Das 4 Jahreszeiten escrita por Blue Dammerung


Capítulo 1
Capítulo 1: Mein Hass, Meine Liebe


Notas iniciais do capítulo

Inverno e Primavera.



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-Inverno!-Gritou um rapaz enquanto entrava no extenso salão, vazio senão fosse pelo único trono no meio do recinto.-Inverno!

O outro rapaz, aquele que estava sentado no trono, de olhos fechados, os cabelos brancos como a neve caindo em cascata pelos ombros, abriu apenas um dos olhos e viu o outro se aproximar de si até que estivessem frente a frente. Ou não tão de frente assim, visto que o trono acabava por elevar em vários centímetros o outro rapaz.

-Inverno, você vem para a minha cerimônia esta noite, não vem?!-Perguntou o menor, os cabelos loiros desarrumados na cabeça enquanto um enorme sorriso enfeitava seu rosto infantil e alegre. Aquele sorriso às vezes lhe dava um certo desgosto. Na verdade, não às vezes, e sim em todas as horas que ele se manifestava.

Não queria responder àquela pergunta. Aliás, não queria falar com o menor. Aquela alegria lhe enojava, aquele sorriso, aquelas cores se destacando em suas roupas como se fossem o próprio arco-íris preso em tecido. Não gostava, odiava infinitamente.

-Você vem?-O menor voltou a perguntar diante do silêncio do outro, que se sentou melhor no trono e abriu o outro olho, lhe dando um pouco mais de atenção. Ele já deveria saber que Inverno não gostava de falar. Inverno era frio, calado, impassível assim como a própria estação. Um tanto cruel, impiedoso.

-Não.-Respondeu o maior, desejando a todo custo que o loiro partisse dali e que levasse consigo o sempre presente aroma de flores que carregava. Primavera. A estação mais feliz de todas, a mais vivaz, a mais esperada dentre os humanos. O seu oposto em todos os aspectos.

-Você não vem? Por quê?-Perguntou o menor, agora esboçando um semblante mais triste, desapontado. Por quê? Por que ele teimava em querer, todos os anos, que Inverno fosse a sua cerimônia? Outono e Verão sempre estavam lá, eles já não eram o bastante?

-Odeio sua estação.-Respondeu o mais frio. A cerimônia era quando uma das estações abdicava do trono para ceder à próxima, e assim, aquela estação começaria na natureza. O próprio Inverno odiava ter que ceder o poder, o seu poder, o seu frio e sua força, para aquele pirralho sorridente que sempre o deixava desconfortável.

-Você odeia todas as estações!-Disse o loiro, agora voltando a sorrir alegremente.-Não me espanta que não goste da minha, mas este ano será diferente! Vou criar uma nova cor para as rosas... Que cor você mais gosta?

-Não importa. Vá embora.-Disse Inverno, emburrado. Por que ele não ia logo embora?

Mas que droga, Primavera, vá embora daqui, ande, desapareça e leve consigo tudo que eu mais odeio, toda essa alegria, todos esses sorrisos e esse calor que você causa nos corações das pessoas, exceto no meu. Não no meu, pois o meu coração é intocável, inalcançável e inatingível, congelado como o próprio eu, solitário e independente. Não preciso de nada que venha de você, apenas vá embora e leve consigo toda essa inquietação que me causa”.

-Mas eu quero que você venha! Eu quero fazer uma nova rosa com a cor que você goste! Por favor, Inverno! Eu queria fazer uma para o Outono, mas ele disse que poderia esperar até o próximo ano, e o Verão não gosta de flores. Você gosta de flores, não gosta?-Perguntou o menor, tentando a todo custo convencer o mais frio e cruel.

-Odeio.-Respondeu, querendo sair dali.

-Você não pode odiar tudo! Você gosta da sua estação, não gosta? E se eu fizesse uma rosa branca para você, assim como a neve? Você ia gostar?

-Odiaria.-Respondeu.

-Mas...

-Vá embora.

-Mas, Inverno... Amanhã sua estação vai acabar, e então você vai se trancar no seu quarto como faz todos os anos. Você vai perder o canto dos pássaros da minha estação, vai perder o calor do Verão e vai perder as folhas caindo do Outono! Todos os anos você faz isso, eu só queria que este ano ficássemos todos juntos o tempo inteiro!

Por que não me deixa tocar nesse coração frio que teima em se esconder no peito mais inacessível e mais duro que conheço? Por que não me deixa adentrar tuas entranhas e derreter este gelo que te cobre apenas para que eu te mostre que o calor não é tão ruim, que você não precisa mudar, que não dói nem mata você ser um pouco mais comunicativo. Não precisa falar e nem interagir diretamente, quero apenas você ali quem sabe ao meu lado, apenas dizendo com o olhar tudo que precisa ser dito, e não distante, não longe de mim, não impossível de se tocar”.

-Ficar junto de você me enoja.-Disse Inverno, se erguendo do trono e ficando de pé dessa vez bem ao lado do menor, o que mesmo assim deixava claro que o frio era bem mais alto que o alegre.-Se quer tanto assumir, tome, o trono já é seu.-Então se virou e rumou para a saída do salão, as roupas negras e brancas, pesadas, refletindo todo o frio e morte que aquela alma espalhava por onde quer que andasse. Uma alma, quem sabe, destinada a ser solitária.

-Mas, Inverno...-Murmurou o pobre primavera com um semblante triste marcado em seu rosto. Gostava do maior, gostava de sua presença e de toda a força com que ele agia, com uma aura sempre mortal ao seu redor, mas ele lhe assustava às vezes. Inverno era difícil de se lidar, difícil de se sobreviver a ele.

Agora andando pelo corredor do enorme castelo aonde viviam todas as estações, Inverno queria apenas ir para seu quarto e lá ficar, sem contato com mais ninguém, até que mais um ano se passasse.

Só longe de todos a dor seria menor, porque ele sempre sentia dor. Sempre sentia frio, sentia a morte em sua própria pele, como se fizesse parte de si. A solidão, o ódio, a tristeza, parecia que todos os maus sentimentos faziam parte dele. Quem sabe fosse uma forma de não machucar os outros, não se envolver com eles, ou então quem sabe fosse uma forma de não machucar a si próprio.

Porque era verdade que poderia ter amigos ali, sim, poderia, mas também era verdade que depois de um tempo ninguém mais suportaria ficar ao lado dele, do frio, de tudo que o Inverno representava.

Aliás, o inverno representava algo de bom? Se representava, não sabia, e por esta razão preferia não fazer contato com ninguém, isolando-se em si mesmo, criando uma espécie de muro inacessível ao seu redor, um muro de gelo repleto de espinhos que além de impedir de se aproximar, afastava quem quer que tentasse chegar perto.

Como o Primavera, que ainda estava no Salão do Trono, fitando a enorme cadeira de madeira ainda fria, na melhor das hipóteses, ainda congelada.

Porque assim como o Inverno afastava as pessoas, Primavera fazia o contrário, ele as aproximava. As juntava a ponto de se tornarem inseparáveis, essa era, quem sabe, uma de suas características. Enquanto no Inverno tudo morria, na primavera tudo renascia e havia vida até embaixo de pedras.

E talvez fosse pela aura de morte que o Inverno sempre carregava consigo que o Primavera sentia mais e mais vontade de colocar um pouco ou muito de vida ali, de se aproximar, de mostrar que existiam coisas além da solidão e da morte.

Naquele momento, Inverno rumava diretamente para seu quarto, mas lá fora ainda nevava, e apesar de ter abdicado do trono, apenas mais tarde que sua estação daria lugar à primavera. Por que não sair, então? Lá fora, frio como estava, ninguém o seguiria, e entrar em contato direto com sua própria estação malefício algum traria.

Por isso afrouxou mais suas roupas e tomou o caminho que levava para o jardim do castelo, chegando até a apressar seus passos para chegar mais cedo, ver o gelo ainda tomando conta de toda a paisagem, pesando nos galhos das árvores quase mortas e o silêncio torturante que pelo menos ele gostava.

E uma vez no jardim, que assim como o castelo tinha um tamanho considerável, adentrou por entre as plantas e os arbustos que só se mostrariam belos durante a primavera e quem sabe no verão, aquele idiota do Verão, que nesta hora deveria estar queimando alguma coisa por sua obsessão pelo calor.

Por entre as árvores brancas achou um banco quase que totalmente coberto pela neve, que caía lentamente do céu cinza. Sentou-se ali e fechou os olhos. Era apenas nessas horas que menos se parecia com algo que trazia a morte, apenas uma pessoa comum.

Aliás, quem dera ser uma pessoa. Estar ali desde o começo dos tempos e ser o mais antigo (e mais alto, com quase 1,90 de altura) de todas as estações e ainda assim não ser sábio o bastante para abdicar daquela condição era algo cruel. Nunca tivera contato com humano algum, e o próprio castelo era inacessível para aquela raça, localizando-se em alguma ilha ou continente perdido, ou quem sabe no meio do tempo, no céu, dentro da terra... Fosse aonde fosse, agora, só havia neve e mais neve para aonde quer que você olhasse.

Inverno, durante alguns séculos passados, pensou em fugir e realmente arrumou toda uma fuga, e depois de andar por quilômetros e nada ver além de neve, pensou para aonde iria, pensou se a civilização ainda seria a mesma, pensou até se os humanos ainda eram humanos. Afinal, quase nenhuma notícia eles tinham da civilização lá fora.

Presos, trancafiados naquele castelo construído por eles mesmos num tempo tão distante que sequer havia detalhes em sua memória. Vagou com os orbes azuis escuros por todo o cenário branco, e não deixava de pensar que tudo aquilo, toda aquela coisa de estação e de não ter escolha alguma era um pouco cruel.

Assim como seu nome, que em alguma língua humana deveria significar “crueldade”. Grausamkeit. Crueldade. Pelo menos o primeiro nome era um pouco menos agourento.

-Kälte!-Gritou uma voz que se aproximava cada vez mais, logicamente familiar. Não demorou a ver os cabelos loiros e a estatura mediana se aproximarem de si, o sorriso substituído por uma expressão que lembrava a dor. E o frio.

-O que está fazendo aqui?-Perguntou olhando o pequeno, em relação a ele, Primavera respirar fundo e então se abraçar, procurando um pouco mais de calor.

-Vim procurar por você!-Exclamou, batendo um pouco os dentes. Suas roupas coloridas pareciam mais sem vida ao ar livre, sob o céu cinza.-Não queria te deixar só!

Inverno fechou mais o semblante, desviando o olhar e fitando a neve.

-Vá embora.-Disse.

-Mas eu quero ficar aqui com você!

-Vai morrer de frio se ficar.

-Você não deixaria isso acontecer.-Disse o menor, sorrindo e tirando com uma das mãos a neve do outro lado do banco para que sentasse próximo ao frio.-Kälte Grausamkeit. Seu nome é mais legal que o meu.-Sorriu.

-Hmph.-Resmungou, olhando a neve cair e o silêncio se estabelecer. Ou um quase silêncio, porque o jovem Primavera logo começou a tremer, morrendo de frio, mas teimoso o suficiente para não sair de perto do outro.

Olhou com o canto do olho o menor. Parecia querer demonstrar que estava suportando bem o frio, embora fosse mentira, e olhe que aquele frio era apenas uma pequena demonstração do que poderia dar. Como estava quase no fim de sua estação, aquele frio estava fraco, comum para ele que sempre fora acostumado com temperaturas abaixo de zero.

-Entre no castelo. Vai adoecer se ficar.-Disse Kälte, tentando soar insensível, mas Primavera apenas balançou a cabeça num “não” mudo e permaneceu ali.

Se o menor adoecesse, sua estação não seria tão boa quanto deveria ser, e a culpa acabaria por cair nas costas do Inverno. Não queria Verão lhe importunando e tampouco Outono lhe dando, mesmo que indiretos, olhares de repreendimento.

E quem sabe, talvez, apenas talvez, mesmo que Primavera lhe irritasse e lhe deixasse meio enojado, não queria que ele adoecesse. E mesmo que lá no fundo gostasse de ver os semblantes tristes e dolorosos que às vezes o menor fazia, graças à sua alma naturalmente sádica, não queria que ele adoecesse bem quando sua estação fosse começar.

Talvez por esses motivos, veja bem, apenas talvez, Inverno tirou o casaco que sempre vestia e lhe estendeu ao menor, que o fitou sem acreditar por alguns instantes e então aceitou, vestindo-o, embora ficasse engraçado pela diferença de tamanho entre os dois.

-O casaco está frio, mas depois esquenta.-Disse Inverno, cruzando os braços e olhando a neve cair lentamente.-Não olhe para mim assim.

-É que... Achei que não se importasse comigo.-Primavera disse, sorrindo simpaticamente enquanto apertava mais o casaco contra si.-Achei que me odiasse.

-Odeio.

-Então por que fez isso?

-Porque estou apenas lhe suportando. Continuo te odiando da mesma forma.

Porque acho que mesmo que eu não diga nada, mesmo que eu negue tudo que diz de todas as formas, apenas quem sabe pelo prazer de negar, de dizer que o odeio e de fazê-lo se sentir odiado por mim, apenas para ver sua expressão decepcionada que eu adoro, mesmo me afastando e o mandando se afastar, quem sabe apenas para causar dor assim como tudo o que faço, mesmo com tudo isso, acho que acabo mentindo para você e para mim mesmo quando digo que lhe odeio. Porque talvez não o odeie tanto assim, apenas não lhe compreenda e lhe afaste por medo de não saber compreender do jeito que você quer ser compreendido”.

-E você não vai sentir frio?-Perguntou o loiro, fitando o maior com seus olhos verdes claros como uma grama recém-nascida, como um broto de feijão ou como qualquer coisa jovem na natureza, na primavera. Uma cor tão diferente das dos seus olhos, um azul escuro, gélido, penetrante, frio.

-Sou o frio. Não me faz diferença.-Respondeu, desconfortável.

Então, depois de alguns segundos em silêncio ainda fitando a neve cair como se nada mais houvesse para fitar, Inverno sentiu algo pesado e quente contra seu braço. Primavera tinha pendido para o lado e agora apoiava sua cabeça no braço do maior, os olhos fechados quem sabe procurando sentir algo diferente diante do toque da pele gelada do outro, uma vez que Inverno, além do casaco que antes vestia, trajava somente uma camiseta branca que deixava seus braços expostos e uma calça de cor escura.

-O que está fazendo?-Perguntou Inverno, sem se afastar, sem ceder a vontade de ir embora diante daquela aproximação apenas para dizer que ele poderia suportar aquilo, como se fosse um desafio. Ou quem sabe, porque não queria se afastar.

-Hey, Inverno, me diz, qual sua cor preferida?-Sussurrou o menor, como se não houvesse escutado a pergunta do outro.

-Não importa.-Respondeu, frio e subitamente distante.

-Para mim importa. Se eu pergunto, é porque eu quero saber, quero conhecer mais sobre você. A cor preferida do Verão é o vermelho, e a do Outono é laranja. Você sabe qual é minha cor preferida? Eu gosto de todas as cores que existem, até do cinza. Você gosta do cinza?

-Por que quer saber? Por que não vai embora? Por que insiste em se aproximar? Você sabe que eu não gosto de você, sabe que odeio sua estação, sabe que não me aproximo de ninguém, sabe de todas essas coisas e ainda insiste no que é impossível, então por que o faz? Por que não me deixa em paz? Por que não me deixa com meu frio e com minha solidão? Por quê?

-Porque...-O menor pensou, meio que surpreso pelo mais velho ter falado tanto em tão pouco tempo.-Porque eu gosto de você, Inverno.

O mais velho então se pôs de pé, quase deixando que o outro caísse no banco ainda frio, mas este se segurou a tempo para permanecer sentado, agora olhando o maior a sua frente contendo um semblante mais para o irritado do que para o frio costumeiro.

-Eu odeio você, Primavera. O quão isto é difícil para você entender?-Disse o mais velho, olhando bem fundo nos orbes esverdeados do outro.

-Mas... Se me odiasse, não se daria ao trabalho de falar comigo. Se me odiasse, não me emprestaria seu casaco. Se me odiasse, nem estaria aqui agora.-Murmurou o menor, triste.-Por que, então, você diz que me odeia?

O que você sente não é ódio, e sim medo e quem sabe, talvez lá no fundo, uma espécie de desconforto e até amor. Sim, amor, pois o ódio que você insiste em repetir não é apenas mais uma das faces do amor? Se me odiasse, não me olharia sequer na cara, passaria por mim como se eu não existisse e como se você fosse apenas você, e não um tu feito diante da interação com os outros, diante do meio em que vives. O que você sente não é ódio, e talvez nem saiba o que é ao certo este sentimento, pois se não é amor nem medo, o que será então? Se você não admite que seja medo nem amor, não sabe o que é, e por não saber, se encolhe e se esconde dentro desse teu coração frio que apenas teima em me afastar. Mas eu não vou me afastar, porque sei que você precisa de mim assim como preciso de ti, assim como a primavera precisa do inverno frio para poder se tornar a estação da vida, e assim como muitas outras coisas que você conhece mas não admite”.

-Porque você é totalmente meu oposto.-Respondeu apenas, xingando-se internamente por não conseguir encontrar nenhuma outra explicação mais plausível do que essa.

-Mas...-Parou para tossir um pouco. Tinha ficado um pouco mais frio ali, quem sabe por causa do próprio Inverno, que não estava numa situação muito confortável. Primavera o deixava assim geralmente, sem defesas, contando apenas com o muro que sempre erguia em volta de si, mas nem aquilo parecia bastar.-E se... Não tem... Não tem como você parar de me odiar?

-Não tem.-Respondeu.

-Nem se eu parasse de sorrir?-Perguntou o menor, quase que implorando.

-Pararia de sorrir por minha causa?

-Pararia.

-Nem se parasse de sorrir então. Nada que faça vai diminuir meu ódio por você.

Então o jovem Primavera se pôs de pé, deixando o casaco do outro cair sobre a neve sem se importar enquanto ficava bem a frente do maior, pousando ambas suas mãos frias sobre a fina camisa que o outro vestia, sentindo o frio daquela pele e quem sabe daquela alma.

-Se eu fizer seu peito ficar quente, minhas mãos ficarão frias. Mas tudo bem, porque eu estarei te aquecendo.-Murmurou o loiro, deixando que a cabeça também tombasse em direção ao maior, encostando-a em seu peito.

-Posso queimar suas mãos com frio.

-Que as queime então, sei que não fará isso. E mesmo se fizer, vai estar tudo bem, porque foi você que as queimou, e não apenas um gelo comum.

-Por que faz isso?

-Porque não quero mais que todos os anos a mesma coisa se repita.-O menor então ergueu a cabeça para fitar nos olhos do mais alto, que ainda tinha os braços soltos ao seu lado, sem abraçar o menor porque aquilo seria a mesma coisa de jogar todo seu orgulho, toda a sua independência fora. Seria o mesmo que se render diante de uma guerra aonde sempre brigou, uma guerra que talvez, apenas talvez, desde o começo ele quisesse ter perdido.

-Percebe o que está fazendo? Percebe que sou de longe o pior de todas as estações para você se envolver? Sou o mais cruel, o mais incontrolável, o mais forte, o mais antigo, o mais perigoso e o mais insensível. De mim não arrancará nenhum sinal de afeto, aliás, não arrancará nada senão palavras vazias e senão vazias, palavras ácidas que vão partir seu alegre coração que me enoja. Você entende isso?

-Acho que mente.

Mente porque quando eu conseguir trespassar este teu muro, mesmo que indiretamente, você olhará para mim com um pouco mais de consideração, falará mais e mesmo que eu não espere muito de você, poderá até expressar, da tua forma e com as tuas palavras, um pouco do famoso calor humano que todos nós deveríamos ter. E sei que antes de eu obter qualquer um desses sinais afetuosos, vou sofrer, mas vou resistir porque quero muito te ver sorrir e saber que a razão daquele sorriso não é ninguém e mais nada se não eu”.

-Não minto.

-Ainda assim, acho que mente.-Riu o loiro então.-Porque não é o mais incontrolável de nós. O mais incontrolável é o Verão. E você também não é perigoso, pelo menos não tanto quanto parece ser.

-Não brinque comigo.

-Não estou brincando.-O loiro voltou a rir um pouco mais longamente.-E mesmo você sendo o mais antigo de nós, não tem cara de ser velho. Parece apenas um pouco mais velho que eu. Aposto que me acha um pirralho.

-Acho um pirralho infinitamente irritante.-Disse, sério.

-Hey!-O loiro exclamou, rindo e batendo de leve no peito do outro, então o sorriso desapareceu um pouco e deu lugar à uma expressão cansada.-Minhas mãos estão dormentes...

-Eu avisei sobre o frio.

-Mas, olha.-O menor pegou uma das mãos do mais velho e a levou até seu próprio peito, aonde estiveram as mãos do loiro até aquele momento.-Vê? Está quente. Não é bom?

-Estranho.-Disse apenas, desconfortável.

O loiro voltou a rir e acabou por se aproximar mais do maior, dessa vez o abraçando por completo, embora ainda assim fosse meio engraçado porque a cabeça do loiro batia na base do pescoço do mais velho.

-Viu? O calor é bom.-Murmurou Primavera, fechando os olhos enquanto deitava a cabeça no peito do outro.

-Pegue o casaco senão vai sentir mais frio.-Disse, ignorando o outro e fitando apenas o alto de sua cabeça, os fios dourados do menor meio apagados diante do céu cinza.

-Não quero me soltar.

-Idiota, vai congelar.

-Me abrace então.

Inverno engoliu em seco diante do pedido tão direto do menor. Ele sabia que Primavera apenas fazia o melhor para os outros e para si, se ele achava certo, ele fazia. Não era tímido como o Outono e nem tão atirado como o Verão, apenas era ele mesmo. Porém o próprio Inverno não sabia se Primavera sabia o que aquilo poderia significar.

-Inverno?-O menor chamou, sem se mexer.

-O que é?-Perguntou o maior, também sem se mexer.

-Você pode me abraçar? Por favor?-Pediu quase que implorando por aquela aproximação definitiva.

O maior suspirou e então, com um certo esforço, ergueu os braços e os levou até o menor, envolvendo-o com uma espécie de receio. Seus braços, sua pele, eram naturalmente frios. Se Primavera já sentia frio, com aquele toque temia que o menor sentisse mais ainda.

De certa forma acabo temendo por ti, e se temo por ti a culpa é inteiramente tua, que não permitiu que eu me afastasse de forma alguma, e longe disso, me puxou para ti. Agora paga como consequência me preocupando e me fazendo temer por ti, e que incondicionalmente me faz te querer e te proteger. Quem sabe na verdade eu sempre te quis e sempre te protegi, mesmo que indiretamente, mas se sinto mais intensamente todas essas coisas que você julga serem belas a culpa ainda é inteiramente tua, mas quem sabe esse tipo de culpa não seja tão ruim de carregar”.

Primavera sorriu depois de alguns segundos em silêncio, assim como Inverno. Era bom estar ali, agradável, confortável, diferente do que achava que fosse sentir.

-Frühling. Frühling Liebevoll.-Murmurou o mais velho, apertando mais o menor contra si sem realmente querer, como se fosse apenas um hábito, ou ainda, uma vontade há muito tempo esquecida.

-É meu nome.-Murmurou o loiro então, erguendo a cabeça para fitar o mais alto.

-Tem razão. Meu nome é mais legal que o seu.-Disse o mais velho, sério.

O loiro riu então, fechando os olhos, feliz. Inverno não podia evitar de desgostar aquele sorriso, afinal, era natural da sua própria estação. E foi querendo acabar com aquele sorriso que ele aproximou seu rosto contra o do menor, acabando com qualquer distância que num momento antes estivesse ali, colando seus lábios, sentindo um gosto adocicado como a seiva das árvores na primavera, o calor da vida.


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Notas finais do capítulo

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