Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 24
Queda




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      Observei o gato dourado afastar-se, graciosamente, e apenas quando o felino desapareceu de vista é que consegui desviar minha atenção. Então fiz questão de cuidar dos ferimentos de minha gata, rumei até a mala e retirei uma pomada. Passei-a sobre os cortes (pelo menos eram superficiais). Acredito que aquele animal entrara através da janela, fizera muita bagunça neste quarto, Yuki, furiosa, atacou-o e acabou ferindo-se.

      Após ter cuidado de Yuki, comecei a arrumar aquela bagunça, recolhi os livros e as folhas do chão e depositei-os sobre a cama. Amber defenestrar-me-á, pensei ao avistar o deplorável estado no qual os volumes encontravam-se. Folheei-os para avistar o quão grave estava à situação e percebi que as páginas nas quais as informações a respeito do ritual estavam contidas não se encontravam ali. Nem mesmo nas folhas soltas. Logo, apenas consegui pensar que o gato dourado entrara no recinto para impedir-me de buscar sobre os ritos. Os membros dos “Cinco” sabiam a respeito de nossos planos. Não conseguia deixar de imaginar que aquele gato possui relação com meus inimigos.

      Fui até a janela novamente e fechei-a, trancando-a. Precisava lembrar-me de não deixá-la aberta enquanto eu não estivesse naquele local. Já me preparava para organizar o estado caótico da cama quando escutei Raj chamar-me. Rumei à cozinha no intuito de atendê-lo.

      - O que foi? – perguntei a ele.

      - Atenda à porta – disse Raj. – É a sua namoradinha.

      Não é um bom momento para ela estar ali, pensei. Quando minha namorada avistar o estado no qual os livros se encontram, ela vai defenestrar-me. Primeiro que o livro não pertence a ela, mas, sim, à sua avó. Rumei, carrancudo, até a porta e abri. Antes mesmo que eu pudesse utilizar alguma palavra para cumprimentá-la, Amber pulou em meus braços, fazendo-me sentir seu cheiro deliciosamente embriagante e minha expressão rabugenta abandonou meu rosto.

      - Você fez a barba – comentou Amber quando me soltou e avistou-me com maior precisão. – Você fica muito sexy de barba.

      - Obrigado, mas tive de fazê-la, estava crescendo demais e daqui a alguns tempos eu poderia interpretar o Papai Noel. – Observei sua expressão descrente. – Não...

      - Não mesmo... – concordou.

      - Bem, mas, mudando de assunto, como você conseguiu despistar seus pais e vir aqui a esta hora da noite?

      - Disse a eles que ia dormir na casa de minha avó. Entrei em um acordo com minha avó e atravessei a floresta para vir aqui te ver.

      - Você não deveria ter feito isso, essa floresta é perigosa, principalmente durante a noite.

      - Durante o dia fica difícil eu conseguir vir aqui, pois eu tenho de ficar estudando. Além disso, eu trouxe uma faca como objeto de defesa. Sempre carregue uma, é o que eu digo. – Ela fez uma rápida pausa, enquanto um sorriso travesso formou-se em seu rosto. – Durante a noite é mais fácil de “brincar” também.

      - Não vamos permanecer aqui fora, o vento frio está intenso – convidei-a a entrar.

      Amber não se fez de rogada e logo adentrou ao recinto. Seus olhos posicionaram-se rapidamente no armário de madeira no qual as variadas facas estavam guardadas, fazendo seu rosto delicado iluminar-se. Ela permaneceu por um tempo nesse estado de transe antes de retornar sua atenção a mim.

      - Ei, Jim, você já analisou os livros que eu te emprestei? – perguntou ela. – Eu acredito que minha avó não vai demorar a sentir falta deles.

      - Er... – Fiquei um tempo olhando para o piso, depois para as paredes e então voltei a fitá-la. – Eu ainda não tive tempo de lê-los, perdão.

      Minha namorada deu de ombros.

      - Acho que um dia a mais ou a menos não fará problema.

      - Você poderia esperar-me aqui enquanto eu organizo algumas coisas lá no quarto? – perguntei.

      Ela meneou a cabeça em sinal afirmativo, sem perguntar o motivo pelo qual eu havia dito aquilo e voltou seu olhar em direção às facas no armário, analisando-as com seus olhos esmeralda e precisos. Deixei-a acomodada naquele recinto e rumei ao meu quarto. Guardei os livros no armário longe da visão de minha namorada (precisava encontrar um modo de arrumar os estragos). Após isso, organizei o caos, o qual se fazia presente na minha cama e, então, pude retornar ao local de entrada.

      Quando retornei, Amber, Raj e Julia dialogavam. Minha namorada parecia relatar mais a respeito das facas e contando algumas histórias muito interessantes sobre o antigo Egito. Fico satisfeito com o fato de ela ser uma grande conhecedora de arte, mitologia, culinária e música. Nossas conversas sempre eram empolgantes e duravam por horas a fio. Desse modo, recostei-me à parede e permaneci escutando o que ela tinha a dizer:

      - No antigo Egito, um dos deuses mais poderosos era Rá. Ele era o deus sol e apresentava-se como tal. Assim, como o Sol faz um ciclo, desde seu nascimento à sua “morte” quando ele se põe, Rá representa todas as fases da vida e, por isso, apresenta-se em diferentes formas. Durante o Sol nascente, ele possui a forma de um bebê, durante o meio-dia, como um adulto e durante o pôr-do-sol como um velho ou um barco navegando em direção à morte – explicou Amber. – Existiam também outros deuses muito importantes como Osíris, Ísis, Seth e Néftis, todos os quatro filhos de Geb e Nut, os criadores do céu e da terra plana. Os territórios egípcios foram divididos em terras do alto Egito e terras do baixo Egito. Desse modo, Osíris começou a dominar as terras do baixo Egito juntamente com sua irmã-esposa Ísis, enquanto Seth comandava as terras do alto Egito com sua irmã-esposa Néftis. No entanto, Seth não ficou satisfeito com a divisão, pois as terras baixas eram mais próprias, o invejoso deus, então, prendeu Osíris em um sarcófago e o escondeu de todos os outros deuses. Mas Seth não podia contar que sua esposa, Néftis, revelaria o segredo à Ísis, assim, puderam salvar Osíris de seu destino. Entretanto Seth enfureceu-se ainda mais com o ressurgimento de seu irmão e o cortou em quarenta pedaços, espalhando-os pelo território egípcio.

      Enquanto ela narrava a respeito da história da mitologia egípcia, Raj e Julia escutavam atentamente e com os olhos brilhantes, repletos de curiosidade. Os dois adoravam adquirir novos conhecimentos, o que era muito bom e importante. Amber prosseguiu com a história:

      - Ísis, muito triste com a morte de seu marido, ela tentou trazê-lo de volta à vida, juntando todos os quarenta fragmentos. No entanto, quando Ísis estava prestes a conquistar o que desejava, Osíris não quis retornar ao mundo dos vivos, dizendo que era mais sábio que ele permanecesse no mundo dos mortos com a função do deus do julgamento. – Mas quando seus olhos avistaram-me, ela ruborizou e parou de relatar.

      - Como eles se casavam com as irmãs? – perguntou Raj. – Isso é muito estranho!

      - É – concordou Amber. – Pode ser estranho para nossa sociedade e cultura, mas, no antigo Egito, era sagrado. Os faraós casavam-se com suas irmãs como os deuses fizeram. – Ela fez uma pausa. - Isso foi um resumo das versões da história da mitologia egípcia, vale pesquisar bastante em livros. Bem, depois eu continuo a relatar mais para vocês, pois tem um menino com uma cara muito fofa de gato carente à minha espera.

      Amber levantou-se, caminhou em minha direção e quando se aproximou, eu sussurrei:

      - Se quiser, pode continuar a relatar a história.

      - Tudo bem – respondeu utilizando-se do mesmo tom de voz. – É que você está com a expressão de gato carente aí recostado à parede.

      - Estou?

      - Sim.

      Dei de ombros não querendo permanecer ali discutindo minhas expressões bizarras. Desejamos boa noite a Raj e Julia, retiramo-nos do local e rumamos aos aposentos. Tranquei a porta atrás de mim e assentei-me próximo à Amber. Ela acomodou-se em meus braços. Permanecemos um tempo dialogando até iniciarmos com nossas carícias, amassos e retirarmos as vestes das quais encobriam nossos corpos, desse modo, o ato ocorreu com a mesma intensidade de nossa primeira noite, com nossos membros confundindo-se e nossos movimentos sincronizados. Entretanto as sensações as quais percorreram minhas células foram diferentes, completamente novas e, ao mesmo tempo, prazerosas além da imaginação (e, sim, eu utilizei um dos preservativos dos quais Amber presenteara-me, mas ainda não chegou o dia de bebermos daquela garrafa de uísque).

      Quando terminamos, novamente desabei, exausto, na cama e Amber acomodou-se ao meu lado e recostou sua cabeça sobre meu tórax, em silêncio, ela parecia escutar as suaves e tranquilas batidas de meu coração, enquanto eu a envolvia com meus braços e acariciava-a.

      - Estranho... – murmurou ela quebrando o silêncio.

      - O que é estranho?  - perguntei, confuso, enquanto passava meus lábios por sua orelha.

      - Às vezes eu sinto um vazio dentro de mim, como se eu estivesse procurando por algo que eu ainda não sei o que é.

      - Eu também possuo essa sensação às vezes.

      - Penso que não existe algo específico, mas meu interior sempre quer que eu possua alguma coisa para buscar, procurar, com a finalidade de eu não ficar estagnada. Para que eu sempre alcance novos aprendizados.

      - Nunca havia parado para pensar nisso, sempre achei que fosse um problema meu e, às vezes, tenho umas crises melancólicas por causa disso.

      - Bem, mas vamos falar de coisas boas. Você está cada vez mais selvagem mordendo-me mais.

      - Perdão, no entanto, eu não resisto, morder é tão bom – respondi. – E você também anda me mordendo e arranhando-me mais.

      Amber sorriu de modo gracioso e, ao mesmo tempo, travesso. Após isso, ela bocejou e demorou alguns instantes para adormecer. Eu também não tive de esperar por muito tempo para juntar-me a ela até o mundo de Morfeu. No entanto, meu estado de sonolência não perdurou, pois comecei a escutar algum ruído vindo de fora, pareciam pedras batendo contra a janela. Levantei-me da cama sem atrapalhar o sono de minha namorada e cambaleei até a janela, abrindo-a com o intuito de ver o que era. Logo quando o fiz, o vento frio penetrou o quarto, assim como o ruído do grito de alguém, o qual me fez assustar.

      - Oi, irmão!

      - Wu ah! – bradei assustado e quando pude avistar melhor, percebi que Jan estava diante de mim. – O que está fazendo aí fora, Jan?

      - Eu estou procurando por um lugar para dormir. Tentei primeiro a porta, mas ninguém respondeu, então comecei a atirar pedras na janela para ver se alguém me atendia – respondeu. – Ei, por que você está pelado? Hoje é o dia mundial de ficar pelado? – Seus olhos brilharam e ele começou a tirar o casaco do qual trajava.

      Então olhei para baixo e relembrei que meu corpo estava desnudo, então, senti meu rosto ruborizar. Fiz com que Jan encerrasse sua sessão gratuita (péssima) de strip-tease.

      - Ignore que está vendo-me nu, Jan. Eu não estou nu.

      - Não? – Ele assumiu uma expressão de surpresa. – Então por que eu estou vendo o seu... Ah, você deve estar usando aquela roupa do rei que só os inteligentes são capazes de enxergar. Ei, eu sou inteligente!

      Enquanto eu encobria meu corpo com minhas vestes, Jan tagarelava coisas do tipo: “agora estou vendo”. Quando eu voltei-me a fim de encarar meu insano irmão mais novo, ele olhava, através da janela, para a adormecida e nua, Amber, uma vez que o cobertor o qual estava protegendo seu corpo caíra no chão quando eu levantei-me e não percebi.

      - Seu tarado! Pare de olhar minha namorada com essa expressão de babão! – Eu o empurrei para fora da janela.

      - Ah... – balbuciou ele. – Mas a outra garota não era sua namorada?

      - A outra? – Então relembrei que ele referia-se à Dayane. – Ela era a minha ex-namorada, agora “ex-ficante”. Bem, esqueça isso... Dê a volta até a porta da frente que eu a abro permitindo sua entrada.

      Jan anuiu e desapareceu de vista. Fechei e tranquei a janela, impedindo a entrada do vento cortante e de qualquer maníaco como meu irmão. Após isso, caminhei até a cama e depositei, levemente, o cobertor sobre o corpo nu e gélido de minha namorada, a qual ainda adormecia aconchegada, mesmo depois de tantos ruídos, ela não acordara. Então, rumei à porta e permiti que Jan adentrasse na casa.

      - Por que veio até aqui no meio da madrugada? – perguntei.

      - Já disse, quero um local para dormir.

      - Onde você passava a noite?

      - Na antiga morada de meus pais.

      - E por que você não está lá, dormindo? – prossegui com as perguntas.

      - Porque ela está destruída! – respondeu ele. – Foi queimada até restar apenas destroços. Sorte que eu não estava em casa. – Ele fez uma pausa, arregalou os olhos e disse em tom sombrio. – Eles queriam matar-me, Jim! É conspiração!

      - Isso é uma informação séria, no entanto, acho melhor discutirmos amanhã. – Bocejei. – Estou com muito sono.

      Rumei ao meu quarto e peguei um colchão velho que se encontrava ao lado do armário de madeira, colcha, cobertor e travesseiro e arrastei-os até a sala, o único local da casa que possuía mais espaço. Indiquei a Jan o local e disse:

      - Bem, divirta-se. Boa noite.

      - Boa noite – retribuiu ele em meio aos risinhos.

      Após tudo isso, eu finalmente pude retornar ao meu quarto, acomodar-me na cama velha e dura, ao lado de minha namorada. Passei meus braços à volta de seu corpo e aconcheguei-me ao seu seio. Não demorei muito para sentir minhas pálpebras pesadas e adormecer.

Despertei entre os seios de Amber e com suas delicadas mãos acariciando os fios desgrenhados de meu cabelo. Ergui a cabeça para encará-la e avistei sua expressão radiante.

      - Bom dia, dorminhoco – cumprimentou-me.

      - Bom dia – retribui.

      Antes que eu pudesse dizer mais alguma palavra, Amber fez-me rolar na cama, parando em cima de mim, afastou minha camisa de modo que ela pudesse beijar meu abdômen, roçando seus lábios até chegar a meu umbigo. Após isso, foi a minha vez de fazê-la rolar na cama e eu posicionei-me acima dela. Recostei minhas mãos em seus seios nus, contornando-os suave e perfeitamente e beijando-os com ardor. Então, levantei-me da cama, minha namorada fizera o mesmo e vestiu-se com suas roupas.

      - Jim, por que você quase nunca sorri ou gargalha? – perguntou ela quebrando o silêncio.

      - Não posso dizer que estou passando por momentos felizes. Além disso, acho que não tenho tanto senso de humor, é difícil fazer-me sorrir. Devo descontar em meus momentos de desespero e nervosismo, nos quais eu sinto um impulso quase incontrolável de gargalhar como um lunático.

      - Mas você deveria sorrir mais vezes, fica tão bonito! Você franze o nariz e duas covinhas surgem em cada lado de sua bochecha.

      - Você é bem detalhista.

      Amber anuiu, entretanto sem fazer uso do léxico, apenas através de gestos com sua cabeça. Após isso, rumamos à cozinha no intuito de quebrar o jejum. Trocamos poucas palavras durante nossa refeição, pois parecíamos serenos e reflexivos naquela manhã sombria e conturbada tal como meus pensamentos, os quais pareciam como um labirinto (minha mente assemelhava-se à morada do minotauro, às vezes, nem mesmo eu conseguia, com êxito, encontrar o caminho correto). A estadia de Amber, a qual tinha como objetivo fazer-me companhia, não iria durar muito tempo. No entanto, ela ainda permaneceria por mais algum tempo, uma vez que ainda era relativamente cedo (ninguém havia acordado, apenas nós dois).

      Desse modo, rumamos em direção ao nosso quarto e acomodamo-nos na cama. Amber recostou sua cabeça, como de costume, sua cabeça em meu tórax, enquanto eu envolvi-a com meus braços. Permanecemos em silêncio por um momento, imóveis, observando o teto, mas parecia que estávamos avistando algo que pessoas comuns não eram capazes de enxergar, além da imaginação e escutando nossas respirações suaves e tranquilas, até que minha namorada decidiu quebrar o silêncio:

      - Você parece distante hoje...

      - Perdão – limitei-me a responder.

      - Não precisa pedir perdão. – Ela assumiu uma expressão pensativa. – Você vai tentar o curso de arquitetura na universidade, não é?

      - Sim – respondi. – E você, psicologia, certo? Conseguiu convencer seu pai?

      - Bem, ainda não conversei com ele. Mas eu quero muito fazer psicologia, penso em entender mais a mente humana, talvez encontrar respostas para algumas perguntas das quais eu sempre fiz, como o motivo pelo qual o ser humano recear tanto o diferente ou sempre tentar ser melhor que o outro. Isso é da essência humana, mas deve haver alguma explicação na qual poderemos utilizar para mudarmos.

      - Deve ser bem interessante o curso de psicologia, mas acredito que eu não serviria como um bom profissional da área.

      - Jim, você é uma pessoa simpática e carismática, contudo você não consegue, não quer aproximar-se de outras pessoas, criou um receio delas desde quando era uma criança. Você forjou uma barreira para não se misturar com as outras pessoas, apenas alguns conseguem aproximar-se de você e enxergar mais além de seu superficial.

      Fiquei espantado com o fato de como Amber conhecia sobre meu íntimo sem, ao menos, eu ter comentado muito a respeito de meu passado e, no entanto, ela era capaz de identificar meu receio das pessoas e como não gostava de misturar-me com esses indivíduos. Possuía poucos amigos, não fazia questão de muitos. Minha simpatia e carisma são destinados apenas aqueles que conversam comigo e conseguiram enxergar mais além de meu superficial, enquanto para outros, eu sou como uma mera sombra esquisita e diferente.

      - Como você sabe disso? – perguntei.

      - Através da observação e também pelo fato de eu ser um pouco assim, mas acho que não possuo tanto receio quando eu preciso lidar com as pessoas.

      Permanecemos por mais algum tempo dialogando a respeito da mente humana até o horário no qual Amber deveria retornar à sua aconchegante morada. Desse modo, acompanhei-a até a entrada da cidade, beijei-a e despedi-me dela.

      - Vou tentar encontrar mais horários para vir visitá-lo – comentou Amber antes de seguir seu caminho. – Mas eu não sei se poderei, esses dias eu andando estudando muito.

      - Tudo bem – respondi. – Não se prejudique por isso, venha quando houver tempo.

      Amber roçou seus lábios uma última vez nos meus e, então, voltou sua atenção em direção ao seu caminho, enquanto eu segui à morada de Raj. Observei o céu em certos períodos, quando a copa das árvores não ofuscava minha visão. O teto da terra estava sombrio e abarrotado de nuvens as quais contribuíam com a obscuridade. A melancolia do céu expressava-se em minha mente, em meus pensamentos distantes e, ao mesmo tempo, confusos.

      Retornei à morada de Raj e percebi que todos ainda estavam adormecidos, então, rumei ao quarto, assentei-me na cama e posicionei-me de modo a praticar a meditação. Respirei profundamente, deixei meu corpo tranquilizar-se e senti-m distante de tudo ao meu redor, mais próximo aos meus pensamentos, mergulhando em minha mente. Entretanto minha viagem ao mundo de meu consciente não durou por muito tempo, pois escutei a voz de Raj trazendo-me de volta ao concreto.

      - O que você está fazendo? – perguntou ele.

      - Estava meditando, mas alguém me fez o favor de atrapalhar-me... – respondi, um pouco irritado.

      - Desculpe... – Ele fez uma pausa. – Você já deve estar cansado de morar nesta casa velha, afinal, você está acostumado com outro tipo de mordomia. Até que eu gosto dessa toca, é antiga e necessita de muitas coisas e reformas, mas para quem não possuía nada no passado, isso aqui já está de bom tamanho. Apesar de que essa casa não me pertence, é roubo...

      - Bem, pode até ser um roubo, mas a favor da vida. A vida tem um peso muito maior a qualquer bem material, acredito que apenas a liberdade seja ainda mais importante que a vida – comentei. – Uma pessoa sem a capacidade de escolher é uma pessoa vazia de sentido, uma vez que ela não é capaz de decidir nem mesmo pelo próprio caminho a rumar. Infelizmente, ainda existem escravos, mesmo em um mundo considerado moderno e desenvolvido. Nenhuma vida deveria ser considerada propriedade.

      - Entretanto o mundo é assim: composto pelas extremas desigualdades, pois essa é à base do sistema.

      - O sistema é falho, pois as pessoas que o controla também o são. O sistema poderia ser mais igualitário e perfeito, no entanto, enquanto houver ganância e o individualismo excessivos, as desigualdades irão existir. O individualismo e a busca por sempre mais são características positivas, pois são responsáveis por nosso amadurecimento, entretanto até que ponto são benéficos? Nada em excesso é bom, mas é isso que ocorre no mundo: excesso de ganância, extremos preto e branco sem a existência de um cinza. Por isso, é muito conveniente para os aproveitadores que o mundo dos extremos, da alienação e do caos perdure. O que nós fazemos para mudar? Nada. Tentamos apenas, através de meios dentro ou não das leis, alcançar o mesmo estado de conveniência dos aproveitadores, mas não tentamos melhorar as condições das outras pessoas. – Um sorriso melancólico esboçou-se em meus lábios. – Nem mesmo eu, politicamente conscientizado, faço alguma coisa... Eu não fico satisfeito com isso, entretanto eu prometo mudar.

      Raj observou-me com curiosidade, então disse:

      - Você diz que não está fazendo nada para mudar, mas você já fez e ainda faz com que eu enxergue novos conceitos. Uma vez eu escutei uma história, na qual um homem, sozinho, tentava fazer com que as ostras que ficaram agarradas na areia da praia voltassem ao mar, mas eram milhares para apenas um homem ajudar. Então um velho aproximou-se dele e perguntou o motivo pelo qual ele fazia aquilo, uma vez que aquela era uma ação de perda de tempo, já que o homem jamais será capaz de sozinho, devolver todas as ostras ao mar. O homem atirou mais uma ostra ao mar e disse: “para aquela, eu estou fazendo a diferença”. – Raj fez uma pausa. – Não adianta você, sozinho, querer carregar o peso do mundo em suas costas, pois você será esmagado, mas dentro de suas condições você está fazendo sua parte. – Após dizer isso, Raj deixou-me sozinho com meus pensamentos.

      Refleti sobre suas palavras, sábias palavras. Raj estava mudando, amadurecendo e aprendendo, aproveitando sua oportunidade. Mesmo de origem humilde, ele conhecia a importância da educação, não apenas na obtenção de condições melhores, mas, também, na formação de um indivíduo. Este último sentido não era visualizado por muitos, infelizmente. As pessoas costumam pensar mais no futuro, no que acontecerá, a respeito do mercado de trabalho e quanto dinheiro cada profissão pode proporcionar, não que isso não seja importante, no entanto, falta um pensamento a respeito da situação agora, do que acontece ao nosso redor. Vontade de lutar para resolver os problemas sociais existentes na atualidade também está em falta.

      Após minhas reflexões, deixei a solidão de meu quarto e percebi que Jan já havia acordado e conversava com Raj a respeito do incêndio que destruíra sua casa completamente, reduzindo-a a escombros. Não era preciso dizer que aquilo ocorreu com o intuito de assassinar e, com toda a certeza, fora provocado pelos “Cinco”.

      - Temos de tomar providências o quanto antes – disse Raj.

      - Onde estão os falsos seguidores? – quis saber Jan. – Precisamos deles neste momento! Por mim, nós iríamos a um confronto armado e acabaríamos logo com isso!

      - Não gostaria de mais derramamento de sangue... – Aproximei-me deles. Não existe outra maneira de acabarmos com isso sem mais mortes?

      - Acredito que eles não aceitarão qualquer acordo de paz que possa ser enviado por nós – respondeu Jan. – Estamos em uma guerra e nossos inimigos estão dispostos a matar-nos para conseguirem o que desejam.

      - Jan, ligue para os falsos seguidores – falou Raj. – Necessitamos de um planto o quanto antes.

      O lunático fez exatamente o que Raj dissera-lhe, desse modo, tivemos de esperar pelos falsos seguidores, os quais não demoraram a chegar, pois estavam próximos da morada de meu irmão mais velho. Judith, Joseph, Loren, Taylor e Benjen acomodaram-se, cada um assentando-se em uma das cadeiras de madeira. Não nos fizemos de rogado para logo iniciarmos nossas discussões a respeito de planos, problemas e como vencer aquela guerra.

      Comentamos a respeito do ritual para selar Yasuo e os falsos seguidores concordaram com a ideia. Precisávamos encontrar mais a respeito e, segundo eles, na mansão de Sinéad Stuart havia muitos livros estranhos nos quais pudessem conter tais informações. Entretanto eu não poderia retornar à cidade antes de tudo se concluir, estava certo que, caso o fizesse antes da hora, eu seria encontrado por policiais dos quais me levariam à minha mãe.

      Felizmente, os falsos seguidores comprometeram-se a investigar a antiga e sinistra mansão, uma vez que também seria arriscado a Raj e Jan, afinal, eles são filhos de Yasuo assim como eu. A última vez na qual eu fui à morada de Sinéad Stuart, Ariadne estava lá, à espreita, pronta para dar o bote, eu não poderia arriscar minha vida novamente dessa forma. Após decidir nossos planos, Joseph, Taylor e Benjen deixaram a casa de meu irmão e rumaram a fim de concluir os objetivos propostos, enquanto Judith e Loren permaneceram ali como reforços. O motivo disso fora o fato de eu ter contado a respeito dos estragos feitos pelo gato dourado e, desse modo, os falsos seguidores temiam um ataque direto à residência de Raj.

      Sem mais delongas, retornei aos meus aposentos e permaneci um bom tempo observando o céu nebuloso daquele dia pela janela. No entanto, assustei-me quando avisei Loren ao meu lado (não havia percebido que ela estava ali).

      - Perdão se o assustei – Sua voz soava soou pelo ambiente. – Não foi minha intenção.

      - Não precisa pedir perdão, eu apenas não percebi sua aproximação sorrateira.

      - Você se parece muito com o seu pai, tem a mesma beleza, olhos sedutores de gato e o jeito simpático.

      - Falando desse jeito, você parece que foi bem íntima a ele.

      Loren suspirou.

      - Eu estava com meus dezesseis anos quando o conheci, na época, eu era uma garotinha tola e apaixonada, você nem na barriga de sua mãe estava. – Espantei-me com a informação, pois Loren possuía feições muito joviais para ser bem mais velho do que eu. – Eu era apaixonada por seu pai e, naquela época, eu faria qualquer coisa por ele. Martjin queria um filho, mas eu não possuía condições de presenteá-lo com uma criança saudável, assim, ele me negou seu amor. No entanto, por sua mãe, ele parecia possuir um fascínio que eu nunca o vira sentir por outra garota, esquecia-se até mesmo de sua natureza, atrás de uma máscara de um humano comum para poder possuí-la. O único problema que o decepcionava era que Marisa não desejava ter filhos naquele momento, pois acreditava ser muito jovem. Martjin insistiu tanto que, em uma noite, ele a enganou e a jovem acabou grávida de seu primeiro filho, você. – Loren fez uma pausa. – Com o passar do tempo, Martjin começou a relembrar de sua natureza como Yasuo e começou a acreditar que, se ele vivesse apenas como um humano, todos os seus poderes seriam extintos, uma vez que o culto perdia seus fieis a cada dia. Ele iniciou suas medidas quanto a isso: gerar mais filhos com suas seguidoras e, até mesmo, com outras mulheres. Nesse meio tempo, eu havia visto o quanto estava sendo tola, descobri a verdade sobre o culto, o quão abominável era e agora minhas energias estão voltadas a destruí-lo.

      - Minha mãe não conhecia a verdade sobre meu pai, não é verdade? – perguntei, receando a resposta.

      - Não. Ele a enganou fingindo ser um bom homem.

      - Eu sou fruto de uma mentira não planejada... – comentei.

      - Sei que nada foi muito propício, mas não pense dessa forma, Jim. Você não é um fruto de uma mentira, pode ser estranho e, mesmo que por um curto período, seu pai chegou a gostar de sua mãe. Eu sei que ela o ama muito e para ela seu nascimento fora como uma benção.

      - Mamãe... – Senti uma profunda tristeza em meu interior, queria vê-la, presenciar seus braços calorosos envolvendo-me. Ao invés de minha mãe, foi Loren quem me abraçara, aliviando um pouco a dor existente em meu coração e deixando-me mais tranquilo.

      - Vamos conseguir vencer, Jim e você vai voltar a vê-la – disse ela.

      Após isso, Loren soltou-me e deixou-me sozinho naquele recinto escuro. Durante o restante daquele dia, eu permaneci mergulhado no mundo da literatura, pelo menos dentro dele, meus problemas não existiam. Embora eu não pudesse esquecê-los e permaneci um tempo destinado a pensar em como iria consertar o estrago feito pelo gato dourado, antes que Amber descubra a verdade sobre o que ocorreu. Mas eu não consegui alcançar nenhuma solução, uma vez que algumas páginas foram levadas pelo felino, como eu seria capaz de remontar o livro sem elas? Suspirei profundamente, no fim, eu sabia que teria de revelar a verdade à minha namorada, mesmo que isso fosse resultar em sua ira.

      Quando deixei o mundo da literatura e olhei diretamente aos ponteiros do relógio, percebi que já era tarde, então decidi adormecer. Troquei-me e aconcheguei-me em minha cama, no entanto, eu não consegui dormir de imediato como esperava. Remexia-me no colchão tentando encontrar uma posição mais adequada à minha entrada no mundo dos sonhos. Não obtive êxito, apenas quando Yuki aproximou-se, pude fechar minhas pálpebras e mergulhar ao meu subconsciente.

Há dias eu não tinha pesadelos, no entanto, aquela noite, eles voltaram a assombrar-me. Eu não sabia se o sonho do qual tive possuía alguma relação com Yasuo, eu estava fugindo de alguém durante a noite, em meio às árvores da floresta, porém eu não conseguia visualizar o rosto da pessoa a qual me perseguia. Então, pelo mato, eu cheguei à Sinéad, adentrei a uma construção e fui obrigado a subir até o topo do prédio. O sujeito acompanhara-me e tentou jogar-me daquela altura, mas, no fim, quem caíra fora ele.

      Despertei-me no meio daquela madrugada após o pesadelo e devido ao vento forte e gélido que entrava pela janela aberta. Levantei-me da cama e caminhei, sonolento, com o intuito de impedir a entrada do frio. Feito isso, já estava de retorno ao meu leito quando percebi que minha pasta estava caída e alguns de meus desenhos espalhados pelo chão. Antes que eu pudesse retornar ao meu sono, rumei até os papéis e comecei a recolhê-los. Mas o primeiro do qual eu peguei correspondia a uma ilustração de uma construção de um prédio bem alto, relativamente parecido com o local de meu sonho. Um tremor percorreu meu corpo e eu quase soltei o desenho de minhas mãos.

      Tentei ignorar a sensação ruim e recolhi as ilustrações na pasta. Quando eu já rumava de volta à minha cama, escutei passos no corredor, cada vez mais próximos e sonoros. De repente, a porta de meu quarto abriu-se bruscamente, revelando a imagem de Raj diante de mim, com uma expressão de preocupação estampada em seu rosto.

      - Apronte-se! Sinto que tem alguém rodeando a casa e não me parece nada amigável.

      - O quê? – perguntei ainda tentando digerir as palavras utilizadas por meu irmão.

      - Arrume-se, Jim, parece que esta noite temos companhia não muito agradável.

      Então Raj deixou-me sozinho em meu quarto e seguiu até a sala onde Jan, Loren e Judith dormiam, possivelmente, ele ira acordá-los. Eu não havia entendido muito bem o que o meu irmão dissera, apenas a parte de aprontar-me. Desse modo, troquei-me: vesti uma calça jeans escura, uma camisa cinza e casaco preto bem resistente ao frio. Calcei meus tênis e caminhei atrás de Raj.

      - O que está acontecendo, Raj? – voltei a perguntá-lo.

      - Tem alguém atirando contra a parede de madeira da casa. É um inimigo.

      - Eu não escutei nada – disse Jan, sonolento. – Você não estava sonhando?

      - Não. Ele ainda está aqui e vai voltar a atacar. Temos de caçá-lo antes que alguma coisa ruim aconteça. Peguem suas armas! – ordenou Raj.

      Jan, Judith e Loren fizeram o que ele dissera, enquanto eu fiquei parado presenciando toda a movimentação. Raj mandara-me permanecer dentro da toca, uma vez que ocorrerá um combate armado, no qual eu não conseguia reagir muito bem. Meu irmão mais velho apenas presenteou-me com uma faca dentro de uma bainha para servir como minha defesa caso nosso inimigo adentrasse na morada.

      Posicionei-me em meu quarto esperando atentamente caso o pior aconteça. Permaneci naquele recinto escuro e em silêncio. Escutei alguns estalos ruidosos e esperei que não tivesse ocorrido nenhum derramamento de sangue. De repente, avistei dois olhos verdes de gato brilhando em meio à escuridão. Estes não pertenciam à Yuki, pois os dela são amarelos, assim como os meus. As pupilas começaram a afastarem-se de mim, desse modo, decidi utilizar a luz do aposento para perceber o que estava ocorrendo. Então, quando o fiz, percebi que a gato dourado estava diante de mim, mas, a cada instante, ele seguia em direção contrária.

      Um súbito impulso de perseguir o belo animal dominara-me completamente, assim, comecei a obedecer ao que minha vontade mandava-me. Percebi que a sombra do gato pertencia a um humano, tal como aquele dia, há muito tempo, mas isso apenas aumentou minha curiosidade de saber mais a respeito do felino. Ele começou a apertar o passo e eu fiz o mesmo a fim de conseguir acompanhá-lo. Nada ao meu redor possuía importância, eu parecia estar em uma espécie de transe, no qual o que tinha sentido apenas descobrir a verdade a respeito do animal.

      O gato deixou a morada de Raj e seguiu em meio às árvores. Eu fiz o mesmo, enquanto caminhava, a passos largos, não avistei nenhum de meus aliados, nem mesmo meu inimigo, o que facilitou minha perseguição. Também não parei para pensar no que eu estava fazendo. Continuei seguindo-o pela floresta e esperava descobrir a verdade a respeito do felino, aquele era o sentimento o qual me movia. Ele apressava-se e, a cada instante, dificultava acompanhá-lo.

      Atravessamos a floresta e alcançamos a cidade. O gato guiou-me até uma construção de um prédio altíssimo, a qual me deu arrepios, pois era, exatamente, igual ao de meu sonho e desenho. Ao mesmo tempo em que eu desejava prosseguir a fim de descobrir a verdade sobre o felino, eu também queria abandonar aquele local o quanto antes. Então, percebi que eu já não era mais capaz de avistar o gato. Observei atentamente ao redor e não consegui visualizar nenhum sinal do animal.

      O desespero tomou conta de mim, tive vontade de gargalhar insanamente. O vento frio e cortante atingia minha face e bagunçava os fios negros de meu cabelo. A lua cheia pairava naquele céu nebuloso e desprovido de estrelas. O ambiente sinistro deixava-me ainda mais nervoso e fazia-me relembrar meu estranho pesadelo. Desse modo, apressei-me de volta à floresta, mas antes que eu pudesse sair da construção, escutei uma gargalhada grave e ruidosa quebrar o silêncio noturno e ecoar pelo local. Um homem apareceu perante a mim. Suas feições eram angulosas, ele era alto e forte e seu cabelo negro e espetado estava tingido de vermelho. Seus olhos cruéis eram castanhos escuros e sua sobrancelha espessa e negra. Ele também era um dos filhos de Yasuo.

      - Você realmente veio... – disse ele. – Poupou-me do trabalho.

      - Quem é você? – gaguejei.

      - Eu sou Ares, um dos filhos mais velhos de Yasuo e um dos membros dos “Cinco”, Jim Harris. – Ele fez uma pausa. – Balthor o queria vivo, mas acho que vou me divertir mais se o matá-lo, afinal, eu gosto de caçar, caso você começasse a fazer seus desenhos, não haveria graça, pois indicaria os locais de minhas presas.

      Sem dizer uma palavra, rumei em direção à floresta tentando escapar daquele sujeito insano, no entanto, antes que eu pudesse alcançá-la, um círculo de fogo formou-se ao meu redor, impedindo minha passagem. O homem gargalhou e disse:

      - Gostou de minha habilidade, Jim Harris? Eu sou capaz de incendiar gravetos e, com isso, aumentar a intensidade das chamas. O fogo é caótico e incontrolável. É a melhor representação nosso pai e a minha também.

      - Então, você quem matou Susie Bourbon e Luke Callister? – Um tremor percorreu cada célula de meu corpo. – E todas as outras pessoas que estavam naquele prédio...?

      - Com muito prazer, sim. – Um sorriso doentio formou-se em seus lábios finos. – Essa é a verdadeira essência humana! A competição, alcançar nossos objetivos a qualquer preço. As pessoas acreditam que são diferentes, racionais e muito superiores aos outros animais, entretanto nós somos muito piores, hipócritas, vivemos em uma selva desregrada de concreto. As pessoas criam leis e abarrotam as mentes infantis com as lições de moral e fraternidade, mas, no fim, o que todos querem é serem melhores do que os outros, querem vencer a competição, viver à base dos outros. Para alcançarmos um alto patamar social, temos de passar e pisar por cima de muita gente. É isso que os humanos fazem a cada momento em que estão respirando, passamos por cima de todos! Essa é a essência humana e negá-la é o mesmo que morrer!

      Uma fúria cega quase me dominou completamente, pois eu estava diante do homem que matara meu melhor amigo e muitas outras pessoas, entretanto eu sabia que perder o controle naquele momento só iria piorar minhas condições. O que eu poderia fazer naquele instante? Eu não era capaz de escapar, aquele círculo de chamas, o qual emanava um calor intenso, bloqueava minha passagem. Comecei a correr em direção à construção adentro e, sem pensar, subi as escadas, enquanto escutava as gargalhadas ruidosas de Ares bradando para que eu continuasse tentando esconder-me, pois, no fim, não havia escapatória.

      Cheguei ao topo do local, mas sem possuir uma escapatória (não me adiantou eu ter subido aquela quantidade exagerada de escadas, mas eu estava desesperado e sem possuir algum caminho que salvaria minha vida). Em questão de instantes, Ares reapareceu perante a mim, segurou meus pulsos com uma força descomunal e tentou derrubar-me daquela altura, caso caísse, aquilo representaria minha passagem ao mundo inferior, pois estávamos muito distantes do chão. Lutei, conseguindo libertar um de meus membros e retirei a faca de meu bolso, desembainhando-a. Ares tentou tirá-la de minha mão, acertando-me com seu forte punho em meu rosto, fazendo um filete de sangue escorrer por minha boca e deixando um hematoma, no entanto, eu permaneci segurando o objeto fortemente.

      Permanecemos naquele combate perigoso. A qualquer momento, um de nós poderia sofrer uma queda daquela altura. Senti uma terrível dor quando Ares torceu meu pulso. Mas isso não foi empecilho para que eu cravasse a ponta da faca em seu ombro largo e o sangue viscoso começou a jorrar. O homem utilizou suas cordas vocais para gritar ensurdecedoramente, demonstrando a intensa dor da qual ele sentia. Entretanto isso não o fez desistir, ele retirou um graveto de seu bolso, incendiou-o e tentou queimar-me. Esquivei-me, no entanto, não foi o suficiente para que eu evitasse que algumas chamas tocassem uma pequena área de meu pulso, fazendo-me sentir uma terrível ardência.

      Eu não desisti, mesmo sentindo tanta dor. Ares continuou com sua sequência de golpes, enfurecidos, porém eu o acertei fortemente com o meu ombro, fazendo-o perder o equilíbrio e sofrer a queda daquela altura. Então tudo acontecera tão rápido que, em questão de instantes, seu corpo entrou em contato com o chão, sofrendo o impacto e transformando-se em uma massa misturada de sangue e órgãos. Senti um tremor percorrer meu corpo e fraqueza em minhas pernas. Parecia que as imagens de meu pesadelo estavam passando rápidas tão como feixes de luz diante de meus olhos, entretanto aquilo não era um sonho, eu realmente havia assassinado meu meio-irmão.


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Notas finais do capítulo

Tentei seguir o conselho do Samuel quanto a formalidade, não sei se consegui retomá-la na história, espero que sim. No entanto, eu gostei bastante desse capítulo, espero que tenham gostado também. ^^



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