Última Chance, Judd. escrita por FrannieF


Capítulo 2
Capítulo I




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Capítulo I: Uma noite insone, uns cigarros e um manuscrito suspeito.


Uma das coisas que me deixa mais emputecido que ter que trabalhar, atualmente, é a insônia. Eu não me lembro ao certo quando esse problema começara, para ser sincero, mas me recordo de acordar pela noite desde a minha infância, então deve fazer um pouco mais de quinze anos, se for arriscar um tempo determinado. Os meus pais, obviamente por acharem que eu tinha algum sério problema – algo que era completamente inaceitável em nossa família –, me levaram a médicos, psiquiatras e todas as suas derivações apenas por causa de seu pequeno filho que não conseguia mais dormir. Assim, a contragosto, eu fora entulhado de remédios dos mais diversificados, desde os de sem prescrições médicas até os de tarja preta, porque ninguém era obrigado a conviver com um filho anormal (e sem contar os boatos e más reputações que aquilo causaria, obviamente).

Talvez fora essa a causa de eu, depois de dez ou tantos anos me entupindo de remédios, tenha me viciado em algumas variações deles, como os calmantes, a Ritalina e os antidepressivos. Não é algo que eu atualmente me orgulhe, de forma alguma, mas largar alguns vícios provou ser mais difícil do que eu imaginava.

Depois de olhar para o relógio de cabeceira pela terceira vez apenas para comprovar que sim, são de fato três e quinze da manhã, eu deixo finalmente a cama sem muitos ruídos, porque Andi parece dormir tão calmamente que eu quase me sentiria mal se a acordasse. O único problema é aquele braço dela espichado pelo meu estômago em um aperto tão forte que eu de fato quase a acordo para conseguir finalmente me soltar. Ela geme alguma coisa em seu sonho, se revira na cama e me dá as costas depois de soltar um ronco um tanto alto.

Andi Gurwicz e eu nos esbarramos pela primeira vez numa festa de faculdade qualquer. É claro que ela não fazia a mínima ideia de quem eu era, mas eu realmente não estava esperando o "sai fora, maconheiro" contundente que ela soltara no mesmo instante em que eu me aproximara. Ninguém nunca havia falado comigo daquela forma e talvez fora por isso que eu a caçara durante os meus três restantes anos de faculdade até ela finalmente ceder.

Nós precisamos de quatro anos para passarmos de "namorados" para "casal que mora junto". Eu honestamente não diria que nós fomos feitos um para o outro ou que ela é a minha alma gêmea (ou qualquer outra babaquice do tipo), porque obviamente eu não tenho essa visão romântica da vida. Mas a garota agrada meus pais, sabe cozinhar, tem senso de humor e um rostinho bonito, além de ser quase tudo o que eu sempre quis na cama, então eu acho que deveria definitivamente me contentar com isso.

Depois de me atirar no sofá mais próximo da sala e apanhar um maço de cigarros pelo caminho, ouço Andi roncar pela terceira ou quarta vez. Tento me acomodar melhor ali, me reviro e desviro apenas para constar que aquele maldito sofá de couro vermelho é uma droga que só sabe grudar na pele dos outros. Isso me lembra de nunca mais deixar Andi comprar qualquer móvel para nossa casa, de qualquer maneira.

O meu ânimo parece melhorar minimamente quando encontro um isqueiro perdido por ali, o usando para devidamente acender um cigarro, já que a minha necessidade de fumar está se tornando praticamente deplorável. Eu trago, solto a fumaça para cima, trago de novo, coço o nariz com as costas da mão e finalmente parto para o meu trabalho.

Os três manuscritos estão intactos sobre a mesa de centro da sala, onde eu os deixei pela tarde quando cheguei em casa (é bom ver que Andi parou de tentar mudar a minha bagunça de lugar, também). Eu me estico para conseguir apanhar o primeiro da pilha e logo o jogo sobre meu colo, caçando por uma caneta vermelha que eu sei que deixei por ali. O cigarro está enfiado entre os meus lábios e vez ou outra eu os pressiono apenas para constar que ele continua ali. Sem muito interesse, eu folheio o manuscrito e, parando em uma página completamente aleatória, começo a revisá-la.

Dizem que editores só seguem essa profissão por não conseguirem se tornar escritores propriamente dito. Talvez eu seja o exemplo contrário disso, já que após concluir a faculdade, de alguma maneira eu acabei parando no prédio de um dos jornais locais de Londres. Eu fizera a entrevista para o emprego de colunista no C. Week sem grandes expectativas, tendo em vista que se tornar professor, para mim, era um grande "NÃO!" destacado em negrito. Qual fora a minha surpresa, no entanto, ao saber que conseguira a vaga.

Ser colunista nunca fora exatamente o que eu almejava profissionalmente, além de mal pagar as minhas contas mensais. Foram nove meses escrevendo para o jornal local até eu finalmente me encher de tudo aquilo e simplesmente pedir demissão – ainda me lembro perfeitamente do ataque neurótico de Andi quando ficou sabendo, aliás, fora impagável. De colunista para editor fora apenas um passo. Eu precisava pagar as minhas contas de alguma maneira, em todo o caso.

Com um grunhido irritado, eu afasto o primeiro manuscrito. Dou uma tragada, duas, três. Mais calmo, parto para o segundo manuscrito, desejando internamente que esse seja melhor do que o anterior (algo que não é exatamente difícil).

Infelizmente, o segundo se prova tão ruim quanto o primeiro. Desinteressado, folheio o manuscrito com algum desprezo, corrigindo erros de ortografia aqui e ali, além dos inacreditáveis de concordância e regência. Ao virar a página 107, um ruído vindo do corredor me faz perder a atenção e torcer o rosto para o lado. Andi está parada ao final do corredor, vestindo uma camiseta que atualmente lhe chega a bater nos joelhos (e que eu tenho a leve sensação de ser minha), enquanto coça os olhos e afasta os cabelos escuros do rosto, sonolenta.

"O que você está fazendo acordado nesse horário?"

"Trabalho", ergo a pilha de folhas para ela enquanto solto mais uma baforada de fumaça. Depois de coçar a nuca preguiçosamente, continuo. "Eu perdi completamente a noção de tempo. Que horas são?"

Ela pisca devagar antes de virar o rosto para o lado à procura do relógio da cozinha. Com mais um coçar de olhos, ela responde em um bocejo arrastado.

"Quase quatro da manhã. Insônia de novo?"

Eu apenas concordo com a cabeça e continuo a corrigir o manuscrito, que logo está todo pintado de anotações em vermelho. Eu a vejo, de esguelha, caminhar até a cozinha e sumir do meu campo de visão depois de alguns minutos. A caneta vermelha empunhada em mãos finalmente pára de escrever quando eu atiro o segundo manuscrito – tão inacabado quanto o primeiro – para o lado, no sofá, enquanto termino de fumar o meu cigarro. A última fumaça que solto sobe densa pelo ar antes de começar a se espalhar e desaparecer aos poucos.

O terceiro e último dos manuscritos logo está sobre o meu colo da mesma forma (e na mesma velocidade) com que um novo cigarro está preso num dos cantos da minha boca. Porém, é quase impossível não soltar uma risada e se engasgar com a fumaça do cigarro ao bater os olhos no título do manuscrito. Andi aparece na porta da cozinha com um copo d'água em mãos e uma expressão engraçada no rosto.

"Qual é a graça?"

"Isso é inacreditável, An", digo eu em meio a gargalhadas enquanto passo – ou pelo menos tento passar – os olhos pelas primeiras páginas. "Piscando Pra Você, isso é nome de livro? Oh, céus, são contos eróticos gays!"

"Como é?"

"Piscando Pra Você, agora faz mais sentido..."

Logo ela está rindo tanto quanto eu. O meu cigarro fora esquecido há algum tempo e é somente depois de me engasgar por uma segunda vez e finalmente parar de rir que eu me lembro dele. Eu coço o nariz mais uma vez, em meio a pequenos ataques de riso, e, sendo o mais profissional possível (e o que posso, já que levar um manuscrito a sério com esse título é um tanto complicado), começo a corrigi-lo. Andi ainda está rindo no momento em que ela desaba ao meu lado numa poltrona de couro vermelho idêntico ao sofá.

"Leia alguma coisa para mim."

"O quê?", o meu pescoço estala no mesmo instante em que eu viro o rosto para o lado em uma rapidez impressionante, me engasgando pela terceira vez com a fumaça do cigarro. Com um xingamento beirando ao obsceno, eu passo o cigarro para Andi, que parece se controlar bastante para não cair em uma nova crise de risos.

Ela aceita o cigarro e dá uma tragada antes de voltar a dizer, expelindo a fumaça pelo nariz no processo.

"Vamos, leia alguma coisa para mim. Isso aí não pode ser tão ruim assim."

"Isso aqui dá todo um novo significado à palavra "ruim", acredite."

Andi solta um chiado em desgosto, dá uma nova tragada e estica uma das pernas para poder me cutucar com o pé. Eu não desvio o olhar do manuscrito, desejando internamente que Andi estivesse simplesmente dormindo e roncando como fazia há alguns minutos, mas eu infelizmente me dou conta da realidade no momento em que ela me cutuca o joelho com os dedos do pé, com muito mais força que o necessário. Com um grunhido aborrecido, reviro os olhos antes de olhá-la com uma expressão entediada no rosto.

"Vamos, Harry, só um trechinho!"

"Eu não sabia que você tinha tanto interesse assim nesse tipo de coisa...", comento em um murmúrio antes de receber um chute no mesmo joelho e uma risada de Andi. Tossindo e pigarreando, limpo a garganta antes de escolher uma página aleatória para ler, ligeiramente incomodado pela situação. "'Com a ajuda de Adam, Evan flexionou as pernas para se postar sobre a cama em uma posição no mínimo comprometedora. Apoiado em suas duas mãos e seus joelhos, o louro se esgueirou e se eriçou no instante em que Adam cobriu suas costas definidas com seu próprio corpo, seu hálito quente e melado acariciando a pele alva do pescoço de Evan. Sem aviso prévio, Adam introduziu a cabeça de seu membro intumescido e lubrificado pelo apertado buraco-'", eu paro por um momento, continuando a ler o final da frase em voz baixa, antes de voltar o olhar, surpreso, a Andi. "Céus, Andi, isso é nojento!"

Ela, que há pouco tempo voltara a rir, se inclina na poltrona e estica os braços com o propósito de apanhar o manuscrito de meu colo.

"Me dá isso aqui, eu vou ler."

O meu olhar incrédulo passa da sua boca (e do cigarro preso pelos seus lábios) para os seus olhos, porque eu acho que simplesmente não estou acreditando que ela atualmente quer ler uma coisa dessas. Sem relutar, no entanto, eu lhe estendo o manuscrito e ela sorri tão contente que por um momento eu fico com receio de dá-la de fato a pilha de papéis.

"Você quer mesmo ler isso?", pergunto, franzindo as sobrancelhas ao reparar em toda a alegria da garota. "Mesmo mesmo?"

"É claro! As pessoas deveriam escrever mais yaoi's, isso sim!", ela me responde excitada enquanto começa a folhear o manuscrito (e eu tenho uma leve sensação de que os seus olhos estão atualmente brilhando de alegria).

"Eu nem quero saber o que é isso...", eu comento cansado antes de apanhar os outros dois manuscritos e jogá-los sobre a mesa de centro, juntamente com a caneta vermelha. Com um gemido arrastado, me ergo do sofá e ajeito a calça de moletom no corpo, porque ela está ligeiramente empapada de tanto ficar sentado numa única posição. "Ponha a camiseta no lugar onde você achou depois de usá-la, sim?"

Andi concorda com a cabeça, sem nem ao menos me olhar, e abana uma das mãos no ar, completamente alheia à sua volta. Apanho o copo que ela antes usara e me encaminho para a cozinha, o largando pela pia antes de checar o horário. Não me surpreendo ao saber, no entanto, que são quase cinco horas da manhã. Aparentemente, eu ainda tenho mais duas horas de sono antes de partir para mais um dia de trabalho.

Eu estou passando pelo corredor quando Andi finalmente desenterra o nariz do manuscrito e ergue a cabeça à minha procura.

"Ei, ei, Harry, aonde você vai?"

"Eu não sei como, depois disso, mas vou tentar dormir. Boa noite!"


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