A Vida de Um Arqueiro! escrita por Neko D Lully


Capítulo 6
Treinameno de arqueiro - III


Notas iniciais do capítulo

Depois de três dias sem net estou aqui com mais um cap de A vida de um arqueiro. Ele esta pronto desde ontem, mas por causa do probleminha mencionado a pouco eu não pude postá-lo. Na verdade dei uma boa adiantada em algumas de minhas fics então muitos capitulos já estão no final ou completos. Espero que aproveitem o cap ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/139837/chapter/6

A vida de um arqueiro!

Acordei no dia seguinte com aquele meu maldito problema, com aquela minha maldita doença. Acho que fiquei mais calma do que poderia imaginar que ficaria alguma vez, quando dei por mim estava sentada sobre o feno, completamente desperta, tossindo horrores tentando abafar o som que produzia com a mão. Estrela Cadente acordou e miou preocupada para mim, eu tentei sorrir para ela indicando que estava bem, mas tudo o que consegui fazer foi dar um sorriso tremulo e então voltar a tossir sentindo como minha mão começava a se encher de sangue.

 Tentei me levantar, mas minhas pernas tremeram e eu cai de cara no chão. Não conseguia respirar, a tosse era incessante não me dando tempo para puxar uma bocada de ar se quer. Podia sentir meus pulmões se enchendo de um líquido que eu sabia perfeitamente que era sangue. Minha visão começou a borrar e eu sabia que se não fosse rápida o bastante morreria ali mesmo. Tentei me levantar novamente, levando os braços ao chão para erguer meu tronco e então arrastar minhas pernas para me levantar, mas, como havia acontecido com minhas pernas, meus braços fraquejaram e eu novamente me vi ao chão.

Eu sabia que o Garoto Sem Cor estava bem ali perto, mas não queria pedir ajuda, não queria que ele soubesse dessa doença que tinha, dessa minha fraqueza. Prendi e abafei a tosse o máximo que podia, tentando não fazer ruído, mas cada vez era mais difícil e podia sentir como aos poucos a vida ia se esvaindo de mim. Até que Nevasca apareceu a meu lado. Ela abaixou a cabeça e com dificuldade me segurei em seu forte pescoço. Por ser magra e quase não comer para ela foi fácil me levantar, ficando um pouco abaixada para que eu montasse em suas costas.

 Fiquei meio desengonçada encima da sela, mas quando Nevasca disparou para fora do estábulo correndo entre as campinas que tinham do lado da pequena fazenda que estava treinando agora comecei a sentir meu corpo voltar a tomar forças. Meu coração acelerava, e quanto mais rápido ele batia menos eu tossia, passei a conseguir respirar e meus pulmões se esvaziaram, me permitindo esculpir as ultimas gotas de sangue que tinha neles. Em poucos instantes eu estava novamente revigorada e já estava em condições de voltar para a pequena fazendo.

 Nevasca soube disso, pareceu sentir o que eu sentia naquele instante e disparou de volta para a fazenda perto da cerca onde Estrela Cadente esperava ansiosa e preocupada. Logo que chegamos ela pulou em meu ombro e lambeu meu rosto, miando de maneira interrogativa e preocupada. Eu sorri para ela e então toquei de leve as costelas de Nevasca indicando que poderia voltar a andar.

 Ela trotou lentamente até onde estava pendurada minha roupa. A peguei rapidamente e adentramos no estábulo onde pude me trocar rapidamente e levar a roupa que tinha usado antes para perto do posso onde poderia lavá-la. Estava distraída, as vezes brincava um pouco com Estrela Cadente e Nevasca, para não me acalmar tanto. Dessa vez tinha passado perto, mas vai se saber da próxima, nem sempre terei as duas para me ajudar em meus momentos de crise. E cada vez... Parecia pior...

 - Ei pequena! – tomei um susto quando me gritaram. Quase deixei que o balde ao meu lado escapasse de minhas mãos e caísse dentro do posso junto com a roupa que eu lavasse. Pelo menos o susto fez a adrenalina voltar ao máximo para meu corpo e assim me tirar os medos de voltar a ter meus ataques. – O que aconteceu para que saísse tão apressada daquela maneira?

 - Nada. – respondi e só percebendo nesse instante que era o Garoto Sem Cor que parara a meu lado com o rosto sério, me encarando atentamente. Em minha mente, torcia para que ele não tivesse visto o que me aconteceu, que não tivesse acordado bem no momento que tinha minha crise. Não queria explicar nada, não queria que sentissem pena de mim, não queria ninguém me encarando com aquele ar de “pobrezinha”. 

 - Como “nada”?! Você estava quase morrendo quando acordou! – exclamou e pude sentir o sangue deixando meu rosto, minhas mãos parando de trabalhar e meu coração falhando uma batida. Em minha mente me amaldiçoava mil vezes, percebendo que ele tinha visto, que agora ele sabia o que tinha. Não poderia saber a causa daquilo acontecer, mas sabia que tinha algo errado comigo. – Eu quero te ajudar, sei que tem algo de errado com você. Talvez possamos falar para Hunter e procurar um curandeiro ou...

 - Não! – gritei. Nem percebi que tinha gritado, mas foi isso o que fiz. Isso o assustou, vi quando virei o rosto para encará-lo, ele recuou um passo ao me encarar nos olhos e foi só ai que percebi o que estava fazendo. Estava demonstrando meu nervosismo para alguém, estava demonstrando outras emoções além da alegria e do sarcasmo que costumava demonstrar. Isso não poderia estar acontecendo. Voltei a tomar uma expressão séria e dei a volta, ficando de costas para ele e andando para pendurar a roupa que tinha acabado de lavar. Ouvi como ele me seguia de perto. – O que aconteceu não é da sua conta, não preciso de pessoas se preocupando comigo.

 - Podia deixar de ser orgulhosa uma vez na vida e pedir ajuda! – ele exclamou levando uma mão a meu ombro e me fazendo virar para encará-lo. Ele estava com raiva, era possível ver isso em seus olhos azuis escuros. – O que eu vi hoje de manhã era a prova viva que não poderia cuidar disso tudo sozinha. Qual o problema de que se preocupem por você? Se for por fraqueza tenha garantido que isso não vai ter tornar uma pessoa fraca!

 - Você não entende. – disse dando um tapa em sua mão e a tirando de meu ombro. Desviei o olhar para outro lado enquanto as memórias vinham e vinham. Todos me deram as costas, ninguém me ajudou, todos me tachavam de estranha, não compreendiam porque eu fazia o que fazia, não quiseram compreender. Por que, agora, depois de todo esse tempo sendo negligenciada, eu deveria contar o que se passava comigo? Por que apenas agora eu deveria revelar o segredo que por toda minha vida escondi?

 - Entenderia se você me contasse alguma coisa! – exclamou novamente dessa vez com um toque de carinho e piedade. Talvez fosse essa piedade que tivesse feito a raiva borbulhar dentro de mim, talvez tivesse sido aquilo que tivesse me feito finalmente estourar naquele instante, querendo desabafar tudo o que passei em todos aqueles instantes. Virei meu rosto para encará-lo, com pura raiva.

 - Quer mesmo que eu te conte?! Quer mesmo saber porque sou como sou?! Pois bem! – fiz um movimento exagerado como os braços como jogasse algo para cima, e meu parceiro recuou, completamente assustado. Acho que ele não esperava que eu agisse daquela maneira. – Desde pequena ninguém me quis, meus pais morreram naquela maldita guerra dezesseis anos atrás e eu nunca soube quem eles eram!  Fui julgada por minha aparência, tachada de estranha e jogada de lado sem a mínima importância! Cresci tendo que encarar olhares críticos e tortos, nunca alguém me ofereceu a mão para me ajudar quando tinha um problema, e não vai ser agora que vou aceitar piedade de pessoas que não me vêem como gente. Considero-te apenas meu parceiro e nada mais! Então não venha se intrometer em meus assuntos!

 O deixei ali, surpreso e de boca aberta, enquanto lhe dava as costas e caminhava para longe. A raiva estava me incomodando, apertava meu peito mais do quando minha doença atacava, mas percebi que isso me ajudava mais do que a adrenalina. Sentir raiva me fazia sentir melhor do que quando estava em estado de alerta. Porém, mesmo me sentindo melhor, não gostava de ficar com raiva e por isso fui até onde tinha um montado pequeno de árvores, pequenas e afastadas, o lugar perfeito para eu treinar minha mira com o arco e flecha.

 Não sei por quanto tempo fiquei assim, com Estrela Cadente e Nevasca me observando, só sei que só fui parar quando Hunter me chamou, mais ou menos no meio dia, e pediu para que eu entrasse na pequena casa do Velho Junior. Dessa vez ele nos ensinaria a analisar mapas, de acordo com ele para quando formos guiar um exército e precisarmos saber toda a geografia do lugar que estamos utilizando.

 Tentei manter distancia de meu companheiro enquanto analisava o mapa. Não o encarei, não dirigi minha palavra a ele, nem ao mesmo quis sentir sua presença no lugar. E talvez tenha sido aquilo que me deu a adrenalina suficiente para me manter saudável em toda aquela atividade monótona. Quando ele se aproximava eu logo esquivava e pulava para outro lado, quando ele dirigia a palavra a mim eu logo o cortava e fazia alguma pergunta, para mim era como se ele não estivesse lá.

 Como continuação do treinamento Hunter nos levou para um cercado cheio de lama e dejetos de vários animais. Estranhamente não tinha nenhum ali dentro e depois que ele mencionou o porque de estarmos ali é que percebi o porque disso. Ele queria que identificássemos que tipos de animais ficaram ali antes de serem retirados pelo Velho Junior. Eu consegui perceber pegadas de vacas, porcos e galhinhas. O Garoto Sem Cor, que eu ignorava esse tempo todo, disse que também tinham bois. Ele estava certo, quando o Velho Junior voltou com os animais tinham todos esses, mas ainda não compreendia como diferenciar a pegada de um boi do de uma vaca.

 Passamos então para o treinamento de arcos, isso já quase no final da tarde e pude perceber que estava melhorando muito com o lançamento. Minhas mãos, ao contrario do que sentia no momento, diziam que esse treinamento excessivo que estava tendo não era nada agradável. No meio do exercício elas começaram a sangrar, manchando a linha do arco que usava junto com as penas da flecha. Fora o Garoto Sem Cor que me parara, se não eu teria continuado a atirar ferindo ainda mais as juntas de meus dedos.

 - Deveria se cuidar mais garota. – comentou o Velho Junior enquanto cuidava de minhas mãos colocando as bandagens logo depois de ter limpado os ferimentos. A carne tinha sido completamente cortada pegando alguns pequenos vasos que tinham na região e de acordo com o velho, se eu tivesse continuado, perderia completamente a movimentação dos dedos. – Pode acabar tendo um ferimento sério com isso. Assim não vai chegar nem mesmo na idade de Hunter.

 - Não me importo muito. Sempre acreditei que morreria cedo. – comentei dando de ombros enquanto tentava mexer vagarosamente os dedos enfaixados, constatando que se caso fizesse uma enorme dor percorreria meu braço o deixando fraco e cansado. Movi o pulso um pouco tentando fazer a dor passar e então suspirei, cansada e desanimada, me deixando cair em uma cadeira que tinha ali perto.

 - Um dia eu conheci uma menina que era exatamente igual a você. – comentou chamando minha atenção. Ajeitei-me na cadeira e o encarei, enquanto ele guardava os materiais que tinha usado para curar minha mão. – Ela também dizia que não iria viver muito. Usava e abusava da vida como se cada dia fosse o ultimo, não se preocupava quanto se machucasse, quanto poderia chorar ou rir. Sempre estava lá dando o melhor.

 - E o que aconteceu com ela? – perguntei curiosa e ao mesmo tempo impressionada. Pensei que era a única que tivesse esse tipo de pensamento e saber que existiam pessoas que me compreendiam era algo inacreditável! Talvez eu pudesse visitar essa garota, conversar um pouco e saber se ela realmente tinha tido os mesmos problemas que eu para pensar da mesma maneira. Talvez ela me entendesse.

 - Morreu a alguns anos atrás. – aquela resposta me desanimou um pouco. Para variar eu era a única, para variar eu estava sozinha. – Mas ela viveu mais do que pretendia, conseguiu encontrar uma família... Viveu bem e morreu como uma heroína! Ainda consigo ouvir ela me gritando dizendo adeus enquanto ia para a luta... Era uma senhora arqueira.

 - Agora chega de historias não? – Hunter apareceu na porta, com os braços cruzados e o rosto costumeiramente sério. As vezes eu jurava ver a sombra de um sorriso no rosto dele, mas sumia tão rápido quanto aparecia. – Voltaremos para o treino, temos que ver suas habilidades com a faca de lançar e a de caçar.

 Cheguei a me levantar para o acompanhar até o lugar que supostamente deveria treinar, mas então uma mão se colocou em meu ombro e me empurrou de volta a cadeira, me deixando sentada enquanto Hunter encarava de maneira reprovativa ao Velho Junior que era quem  me segurava no lugar.

 - Acho que ela pode ter um pequeno descanso por hoje, não acha Hunter? – questionou encarando atentamente meu mestre. Eu olhei para ele e logo para Hunter, vendo a tensão que pairava no lugar. Hunter queria me treinar, e o Velho Junior parecia ser contra a idéia, apesar de eu não compreender porque. – Ela já treinou muito por hoje e um momento de descanso não faria mal.

 - Não precisa se preocupar Velho Junior, eu posso muito bem... – antes que pudesse terminar de falar ele me encarou atentamente e de uma maneira amedrontadora me fazendo encolher novamente na cadeira onde estava presa. Esse velho sabe impor sua opinião quando cisma nela.

 - Você vai ficar aqui e escutar uma de minhas velhas histórias. Faz tempo que não encontro alguém para me escutar. – comentou e tudo o que pude fazer foi sorrir de maneira tremula olhando para Hunter pedindo socorro. Mas ele apenas deu de ombros e virou para caminhar de volta para fora da casa me deixando ali em meu momento de monotonia. Chorei internamente pensando que teria mais uma de minhas crises escutando historias sobre os “tempos que ele era garoto”.

 Estranhamente enquanto os momentos iam passando e eu ia escutando história por história eu não me senti nem um pouco entediada. Velho Junior me fazia interpretar cada momento que ele contava, desde lutas até momentos românticos ou engraçados. E isso animou meu dia, cheguei até o ponto de quase morrer de tanto rir quando ele me falou de uma trapalhada do bobo da corte que quase o levara a morte súbita no campo de batalha.

 Quando o sol estava se ponto Hunter me puxou para um treino de montaria, apesar de que agora eu quase implorei para ficar com o Velho Junior para ouvir mais uma de suas fascinantes histórias, que surpreendiam a cada momento qualquer um que as ouvissem. Dei algumas voltas com Nevasca e novamente senti aquela incrível sensação de adrenalina e liberdade, dessa vez tendo como parceira Estrela Cadente, que se acomodara em uma pequena bolsa que tinha pendurada na sela de Nevasca. Minhas mãos doeram um pouco por ter que segurar as rédeas e quando voltei da caminhada percebi que tinham voltado a sangrar, manchando as faixas brancas de vermelho.

 Velho Junior as trocou para mim e então eu fui fazer o jantar. Apesar de tentar o máximo que consegui o Garoto Sem Cor, e ter feito um bom trabalho durante todo o dia, quando chegou a hora do jantar ele praticamente me empurrou para dentro da cozinha para fazer o jantar. Ao parecer ele tinha gostado da minha comida e enquanto cozinhava o pensamento me fez rir. Nunca alguém tinha gostado de algo que fiz e aquela novidade, por mais incrível que parece, me fez sentir orgulho de mim mesma, de ter conseguido agradar alguém ao invés de apenas incomodar.

 Fiz uma sopa bem caprichada, cheia de carne de carneiro, boi e alguns legumes. Deixei que os três homens ali se servissem enquanto eu apenas pegava um pouco e comia calmamente. Cada um tinha seu jeito de apreciar a comida, era até mesmo engraçado observar aquilo. O Garoto Sem Cor devorava a comida sem nenhum escrúpulo, tacando uma colher atrás da outra para a goela abaixo. Hunter comia pausadamente ficando de olhos fechados e levando calmamente uma colher para a boca e então levando outra. O Velho Junior era mais pousado ainda, levava uma, saboreava a sopa e então levava outra.

 - Cozinha muito bem Star, onde aprendeu a ter uma mão tão boa para cozidos? – questionou o Velho Junior e eu sorri agradecida. Era bom saber que estavam apreciando, e comecei a me sentir... Em casa. Era estranho, nunca tinha sentido isso antes e agora que estava entre todos aqueles homens comecei a perceber a importância que tinha.

 - Algumas vezes observei uma companheira minha cozinhando. Ela é uma ótima cozinheira e apesar de não gostar muito que a observem cozinhando ela quase nunca me percebia do lado dela e por isso peguei muitas receitas só nisso. – disse com um pequeno sorriso no rosto. E foi só ai que percebi uma coisa, algo que me chateou bastante. O sorriso desapareceu de meu rosto e encarei a comida intacta que tinha no prato com poucos ânimos. – Na verdade, quase ninguém percebia minha presença no castelo. Era como se eu não existisse para eles.

 Apesar de eu ter apenas murmurado aquilo os três ali puderam me ouvir. Mexi incomoda a colher na sopa, perdendo completamente a vontade de comer. O silencio na mesa ficou tenso e o barulho das colheres indo até a sopa ficara mais devagar e cautelosos. Ficou assim por alguns minutos até que Velho Junior quebrou o silencio.

 - E seus pais, pequena? Quem são? – perguntou e um sorriso triste apareceu em meu rosto. Como dizer? Eu não fazia idéia de quem eram meus pais, nem mesmo tinha um sobrenome por causa disso. Ninguém me conhecia e ao parecer nunca conheceria.

 - Eu não sei. Fui deixada na área dos Acolhidos quando ainda era um bebê e ninguém sabe da onde eu vim. A única pista que tem é um bilhete que deixaram comigo dizendo para tomarem conta de mim. – comentei triste dando de ombros. Novamente o silencio voltou a tomar conta do lugar e não consegui suportar mais. Levantei-me da cadeira onde estava sentada e caminhei vagarosamente até o local onde deveria estar meu quarto.

 - Não vai comer Star? – perguntou Hunter me encarando atentamente. Ele nunca me viu comer, era comum estar preocupado. Eu parei e virei o rosto para vê-lo com um sorriso visivelmente falso, mas que poderia enganar algumas pessoas. Eu só queria esquecer tudo sobre mim, esquecer minha vida e me concentrar apenas no presente.

 - Não estou com fome, podem ficar com minha sopa se quiserem. – comentei e entrei em meu quarto sem esperar ouvir alguma resposta. Fui até minha cama que tinha perto da janela e me sentei nela sentindo novamente aquele sentimento de raiva domar meu corpo. Raiva porque não sabia quem era, não conhecia a mim mesma porque não sabia da onde tinha vindo. Essa doença que tinha apenas piorava as coisas. Alguém já tinha ouvido falar de uma doença como a minha? Não! Claro que não!

 Aquela raiva ajudaria a me manter viva, mas fazia com que me sentisse péssima, destroçada e acabada. Nem mesmo todo esse dia de treino era comparado com o desastre que me encontrava agora só por ter me lembrado de tudo o que havia esquecido quando virei uma arqueira. Afinal por que diabos tudo tinha que acontecer a mim?! Por que eu não podia ser como qualquer outra criança na área dos Acolhidos?! Por que tinha que ser diferente?!

 Só parei de pensar quando a porta de repente se abriu, tão lentamente que só deu para ouvir o barulho do ranger das dobradiças que a seguravam no lugar, enferrujadas e desgastadas. Quando voltei minha cabeça para ver quem era senti novamente a inquietação em meu corpo, o Garoto Sem Cor percorreu o quarto até chegar onde eu estava. Ele tinha fechado a porta atrás de si e não ligara os lampiões que iluminavam o quarto. Isso me incomodou, não queria ficar sozinha com ele, tanto pelo fato de que éramos de sexos opostos quanto por outro motivo que não consegui explicar. Estar perto dele era estranho...

 - Saia daqui. – disse firme, me deitando na cama e dando as costas para ele, como se estivesse indo dormir. Os passos pararam, mas por algum motivo sabia que ele não tinha a mínima intenção de sair do quarto. Foi então que senti meus pulsos sendo presos por mãos grandes e fortes, meu corpo foi colocado de barriga para cima na cama enquanto ele se colocava encima de mim, me prendendo de tal maneira que nem mesmo conseguia fazer um movimento se quer. – Me solta!

 - Não até você me dizer o que aconteceu com você hoje de manhã. – retrucou ele com voz calma, parecendo querer apenas conversar. Mas eu me recusava a dizer alguma coisa, contorci meu corpo até que ele doesse debaixo de meu parceiro, mas não conseguia nem ao menos movê-lo um pouco para longe de mim. Com quase o dobro do meu tamanho e maça muscular bem maior eu percebia que estava em desvantagem naquele momento.

 - E por que quer tanto saber?! – exclamei indignada voltando meu rosto para encará-lo diretamente nos olhos. Não sei o que me passou quando vi aquela imensidão azul. Sei que por uns instantes senti vontade de falar tudo para ele, contar tudo sobre mim, pelo menos tudo o que sabia.

 - Porque sei que você precisa de ajuda. E não saio daqui até você aceitar a minha! – o encarei atentamente. Ele parecia determinado com aquilo, parecia mesmo querer me ajudar e por mais que achasse que isso fosse inútil sabia que ele não desistiria disso até saber tudo. Suspirei pesadamente e desviei o olhar com o coração na garganta.

 - Esse é o motivo pelo qual faço todas essas travessuras. – disse, mas ele pareceu não compreender muito bem. Eu não o encarava, mas conseguia ver suas expressões pelo canto do olho. – Desde que me conheço por gente tenho esse problema. Quando estou calma é como se começasse a morrer lentamente, acontece o que você viu nos estábulos. Para me manter viva preciso de adrenalina, preciso me colocar em perigo e por isso faço as travessuras, é o único modo que tenho de continuar aqui. É uma doença estranha, não sei muito sobre ela, só sei o básico, mas nunca a contei para ninguém.

 - E por que? Com uma doença dessas, você deveria procurar ajuda, uma cura, ou sei lá?! – compreendia o que ele quis dizer, e por muito tempo já pensei sobre isso e me questionei por que afinal eu não contava. Mas então chegava a aquela resposta tão obvia. Ninguém poderia me ajudar, ninguém iria querer me ajudar. E era por isso que essa minha doença era um segredo.

- Ninguém me ajudaria. – respondi dando de ombros. Sentia algo estranho naquele momento, não era adrenalina, raiva, ou qualquer coisa do tipo. Mas meu coração estava acelerado e meu corpo agia de uma maneira estranha, tremendo sem que nem frio eu sentisse. Tinha algo errado comigo... Talvez até mais grave que minha doença, mas não sabia o que era... – Me virei muito bem sozinha até agora, e não preciso de ninguém para que eu possa continuar.

 - Pois se eu fosse você tirava essa idéia da cabeça. – não compreendi porque ele tinha dito isso. O encarei de maneira interrogativa e pude ver um pequeno sorriso em seus lábios, se destacando na escuridão do lugar com a pouca luz que passava pela janela. Ele tocou de leve meu nariz em uma brincadeira infantil e então me soltou. – Porque agora estarei sempre aqui para te ajudar, você querendo ou não.

 Sentei-me na cama, sem compreender ainda porque ele fazia isso, porque ele se oferecia a me ajudar. Ninguém tinha feito isso por mim, normalmente eu tinha que lidar com tudo sozinha sem que alguém olhasse para mim de uma maneira que dissesse que queria ajudar. Pela primeira vez via um verdadeiro companheiro, um verdadeiro... Amigo? Talvez eu finalmente tinha arrumado um amigo humano, talvez eu finalmente esteja encontrando meu lugar. Sorri inconscientemente e me sentei ao seu lado já um pouco mais a vontade, apesar de ainda ter aquela sensação estranha que mantinha meu coração acelerado o bastante para me manter viva.

 - Sabe o que você me disse hoje de manhã? Sobre tudo o que você passou? – eu o encarei esperando que continuasse para que me explicasse o que queria dizer com aquilo. – Acho que te entendo melhor do que você imagina. – um sorriso triste surgiu em seus lábios se a partir daí soube que ele não era como eu pensava. – Quando se é filho de arqueiros sempre se espera o melhor de você e como venho de um dos “clãs” mais antigos e prestigiados a pressão sobre mim é maior. O problema é que não sou tão habilidoso como os outros arqueiros e os mais novos me ignoram, os mais velhos são reservados de mais para falar comigo, e como a fama dos arqueiros não é nada amigável para outras pessoas muitas tem medo de mim. Então não sou um garoto muito popular que digamos.  

 E ficamos ali, naquele silencio nem tenso nem amigável. Eu compreendi que meu companheiro podia ser mais parecido comigo do que imaginava e que ele estava realmente disposto a me ajudar. Talvez, mais do que em qualquer outro momento, eu esteja me sentindo realmente em casa e descobrindo que havia outras sensações além da adrenalina que pudessem me manter viva...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Aqui termina a parte dos treinos, no proximo já temos uma iniciação sobre as aventuras que vão começar a surgir para a Star. O proximo cap já esta na metade e não demora muito ele esta aparecendo por aqui. Agora eu tenho outras fics a atualizar ^^
Bjss!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Vida de Um Arqueiro!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.