CAPÍTULO DEZENOVE - NÃO HÁ NADA MELHOR QUE A FAMÍLIA

"Ausência

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada."

(Vinícius de Moraes)

_Olá, meu anjo. Tudo bem contigo? _começou minha mãe, em pleno dia. Aquilo deu vontade de me matar!

_Não. _respondi apenas, indo direto para o quarto.

            Isso era humanamente impossível, eu não podia ser tão azarada. E havia três coisas, que ocorreram em apenas um dia, do qual me faziam ter a certeza de que eu nasci com o pé esquerdo:

I - Terminar com Fábio e saber que ele poderia ter mentido novamente;

II - Ser ameaçada pela inimiga, apaixonada pelo ex; e

III - Ter que se afastar de seu amado, por vontade própria.

            Algo que levarei para o resto do dia, uma decisão sem volta.

            A única sorte era que Jared não havia mostrado aquele vídeo para meus pais, e a recepção da minha mãe mostrava o quanto estava certa. O azar estava levando vantagem sobre mim, 3x1 para ele.

            "Não, por favor, eu não vou chorar e ficar que nem um pimentão novamente" pensava enquanto notava que estava lacrimejando. Malditas! Essas lágrimas insistem em sair, uma a uma sendo lançada sem receio. Logo, a minha visão se tornou embaçada e eu percebi alguém entrando no meu quarto.

            "Não pode ser! É o Tim Maia?" Imaginei enquanto via a pessoa se aproximando. Suspirei ao notar que era apenas uma mulher. Céus! Eu jurava que minha mãe parecia um homem, e daqueles que me fariam acreditar em assombração. Ela se aproximou a passos lentos, sentando em minha cama. Acariciou-me e me beijou de maneira terna.

_Filha, eu não aguento mais te ver assim. Só te vejo chorando, e nem mais vi o Florêncio em casa. Vocês se brigaram, não foi? _Errado! Ela estava longe de descobrir o motivo de minha angustia. Apesar de que, fazia tempo que eu não falava mais com o meu F.

            Aquela preocupação toda me fazia chorar mais ainda, tanto que comecei a soluçar. Lembrava-me de Matthew e tudo que deveria a todo o custo esquecer.  Acordando de meus devaneios, neguei com a cabeça.

_Então o que houve, porque... _começou, porém foi cortada.

_Eu estou legal, está bem? Apenas quero ficar sozinha! _retruquei com grosseria, espantando até a mim.

_Por favor, diga-me o que está acontecendo! Remoer os problemas não é bom para ninguém. _desobedeceu meus comandos, abraçando-me enquanto falava.

_Você não pode me ajudar, ninguém pode. _sussurrei, enquanto as lágrimas manchavam sua blusa.

            Eu não queria contar o que me afligia, deixá-la preocupada nunca seria uma boa escolha. Ela tinha problemas demais para se importar, e mais um não seria de todo conveniente. 

 _Não, pois tu sabes que sempre há o que contribuir. Eu faria qualquer coisa para não te ver mais assim, conte-me e farei o possível para te ajudar. _comentou irritada, porém era apenas reação de mãe.

_Você tem coisas mais importantes com que se preocupar, não quero ser motivo para a sua perda de tempo. _declarei relutante, rezando para que ela me deixasse em paz.

_Tu nunca és perda de tempo, meu anjo. Ficarei mais preocupada se não responderes, do que se me contar agora o ocorrido.

            Tinha razão, porque D. Clara era uma daquelas mulheres que não dormiam ao pensar nos sofrimentos de seus entes queridos. Novamente, estava em uma enrascada. Droga! Que dia ficarei sossegada, sem ter no que me meter? Acho que nunca.

_Mãe... eu estava namorando Fábio, porém terminei. _comecei de modo receoso, sendo que era só este assunto que eu pretendia contar.

_E por quê? _sim, era compreensiva as vezes. Mesmo curiosa para saber o motivo de ter namorado com ele, poupava-me de contar os detalhes.

_D. Clara, eu sei que tu estais curiosa, não precisa negar. Então; pode perguntar o que quiser sobre o assunto. _suspirei, sorrindo para ela para confirmar o meu comentário.

            Aquilo a deixou feliz! Dava para ver o quanto estava ansiosa para descobrir isso. Seu brilho nos olhos denunciavam o que faria, e era o que mais temia.

_Entendo que sabes perdoar, porém até eu sei que haveria uma grande razão para voltar com ele, é... o que ocorreu exatamente para falar novamente com Fábio? _deu uma volta inteira para perguntar o que realmente queria, e isto eu já sabia desde o começo.

            Nunca conheci uma pessoa que enrolasse tanto quanto ela! E aquilo me fez sorrir, a mesma não mudava apesar dos desafios. Não permitia que a abalasse, nunca deixando transparecer o que sentia. Era apenas minha mãe.

_Bem... ele foi muito convincente ao narrar o porquê de ter me humilhado daquela maneira. Perdoei-o, Fábio me pediu em namoro e eu aceitei, apenas isso. _disse, dando de ombros.

_Eu sei que não é apenas isso, meu amor, porém esperarei que me digas o ocorrido. Não posso te forçar a nada. _comentou, saindo do quarto em seguida.

            Ufa! Contar sobre Matthew era o que menos queria.

            Eu ouvi ela descendo a escada, indo para a sala. Estes acontecimentos me lembraram de algo que ocorreu ontem, algo que não deveria ter esquecido. Minha progenitora sempre vê filmes nas segundas, e na terça ela continua de onde parou. Se Jared tirou o CD e colocou aquele, e eu coloquei o outro logo depois e não o tirei, isto quer dizer que... Ela deve estar assistindo o vídeo agora.

            Estou completamente... ferrada!