Pesadelo do Real escrita por Metal_Will


Capítulo 36
Capítulo 36 - Comunicação




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"Ser é ser percebido"

~ Berkeley

Capítulo 35 - Comunicação

 A noite seguiu normalmente para Monalisa. Ela achava que deveria estar mais feliz ou mais aliviada por finalmente ter se encontrado com a guia capaz de levá-la à saída do Labirinto, mas não era bem alívio o que estava sentindo. Na verdade, não sabia bem o que estava sentindo. Despertar Ariadne deveria tê-la tranquilizado, mas parece que ainda não se sentia totalmente a salvo. Na volta para casa começou a pensar com um pouco mais de seriedade sobre o que estaria além do Labirinto. Seria melhor ou pior? Sabia que todos escondiam a verdade dela, mas não sabia se era uma verdade boa ou ruim. O conselho do Mestre dos Relógios também ecoa em sua mente: se simplesmente ignorasse tudo, poderia viver tranquilamente, mesmo sabendo que todos estavam mentindo. Mas só de pensar nessa possibilidade, Monalisa se sentia nervosa e sufocada.

 "Por um lado eu sinto um frio na barriga ao pensar no que posso encontrar fora do Labirinto", pensa ela, "Mas por outro...saber que vivo em uma mentira e nunca poderei fazer nada para mudar isso é horrível. Eu...eu quero sair...ou pelo menos saber a verdade...mas acho que só vou saber a verdade se sair

 E para sair, precisaria da ajuda de Ariadne. E para isso, precisaria prestar ainda mais atenção em seus sonhos. Ao que parece, os sonhos ainda eram a melhor forma de receber as mensagens do Labirinto, embora Monalisa nunca tivesse certeza absoluta de como interpretar essas mensagens. Mas agora era diferente. Tinha uma guia e podia ter certeza de seguir o caminho certo. Tudo bem. Era só uma questão de tempo até sair. 

 A mãe de Monalisa, Eleonora, chegou do trabalho no horário habitual. A loirinha parecia receosa do que ela pudesse fazer, mas Eleonora não exibia nenhum tipo de alteração. Quando assumiu a personalidade da falsa guia agia como uma mulher falante e alegre, porém agora era apenas a mãe de Monalisa. A quieta e ausente mãe de sempre. 

 Durante o jantar, a garota janta sem falar muito. O pai continuava chegando tarde e Monalisa sempre comia silenciosamente junto com Eleonora. Lá pelas dez da noite, a loirinha dá boa noite e se prepara para dormir. Será que sonharia? Antes de se deitar, ela toma seu caderno e olha as datas. Eram mesmo datas futuras, indicando os sonhos que teve na outra linha do tempo. Se o caderno se manteve intacto, era sinal de que os sonhos eram realmente importantes. Monalisa se pergunta como o caderno foi transportado de uma linha de tempo para outra, mas não chegaria a conclusão nenhuma por mais que filosofasse. Seja como for, o importante é que tinha os sonhos anotados. Como de costume, ela deixa o caderno na cabeceira ao lado da cama com uma caneta à mão, apaga o abajur e se deita. Hora de dormir e, talvez, sonhar.

 O que não demora muito para acontecer. Monalisa logo se vê em um ambiente pouco iluminado. Não era exatamente um deserto, embora parecesse árido. Algumas aves voavam e gorjeavam ao redor. Era aberto, porém com um céu nublado (ou poluído, não soube identificar direito). Estava meio quente e Monalisa, mais uma vez, usava apenas um vestido branco curto. Estava descalça e de cabelos soltos. Em volta, havia vários fios, pneus e peças eletrônicas velhas. Era como um ferro velho, sucata, não parecia ser sujo, mas tinha um monte de coisas velhas espalhadas.

 A garota caminha pelo local, curiosa e tentando observar alguma novidade. Eis que ela ouve um barulho, na verdade, mais parecia a voz de alguém falando alguma coisa. A menina se aproxima lentamente e começa a ouvir com mais claramente. Era voz de um homem, certamente devia ter mais que 30 anos e falava algo "alô..alô...alguém, responda...alô". 

  Monalisa se aproxima mais e vê de quem se tratava. Era um homem meio calvo e com uma expressão meio nervosa. Ele usava uns fones de ouvido e falava em um tipo de microfone, ligado a um aparelho que Monalisa desconhecia. O homem tira os fones, esfrega o rosto com as mãos e bufa.

- Err...com licença? - diz Monalisa, timidamente.

- Heim? Quem é você? O que você quer? - pergunta o homem, sendo mais rude pelo susto do que por grosseria.

- Sou só uma menina de passagem. Queria saber exatamente onde estou - responde ela.

- É só um lugar sem ninguém, quer dizer, ninguém além de mim - respondeu ele - Tento todos os dias me comunicar com alguém, mas nunca consegui.

- Alguém? Com quem?

- Qualquer pessoa...qualquer uma. Gostaria apenas de falar com mais alguém.

- Err...eu estou aqui - diz Monalisa, sem antes se olhar e ver se não estava invisível ou algo assim.

- Não adiantaria nada falar com você - retrucou o homem, sem ao menos olhar Monalisa no rosto.

- Por que não? Sou alguém, não sou? O senhor não está se sentindo sozinho?

- Eu quero falar com alguém que não pertença a esse lugar...alguém de fora.

- De...fora? Mas por quê?

- Porque é isso que essa máquina faz - respondeu o homem, apontando para o aparelho que utilizava - Ela existe para estabelecer contato com quem é de fora.

- Tipo...um rádio amador?

- Algo assim. Um dia alguém vai entrar em contato. Eu sei que vai.

 Monalisa ainda não entende direito o que ele falava, mas estava mais interessada em encontrar uma saída daquele lugar esquisito.

- Pode me mostrar como sair daqui?

- Não sei - respondeu ele - Sempre estive aqui...mas deve ter uma saída.

- Deve ter?

- Bem. Isso depende. Se existir alguém fora daqui, é porque deve dar para sair daqui, não?

- E você nunca tentou achar uma saída sozinho?

- Não acho que seria útil - respondeu ele - Primeiro preciso provar que existe um outro lado.

- Provar?

- Isso mesmo! - exclama o meio careca - É por isso que aguardo tanto uma resposta.

- Mas isso pode levar uma eternidade!

- E se a saída não existir, procurará por ela toda a eternidade da mesma forma...sem nunca encontrar

- Que ridículo - reclama Monalisa - Pois eu vou procurar uma saída sozinha. É melhor do que ficar aqui parada.

- Caso consiga sair - avisa o homem - Pode ligar para o número do meu rádio amador e se comunicar comigo?

- Mas como vou saber se tem um rádo amador do outro lado? - retrucou a garota.

- Deve ter - respondeu ele - Ou não teria sentido ter um rádio amador desse lado.

- Acho que não entendi muito bem essa lógica...

- Esse rádio amador está aqui desde que cheguei...se está aqui, então deve ter sido usado para se comunicar com alguém do outro lado.

- Mas isso é ridículo!

- Claro que é - respondeu o homem - Tão ridículo quanto querer procurar uma saída que você nem sabe se existe.

- Que irritante - bufa a loirinha - Bom, eu vou procurar a saída daqui logo! O senhor também deveria parar de perder tempo e vir comigo!

- Você não entende, não é? Se eu sair junto com você...posso perder uma oportunidade única de obter uma resposta. Se eu ficar perambulando sem rumo com você por aí corre-se o risco de não ter ninguém para responder o outro lado!

- E se quem estiver do outro lado estiver procurando uma saída também? - retruca Monalisa.

- Então não é muito inteligente...está procurando uma saída sem sequer saber se existe um outro lado para sair. 

  Monalisa fica nervosa com essa alfinetada, mas tenta falar da maneira mais civilizada possível.

- Mas esse outro lado existe, não? Estamos aqui!

- Há controvérsias - retruca o homem - Se não há ninguém para afirmar a sua existência, é como se você não existisse.

- Absurdo. É claro que vou continuar existindo mesmo que não tenha ninguém sabendo disso!

- Se ninguém sabe que você existe, como pode existir? - perguntou o homem. No fundo, o argumento dele fazia sentido.

- Não posso...existir para mim mesma? - indaga a garota, colocando uma das mãos no peito.

- Talvez..mas de que adianta existir apenas para si mesma? 

 Monalisa começa a pensar e conclui que, de fato, existir apenas para si mesmo não deveria ser suficiente.

- Acho..que estou começando a entender...mas isso não muda o fato de que eu ainda existo, nem que seja para mim mesma.

- Talvez...mas nesse caso talvez existam várias outras pessoas por aqui.

- Sim. Quem sabe. É um lugar grande, né?

- Mas elas só existem para si mesmas.

- Isso não muda o fato de elas existirem, não?

- Não. Mas muda alguma coisa para nós?

- Acho que também não..

- Viu só? - respondeu o homem, dando um sorriso de satisfação, enquanto retomava os fones de ouvido e tentava estabelecer contato novamente - O mesmo vale para o outro lado. Se ele só existe para si mesmo, o que muda para nós? É por isso que preciso ter um jeito de me comunicar com ele...só assim posso ter certeza de que existe um outro lado.

 A garota ainda fica ali alguns instantes, até se encher e ficar irritada mais uma vez.

- Posso perguntar uma coisa?

- O que é?

- E se conseguir estabelecer contato com alguém do outro lado? O que vai fazer depois?

- Isso é óbvio - responde ele, com um leve sorriso no rosto - Aí vou procurar a saída.

- Vai mesmo sair só depois que tiver uma resposta do outro lado? Isso pode levar uma eternidade!

- Pode até ser...mas pelo menos terei certeza de que existe um outro lado.

 Monalisa iria pensar nisso, quando num piscar de olhos se vê deitada mais uma vez em sua cama. O sonho ainda estava fresco em sua memória e ela se apressa em anotar tudo. A cada noite que passava, os sonhos ficavam cada vez mais estranhos, mas dessa vez ela tinha um palpite forte sobre seu próximo passo. E tinha tudo a ver com o homem que encontrou naquela sucata.

"O cara desse sonho...", pensa ela, "Parecia...não, não é que parecia. ERA o pai da Ariadne!"


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