Pesadelo do Real escrita por Metal_Will


Capítulo 47
Capítulo 47 - Escritor




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"Não tem graça conseguir tudo que quer de uma vez só, não é?"

Capítulo 47 - Escritor

 Em poucos minutos de conversa com aquele jovem chamado José, Aurora já conseguiu descobrir coisas fantásticas. Primeiro, ele era um vendedor de bonecas feitas à mão com um capricho indescritível. Depois, que, assim como ela, sonhava em se tornar um escritor e, por último, que o livro que ela ganhou de aniversário havia sido escrito por um professor dele. Muitos assuntos em comum para tão pouco tempo de convivência.

- Está falando sério? O autor desse livro foi seu professor?

- Genival Gonçalves. Grande intelectual e professor de Língua Portuguesa. Como poderia esquecer dele? - José falava sem tirar os olhos da capa do livro. Aurora não conhecia o autor, mas pelo pouco que folheou o livro parecia ser bom. Agora a garota estava mais interessada no que José sabia sobre ele.

- Que demais...ter um professor que escreveu um livro deve ser fantástico.

- Era uma boa pessoa. Tive interesse em escrever minha própria história graças a esse professor. Escrita narrativa sempre foi a especialidade dele.

- Uau!

 Aurora não conhecia muito aquele moço, mas sentiu que não podia perder a oportunidade de ganhar muitas informações valiosas dele. Embora ele fosse permanecer no vilarejo por algum tempo, não sabia quando poderia encontrá-lo de novo.

- Err..José?

- Sim? - disse ele, devolvendo o livro de Aurora.

- Por favor, poderia contar mais a respeito desse seu professor? Ou melhor...

- Ou melhor?

- Poderia me contar sobre a história que você queria fazer?

- Oh, é claro. Não que tenha sido grande coisa, mas se você quer mesmo ser uma escritora acho que vai gostar.

- Com certeza...por favor, me conte.

 Não demora muito para os dois se sentarem em um banco próximo e José começar a contar sobre sua pouca experiência literária. Mesmo assim, Aurora estava certa de que poderia aprender muito com ele.

- Bem, o professor Genival foi meu professor na oitava série. Foi nessa época que despertei minha vontade de ser escritor. Antes eu só escrevia minhas redações para ganhar nota e nunca tive nenhum interesse em Literatura.

- Ele devia ser mesmo um bom professor, não é?

- E era. Foi ele que me fez perceber o quanto a Literatura é fantástica. É o meio mais simples e um dos mais bonitos de dar vida a nossos sonhos.

- Sonhos...sabe, sinto a mesma coisa - comenta Aurora.

- Escrever é o mesmo que permitir a outras pessoas que conheçam os mundos que você mesmo cria.

 Aurora sente um certo arrepio ao ouvir essa última frase. Não sabia dizer se era exatamente um arrepio, um calafrio ou um pressentimento. No entanto, foi a mesma sensação que teve no instante em que ganhou seu livro. Será que estava ficando com febre ou algo assim? De qualquer modo, ela preferiu ignorar e continuar a ouvir seu novo amigo.

- Essa era uma frase que ele repetia várias vezes. É provável que tenha até escrito algo assim nesse livro.

 Aurora folheia rapidamente seu livro e vê a mesma frase no final do prefácio do livro.

 - É mesmo. Tá bem aqui. "Escrever é o mesmo que permitir a outras pessoas que conheçam os mundos que você mesmo cria."

- Criar mundos...acho que inventar histórias se trata disso, não é?

- Eu concordo. É isso que sempre me fascinou em todos os livros que li. É como se eu pudesse viajar para outros locais sem precisar sair do lugar.

 Os olhos da garota brilhavam só de falar disso. De fato, gostava muito de livros.

- Seu jeito de olhar...é muito parecido com o do professor Genival.

- Sério?

 José balança a cabeça afirmativamente.

- E provavelmente era o jeito que eu assistia as aulas dele também. E ele me cativou tanto que um dia, finalmente, resolvi criar minha própria história. Era só um moleque de catorze anos, considerando que hoje tenho dezoito...parece que foi ontem.

- Que legal! Você disse que queria criar a melhor história de todas, não é?

- Talvez não a melhor, mas a mais diferente. Queria fazer algo novo, que ninguém na humanidade tivesse pensado. Para isso, comecei a pensar em que tipo de situação seria inédita. Vi vários resumos de diferentes tipos de histórias e ao mesmo tempo comecei a pensar em algo que fosse totalmente diferente de tudo aquilo.

- E você conseguiu?

- Não consegui. Por mais que pensasse, não saía nada de novo. Um dia eu até pensei em um conto simples, sobre um detetive que só tentava resolver crimes que fossem interessantes.

- Parece uma ideia boa....

- Não era. Não tinha nada de novo. Podia ser um detetive excêntrico, mas era só um detetive. Existem milhões de histórias de detetive por aí. Seria só mais uma.

- Então...você queria algo totalmente novo mesmo, não é?

- Era o que eu estava buscando, até que um dia conversei com o professor Genival sobre isso. Ele sorriu e falou algo que achei muito interessante.

- O que foi?

- Talvez isso estrague um pouco da leitura de seu livro, mas ele disse que criar uma história totalmente nova era impossível. A humanidade sempre cultivou mitos e contos com aspectos semelhantes. No fundo, toda história é bem parecida uma com a outra.

- Como assim?

- Toda história possui um protagonista com algum objetivo. Seria o caminho de um herói na tentativa de alcançar o que deseja, com obstáculos e dificuldades no caminho. Seja em mitos ou em contos, a fórmula do herói que busca um desejo é um ponto básico. A questão é..que tipo de problemas ele encontrará no caminho, não é?

 As palavras de José tocaram Aurora mais uma vez. Era como se ela já tivesse escutado algo parecido antes. O herói que busca seu desejo. Onde já ouviu algo parecido? Era como uma pontada de agulha em sua memória, tentando fazê-la se lembrar de algo que não tinha a menor ideia do que pudesse ser. Por fim, ela fala algo que já havia comentado com Brenda antes.

- Pelo pouco que li esse livro, ele fala algo sobre fazer o protagonista sofrer. O sofrimento ajuda a criar uma boa história?

- Ele dizia algo assim mesmo - diz José, olhando para cima, em tom de nostalgia - Não tem graça conseguir tudo que quer de uma vez só, não é?

- Olhando por esse lado...faz sentido.

- Sofrer faz parte da condição humana...é muito difícil imaginar um local sem nenhum tipo de dor, não acha?

 Aurora sente uma nova pontada na mente. Como se estivesse tendo sua atenção chamada para algo importante, mas ainda assim não conseguia entender o que era. José percebe um certo mal estar em sua nova companheira.

- Você está bem? Ficou com um olhar esquisito...

- Não, não é nada. Impressão sua - responde Aurora - Err...obrigada por perder seu tempo comigo. Fico muito feliz de ter conhecido alguém que conheceu o autor do meu livro.

- Não foi nada. É uma pena que não tive sorte de poder seguir na vida como escritor. Mas se você continuar estudando bastante e conseguir apoio da família, certamente poderá se tornar uma excelente autora.

- No fim você desistiu da Literatura para sempre?

- Não - ele balançou a cabeça negativamente - Apenas parei de escrever, mas continuo lendo bastante. Enquanto estou viajando, também levo bons livros comigo. Estão aqui na outra mala, junto com minhas roupas.

- Entendo.

- Bom - José se levanta - Foi mais ou menos isso que aconteceu...no fim, mesmo que não consiga escrever algo totalmente novo, poderá escrever algo interessante. Tenho certeza de que consegue.

- Obrigada.

 José se preparava para sair de cena e ir para a hospedaria, quando Aurora faz um último convite.

- Err...vou ter uma festa de aniversário hoje à noite.

 O rapaz olha para trás.

- Vai ir muita gente, mas se quiser aparecer lá também. Fica na segunda rua, indo do cais para o norte. Poderá localizar facilmente pelo barulho.

- Um forasteiro como eu aparecer assim de repente? Seria estranho...

- Bom, é verdade, mas adoraria apresentá-lo para meus pais. Acho que você conseguiria bons fregueses também...as meninas da minha sala adoram essas coisas e...

- Vou pensar, mas, mesmo que eu não vá... - ele abre sua maleta e retira uma das bonequinhas. Não era humana, mas tinha a forma de uma gatinha de lacinhos - ...Tenha um feliz aniversário, Aurora.

 Feito isso, ele a cumprimenta levantando rapidamente seu chapéu e segue rumo à hospedaria.

 "José, heim?", pensa Aurora, "Foi bom tê-lo conhecido. Agora estou cada vez mais disposta a realizar meu sonho"

 Por outro lado, assim que guarda sua gatinha de pano, tem mais uma sensação estranha. É a mesma sensação de quando ganhou seu livro e durante a conversa com José. O que poderia ser? De qualquer forma, ela segue para casa. Precisava terminar os preparativos para sua festa.


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