pára de ser mesquinho e me deixa viver a vida que você tirou de mim no Canadá. Deixa eu me interessar por outros caras e ter a possibilidade de ser feliz para sempre. Eu ainda sou romântico, mas eu não te incluo mais no meu projeto de felicidade, meu caro.”

“Essa é a última vez que eu vou pedir você para ficar comigo de uma vez por todas.” Falou Pierre, segurando em meu ombro com uma doçura que eu não conhecia. Uma doçura que atrairia a qualquer um a sua volta, mas eu estava a um passo à frente daquele homem, conhecia seus truques e suas artimanhas para ter comigo um pouco mais de sexo casual e bêbado. Eu gostava de ter alguém para eu me entregar completamente durante um ato sexual ou mesmo durante um beijo. Era por isso que eu mentia ser tímido para os donos do cabaré, era por isso que eu não participava dos meninos – com nomes de meninas – que dançavam para divertir aqueles que pagavam por esse tipo de diversão. Era por isso que nenhum dos homens que freqüentava um lugar como aquele não me atraía. Porque grandes amores não surgiriam para mim em homens que não têm o mesmo pensamento que eu. Talvez seja essa minha maior diferença com Bouvier e o maior motivo de tudo ter dado errado. “Qual sua última palavra, David?”

“Eu não sou um deles, se é o que pensa.” Encolhi os ombros. “Não estou a venda.”

“Eu não pagaria por sexo com meu grande amor.” Pierre me soltou completamente e começou a dar passos para trás. Pela primeira vez, em muitos anos, percebi que aquele homem estava me deixando ser feliz sozinho  e em paz. Sumiria para sempre da minha vida como eu pedia para ele fazer cada vez que – sempre bêbado – se aproximava. Realizei meu sonho, mas meu coração não estava nada feliz comigo, ele fazia questão de bater bem comprimido em meu peito, devagar, para me mostrar que até mesmo pessoas como eu que sempre agem com o coração podem errar. “Até nunca mais, David.”

“Espera.” Falei baixinho, percebendo-o parar no meio do caminho.

“O que você quer?” Perguntou ele, copiando meu tom baixo e fraco, sem me olhar nos olhos. Pierre era o ser humano mais orgulhoso que eu conheci. O ser humano que só conseguia me implorar por volta, me mostrar que estava numa pior, quando estava muito bêbado, ao ponto de no dia seguinte me ferir com todas as orgulhosas palavras que ele escondia e guardava para mim.

“Eu queria um beijo de despedida.”

“Eu não estou à venda.” Explicou antes de sair da chapelaria e indo para fora do cabaré. Acompanhei-o com os olhos e demorei a entender porque ele copiou minhas palavras, mas depois de destrinchar o significado da frase compreendi que ele não estaria à minha vontade ou minha disposição. Aquilo machucou um bocado, mas não mais que eu pensei que o faria. Chamei um dos meus ajudantes – que era novato – e pedi que cuidasse de tudo ali, que sorrisse sempre e tratasse todo mundo bem que eu realmente precisaria sair. Eu precisava dizer tudo o que estava entalado, agora que ele não tinha mais pretensão de se arrastar por mim.

            Eu corri. Corri o máximo que pude para alcançar Pierre Bouvier – porque eu tive que sair pela porta dos funcionários, nos fundos e ele saiu pela porta da clientela, já que hoje era isso que ele era: cliente. Ele andava em direção ao seu carro e parecia não me ouvir gritar seu nome pelo estacionamento – culpei a música que era alta mesmo lá dentro. Porém meu coração insistia pra eu soltar tudo àquilo que guardava em mim e insistia para que eu apressasse meus passos. Parecia que algo muito ruim aconteceria com Pierre e eu não poderia dizer tudo o que eu queria para ele. E naquele momento eu descobri que um coração apaixonado não erra e por mais feminino que isso soe. As pessoas pressentem o gélido da maldade muito próximo aos seus corações quando algo está para acontecer com alguém muito importante.

            Então ouvi quando um bêbado acelerou seu carro atrás de mim. Eu consegui desviar por estar sóbrio e ser rápido o suficiente, mas Pierre não conseguiu prestar muito atenção no barulho abafado pela música. O álcool demasiado forte o ensurdeceu e foi nessa hora que todo o meu ser só pôde gritar uma coisa:

Pieeeeeeeerre!”  Ele parou e o carro, o maldito carro, acelerou e passou por cima dele. Pierre deu algumas giradas no ar antes de cair no chão. Eu sempre quis que ele sumisse da minha vida para sempre, sempre desejei que me deixasse esquecê-lo em paz, mas naquele momento tudo o que eu queria – e fiz – era poder acudi-lo de alguma forma. Fui até ele e coloquei sua cabeça em meu colo antes de medir pesarosamente sua pulsação. Ele ainda estava vivo, mas sagrava pela boca. Sua cabeça tinha quicado algumas vezes no chão e suas duas pernas estavam quebradas, torcidas para lados opostos. “Um médico! Por favor, algué--” Ele levantou o dedo cheio de sangue e pôs nos meus lábios, impedindo que eu continuasse com meus pedidos de socorro.

“Oi, Dave.” Sorriu fraco, sem deixar aquela expressão de dor sair de seu rosto. Com minhas mãos em sua cabeça, tentava pressionar algum dos ferimentos para estancar o sangue, mas não adiantava. Parecia que tudo era muito inútil por mais que eu tentasse fazer aquele sangue parar, menos eu conseguia. “Me desculpa.”

“Shh, não fala nada, meu amor” Ele sorriu mais uma vez, esforçando-se para fazê-lo. Eu não fiz mais que retribuir o sorriso e recuperar algo que havia pedido, mas me havia sido negado. Me abaixei até Bouvier e ajuntei nossos lábios de forma doce, longa, deixando algumas lágrimas salgarem nosso beijo.

As mãos dele que estavam em meu rosto despencaram e eu desabei, também. Não havia mais sinal do carro que havia batido tão violentamente contra o Pierre e embora eu o tenha beijado aquilo não o traria mais de volta. Não adiantaria eu dizer que o deixaria ir, porque cenas como essa não lhe sai da cabeça com tanta facilidade. Eu chorei agora porque tive que me separar dele. Para sempre.

Fim do POV do David.


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