O Ladrão de Almas escrita por lucy_b


Capítulo 4
Almost Devil


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas eu acho que eu eu já re-escrevi esse capitulo umas dez vezes, eu não conseguia achar as palavras para descrever, criar... Enfim, espero que gostem. Boa Leitura!



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       Lea se encolheu mais ainda dentro da cela, com medo. Ao mesmo tempo em que tentava enxergar por cima do meu ombro, ela também fitava meus olhos, como se esperasse que eu dissesse alguma coisa. Mas eu não o fiz, apenas retribui o olhar e tentava lembrar de como se falava. Era estranho eu estar assim perto de um humano, de um mortal, sem querer matá-lo. Com aquela garota era diferente, era como se eu quisesse passar seu medo, sua dor, sua duvida e sua tristeza toda para mim, só para não vê-la sofrer. Condenei-me pelo pensamento e abaixei a cabeça, não podendo mais olhar em seus olhos.

   O silencio permaneceu por alguns minutos, não porque eu queria e muito menos porque ela preferia assim, mas porque ambos não sabíamos o que falar. Era como o predador encontrando a presa que não conseguiu matar, o clima era tenso, e por mais que o instinto dissesse “Mate”, alguma coisa sussurrava “Não”. Voltei a olhar em seus olhos e percebi que estavam marejados, o olhar longe, a cabeça presa em devaneios que não me atrevi a ler. Sim, consigo ler os pensamentos dos mortais e de alguns demônios, mas só o uso quando necessário, quando eu realmente quero, ou seja, quase nunca, é melhor assim.

   A garota abriu a boca na tentativa de dizer algo, mas fechou rapidamente, desviando o olhar e abaixando a cabeça. Eu não sabia o que dizer, não sabia se a matava ou não, não sabia se aqueles olhos estavam realmente castanho-avermelhados. Eu não conseguia pensar direito! Aquele não era eu, Hyntf, o Ladrão de Almas, não podia ser. Eu não era tão fraco, eu não era tão... Humano? Mordi minha língua tentando me repreender pelo pensamento.

   - Porque fez aquilo? – Ela murmurou, arrependendo-se instantaneamente da pergunta, mas olhando em meus olhos e esperando uma resposta concreta.

   Suspirei, tentando me esquivar da pergunta, mas sabia que eu devia responder, ela agora estava viva e estava no Inferno, eu devia alguma satisfação, por mais que meu instinto ainda gritasse loucamente na minha cabeça para matá-la.

   - Porque é meu trabalho – Sussurrei e vi que ela não conseguiu entender, então resolvi explicar – Eu roubo a alma dos humanos enquanto eles dormem – Ela me olhou assustada.

   Lea ficou em silencio, tentando digerir a informação que acabara de receber. Percebi que ela estava tentando segurar o choro, tentando não gritar. Senti-me culpado por isso, pela primeira vez na minha maldita vida eu me senti culpado por causar algum tipo de sofrimento.

   - Você é algum tipo de demônio? – Ela concluiu, mas me perguntou para ter certeza – Eu estou no Inferno? Eu estou morta?

   Tentei novamente me esquivar da pergunta, alguma coisa me dizendo que o que eu estava fazendo era errado, um mortal conseguiu entrar no Inferno vivo e isso com toda certeza não era bom, na verdade não era nem possível, o que obviamente quer dizer que Nytn se meteu novamente onde não foi chamada.

   - Pode-se dizer que sim, eu sou um tipo de demônio – Murmurei, tentando não lhe causar espanto – Eu não sei como você chegou aqui, quer dizer, eu roubei sua alma, mas não era para você estar viva. Não é assim que as coisas funcionam por aqui – Fui franco, esperando que isso ajudasse, pelo menos era melhor do que esconder alguma coisa.

   Ela assentiu, ainda um pouco confusa. Eu não conseguia definir o que ela estava sentindo, era estranho um mortal saber que estava no Inferno e não gritar ou entrar em pânico. Isso me fez admirar um pouco a garota, pela coragem. Quem diria? Eu, Hyntf, admirando um humano. O que estava acontecendo comigo?

   - Então todos aqueles que me mandaram pro Inferno conseguiram, aqui estou eu – Ela comentou com sigo mesma e deu um sorriso irônico. Eu sabia do que ela estava falando, os mortais tinham o incrível habito de mandar os seus próprios pra cá, era ridículo, mas eu entendia.

   Ela levantou e tentou sair da cela, sendo impedida pelo meu corpo, ela não podia sair, ela devia estar morta. Fiquei lá, encarando-a e esperando que fizesse alguma coisa, quando percebi o quão próximo estávamos, isso a fez corar e eu sorri involuntariamente. Ela abaixou o olhar, um pouco confusa e tímida.

   A garota segurou a respiração e olhou para baixo, evitando o contato visual. Ela deu um passo para trás e enfim olhou para mim, ainda um pouco confusa. O sorriso em meus lábios desapareceu, não deixando ela perceber minha alegria temporária.

   - Sai da frente – Ela pediu, decidida do que supostamente ia fazer, seu tom de voz mostrava que tinha algum tipo de plano e aquilo me preocupava – Por favor – Acrescentou, sorrindo fraco.

   - Não – Sussurrei, tentando decifrar aqueles olhos castanhos, mas parecia que avia um muro que não me deixava ver muita coisa. O que me preocupava, poucos humanos tinham essa “proteção”, e Lea não parecia de modo algum ser um deles.

   Aliás, os olhos dela não estavam castanhos, estavam castanho-avermelhados e aquilo com toda certeza era um problema, Nytn pode ter errado o ritual e transformado ela em meio demôn... Não! Recusei-me pensar isso, aquela garota em minha frente não podia se tornar algo como eu. Ela era pura, uma das almas mais bonitas que já roubei, não podia simplesmente tirar toda aquela pureza dela, era algo injusto que até eu, um ladrão de almas, me recusava a fazer.

   Lea me olhou indignada, tentando entender o porquê da minha resposta negativa, sendo que nem eu mesmo entendi porque falei aquilo. Mas eu simplesmente não podia deixá-la sair, arriscar que os outros demônios a vejam. Era uma péssima idéia.

   - Eu não sei o que eu vou fazer agora – Falei, olhando em seus olhos - Eu não posso arriscar que te vejam, se algum demônio descobrir que mantenho um mortal que ainda está vivo aqui... Acredite em mim, não vai ser nada bom – Expliquei, ainda impedindo seu caminho.

   Ela ainda me olhava desconfiada, com um pouco de duvida, mas assentiu e voltou a sentar em um dos cantos da cela, esperando que eu lhe desse alguma orientação do que fazer. Mas eu não sabia o que falar, não tinha idéia do que ia acontecer a partir daquele momento. Era tudo muito confuso para mim, toda essa idéia de abrigar um humano e, quem sabe, ter que lutar contra os anjos pela alma mais pura de minha coleção. Eu ainda não conseguia pensar direito.

   - Levante – Sussurrei, me arrependendo instantaneamente – Você não pode ficar nessa cela, vou arrumar um jeito de sair daqui, do Inferno, talvez eu fale com os anjos, eu não sei – Murmurei o final, escondendo meu desprezo.

   O que eu estava falando? Eu estava realmente ajudando um mortal, um humano? Era desprezível, algo que nenhum outro demônio já fez e eu, aquele que mais detesta essa raça, estava prestes a fazer. Meu trabalho é e sempre foi roubar as almas dos mortais e levá-los comigo para sofrerem por milhões de anos. É assim que tem que ser, eu não podia simplesmente tirar alguém do Inferno, assim, sem mais nem menos. Era loucura, puro suicídio.

   A garota me olhava um pouco assustada e por um momento não consegui controlar o que estava fazendo. Puxei-a pelo braço, um pouco rude demais e a joguei para fora da cela. Era meu extinto agindo, aquele que pedia para fazê-la sofrer. Se bem que eu não queria isso, eu nunca quis, para falar a verdade, só que eu sou um demônio e por mais que alguns sentimentos humanos foram sendo adquiridos com o tempo, eu ainda era feito para matar, essa era a minha única filosofia de vida.

   Ela cambaleou um pouco, buscando equilíbrio em uma das celas consumidas pelo fogo. Tirou a mão rapidamente e voltou a me olhar assustada, imaginando porque eu tinha feito aquilo. Mortais idiotas, eu era feito para roubar as suas almas repugnantes!

   Por mais que eu não quisesse fazer isso, eu cresci no meio da desgraça e da dor, não era algo que eu simplesmente pudesse falar “Não”, eu tinha que matá-la de vez, lentamente. Dei uma olhada em meu redor, procurando por algo que me ajude e só o que encontrei foram almas e fogos. Poderia usar os dois, causar além de sofrimento, medo. E foi isso que fiz.

   Sorri para ela, tentando parecer amigável, porém o ódio em meus olhos deixava claro que minha única meta era matá-la. Porque eu estava fazendo aquilo? Uma mudança repentina de humor que nem eu mesmo entendi. Eu estava travando uma luta comigo mesmo dentro de minha mente, eu não sabia mais o que fazer, o que estava fazendo. Libertei algumas almas só usando minha mente, fazendo o fogo chutá-las para fora da cela. Sorri ao ver que os gritos, tanto de Lea quanto dos ectoplasmas, ecoavam desesperados pelo local. As línguas de fogo começavam a rastejar até a garota, queimando-a.

   Dei um sorriso malicioso para ela, ouvindo os gritos aumentarem, sua pele agora devia estar derretendo com tanto fogo. Quando me dei conta de uma coisa: tudo bem que aqui é o Inferno, mas só as almas são “imortais”, ou seja, não morrem com tanto sofrimento, só que Lea, bem, Lea ainda era humana, ela não devia estar viva. Fiz as chamas se afastarem de seu corpo, que estava intacto, as almas se afastaram assim que viram que ela ainda estava respirando. Aquilo me assustou. A garota estava de joelhos no chão, com a cabeça baixa e chorando, sem nenhum arranhão. Olhei espantado para ela.

   - Seu filho da puta desgraçado – Ela sussurrou, o ódio em sua voz era visível – Porque você fez isso? Porque quer me ouvir gritar? – A garota levantou a cabeça e olhou em meus olhos, perfurando-os.

   Quando eu percebi o quanto eu fui idiota, quando eu vi aqueles olhos vermelho-acastanhados tudo veio à tona: Nytn não errou o feitiço, ela fez de propósito, ela tirou toda a pureza daquela alma quando a colocou novamente no maldito corpo mortal. Se eu a irritasse era bem possível que Lea se tornasse metade demônio e foi isso que eu fiz, eu tentei matá-la. DESGRAÇADA! Se algum exorcista não matar Nytn de vez, eu mesma faço o trabalho, pode ter certeza.

   - Leandra... – Murmurei, profundamente triste por ter perdido aquela alma tão bonita, tão imaculada.

   - Então sabe meu nome? – Ela quase gritou, a raiva consumindo-a por inteiro, o que não era bom – Então sabe meu maldito nome? – Um sorriso irônico surgiu em seus lábios e eu pude perceber que ela já não agia por si – Quero saber o seu, para quando matá-lo.

   Aquela bipolaridade tanto minha quanto de Lea estava me matando, eu não sabia mais o que vinha a seguir. Fechei os olhos, repetindo para mim mesma que o que estava sentindo não era mais um sentimento humano. Senti alguma coisa atingir minha cara com força, me queimando com seu toque e deduzi ser a garota.

   Alguma coisa liquida escorreu das maçãs de meu rosto e, o que era para ser sangue, se tornou instantaneamente fogo, lava. Era o mal de ser um demônio, quando você sangra, o que acontece raramente, esse maldito sangue se transforma em lava. O que me faz invejar um pouco os anjos, que tem o sangue transformado em água.

   Eu senti a consciência se libertar de minha mente lentamente, meus olhos começaram a ficar pesados e estava lutando contra o sono. Eu não conseguia enxergar direito, tudo estava se tornando vultos para mim, quando vi alguma atingir minha cabeça, algo prata e pontudo. Onde diabos aquela garota conseguiu uma faca? Perdi de vez a consciência, só pedia a Deusa para que Lea não fizesse nenhuma besteira enquanto eu estivesse desacordado.

       Abri os olhos lentamente, ainda um pouco grogue pela pancada. Como aquela mortal conseguiu me fazer desmaiar apenas com um soco? E porque, ó Deusa, ela me deu uma facada? Abri os olhos completamente, recuperando a consciência e me deparei com uma mulher em minha frente, fitando-me com desprezo. Aquela era Leandra? Não era possível. Seu cabelo estava ruivo com algumas mechas castanhas, os olhos perdendo cada vez mais o lindo tom de castanho, sua pele extremamente sem cor e o corpo ganhando cada vez mais volume, igual ao dos demônios que representavam a mulher humana, como Nytn. Pisquei algumas vezes, tentando me certificar que o que estava vendo era real.

   Não... NÃO! Lea não podia se tornar um demônio. Não... Não... Meus olhos começaram a ficar marejados, o que era novidade para mim. Eu não sabia a razão de lágrimas se formarem na região ocular, mas elas machucavam tanto que eu preferia o fogo queimando meu corpo imortal, o sofrimento eterno, do que aquilo. Olhei em volta e vi que já não estava na sala da coleção, me encontrava na sala principal, sentado em um dos cantos e sendo consumido pelas línguas de fogos. Não doía, mas me sufocava por dentro. A mulher dirigiu sua atenção a mim.

   - O que diabos você fez comigo? – Ela perguntou, seca.

   Recusava-me a pensar que aquela mortal estava me tratando daquele jeito, não Leandra. Olhei para ela, extremamente triste, tentando achar a alma extra-pura naquele corpo novo. Não consegui. Levantei-me em um pulo, tentando me aproximar dela, tentando fazê-la voltar ao normal. Ela ainda me olhava com desprezo, o que não a culpava, eu tentei matá-la duas vezes, era natural o ódio em seu olhar.

   Sem dizer uma palavra me aproximei dela e selei nossos lábios, decidido em fazer o castanho claro voltar a se tornar à cor de seus olhos. A princípio ela não correspondeu, tentando a todo custo me jogar para longe, porém fui mais forte que ela e a garota acabou cedendo. Não começou e nem terminou com um beijo calmo, foi algo mais forte, como apagar um incêndio com gasolina, algo que nós dois ansiávamos. Pude sentir o quase-demônio, ou quase-possessão, esvair-se de seu corpo e a garota voltou lentamente a ser a mortal inocente.

   Afastei-me de seus lábios e pude ver a confusão em seus olhos, ela não fazia idéia do que estava acontecendo. Sorri ao perceber que a alma imaculada ainda a pertencia. Era bom saber que eu ainda tinha a minha mortal sem nenhum arranhão físico ou psicológico.

   - Mas o que...? – Ela sussurrou, visivelmente confusa.

   Eu não sabia o que estava acontecendo, mas já tinha percebido que a raiva libertava o demônio preso dentro dela. Era estranho usar essa palavra na mesma frase que me refiro a Leandra, e mais estranho ainda era o fato de que eu estava sentindo o mesmo sentimento que Nytn sente quando olha para mim. Afastei-me de meus devaneios e prestei atenção na garota, que me olhava, presa em seus pensamentos.

xx Lea’s POV xx

       Olhei para o homem em minha frente, aquele que lembrava de ter visto antes de desmaiar, ou morrer, em meu quarto. Estava confusa, não tinha idéia de onde estava e como cheguei aqui, mas esse lugar me dava arrepios, estava sendo consumindo pelo fogo impiedoso, mas eu e ele parecíamos não ligar para o suposto incêndio. O homem tinha um sorriso de ponta a ponta, parecendo estar feliz em me ver.

   - Mas o que...? – Sussurrei, confusa.

   Ele tinha um olhar que mostrava estar preso em seus devaneios e uma repentina vontade me atingiu como uma bala, eu agora tinha um profundo desejo de ler seus pensamentos, e, estranhamente, eu queria que ele estivesse pensando em mim.

   Eu não me lembrava de nada antes de simplesmente estar em pé em uma sala a’lá Inglaterra Vitoriana com um homem que eu lembro que me matou. Eu me sentia como se acabasse de passar por um tipo de possessão, como se eu tivesse servido de fantoche para alguém. Espera, aquele homem me matou! Então como eu estava pensando e falando? Não fazia nenhum sentindo.

   - Bem vinda de volta – Ele murmurou, ainda sorrindo, o que me deixou mais confusa ainda.

   Eu fitei aqueles olhos verde azulados, em busca de respostas, quando imagens aparecerem em flashs em minha mente. Eu me lembrei repentinamente das celas em chamas, a mulher que trouxe deu vida novamente ao meu corpo, o incrível poder que foi concedido a mim quando eu fiquei com raiva, do beijo que acabara de receber. Caí de joelhos no chão, com uma dor de cabeça enorme, e sendo amparada pelo demônio que tentou me matar mais de duas vezes.

   Ele me olhava preocupado, como se não tivesse acontecido nada naquela sala cheia de almas e fogo. Mas eu não me importava, estranhamente confiava nele. Droga! Eu nunca me dei bem com homens e quando encontro um ele é um demônio que rouba almas, quer a minha, já tentou me matar duas vezes, eu ainda nem sei o seu nome, do nada eu sou possuída e me torno um demônio “poderoso”, quase passo dos limites quanto estou com ele e olha que tudo isso em um dia. Parabéns, Leandra, você é uma garota de sorte!


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Notas finais do capítulo

Comentem? Eu não sei se ficou bom =/



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