Última Chance, Judd. escrita por FrannieF


Capítulo 1
Prólogo




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Prólogo: Depois de tomar o metrô... Pequenos problemas.


Quando eu digo que odeio meu trabalho, as pessoas têm essa mania esquisita de sempre me olharem torto e tendem a perguntar o porquê de uma declaração tão contundente. Eu, sendo completamente sincero, não deveria de fato dizer uma coisa dessas – ainda mais ante a possibilidade não tão impossível assim de a minha chefe ficar sabendo, o que nunca é uma coisa boa –, mas o problema é que eu honestamente não declararia algo desse porte se não fosse a mais completa verdade.

Todo o problema maior começara em uma idade um tanto confusa (os temidos anos da adolescência), no momento em que eu, no auge dos meus dezessete anos, me vi obrigado a escolher uma profissão a exercer para toda a minha vida. Obviamente, quando se tem dezessete anos, as ideias ainda estão muito embaralhadas e a opinião de seus pais sempre tem um grande peso na decisão final, mas no meu caso, particularmente, eu decidi apenas ser muito babaca. Batendo o pé contra as sugestões – e, depois de algum pouco tempo, protestos – de meus pais, eu decidira cursar Letras.

Letras, um curso bacana, onde todos eram amigos uns dos outros, onde nós passávamos quase mais da metade do horário de aula fumando maconha escondidos no banheiro masculino, onde o prédio dos alunos de Publicidade era logo ao lado e rolava toda uma rixa pela atenção das garotas do Jornalismo (incrivelmente, sempre as mais interessantes...), se não pelo fato de ser um dos cursos menos lucrativos, pelo menos na minha concepção, de todos os tempos. Eu poderia, é claro, ter escolhido Medicina ou Direito – como era o desejo dos meus pais – se quisesse agora estar montado na grana; mas por algum motivo, eu simplesmente tive que ser teimoso o suficiente para escolher Letras.

E é exatamente por causa dessa decisão estúpida que cá estou eu, cansado, mochila nas costas, fones de ouvidos no volume máximo, hora do rush e um metrô infernalmente lotado de gente.

Depois de cinco minutos agindo feito um babaca, pedindo licença – para, na maioria das vezes, ser ignorado categoricamente – e tentando abrir passagem de alguma maneira, eu finalmente consigo um pequeno espaço em pé no que parece ser o vagão mais detonado de todo o metrô. Eu olho à minha volta desinteressado (porque, bom, eu tenho que passar o meu tempo de alguma maneira, convenhamos) e vejo uma mãe grávida de mãos dadas com uma garota de aparentes cinco anos em pé, as duas, e logo ao lado um metido a executivo tomando dois espaços numa fileira de bancos plásticos no metrô – ah, a ironia da vida...

Um garoto num canto qualquer deve estar achando que está numa rave ou em algo parecido, porque a música que sai do seu celular (naquele tuntz tuntz desgraçado) é tão irritantemente alta que durante alguns poucos momentos ela consegue atualmente abafar a voz pausada e metálica dos auto-falantes do metrô. Nic Cester e a sua música sobre uma garota de longos cabelos castanhos e botas de coturno [1] já foram esquecidos por mim há algum tempo, porque aparentemente tentar ouvir algo decentemente ali dentro é uma tarefa um tanto complicada.

Eu, ligeiramente aborrecido (tanto pelo calor e a sensação de sufocamento quanto pela música do garoto), ergo um dos braços para agarrar a barra de aço sobre a minha cabeça no instante em que o metrô treme em um solavanco, já que eu não estou com a mínima vontade de me desequilibrar e acabar caindo em cima de alguém. Olho para os lados, solto uma fungada, olho para os meus pés, solto outra fungada.

O tempo parece não passar. Assim como a estupidez do garoto e o seu celular no último volume. Eu penso, depois de um momento, se o garoto é realmente tão lento ou apenas se finge de sonso ante todos os olhares reprovadores que ele já recebeu nesse meio tempo de quase vinte minutos. Com esse pensamento em mente, eu não consigo não olhá-lo por uma terceira ou quarta vez e lançá-lo um olhar cansado que claramente diz "é melhor você desligar essa porcaria antes que eu te chute o estômago".

Obviamente, ele não desliga o celular. E, obviamente, eu não lhe chuto o estômago – aparentemente eu pretendo manter o que me resta de boa educação.

De um modo meio esquisito e inesperado, eu percebo que não sou o único a olhar de cara fechada o garoto durante esses poucos minutos. A duas fileiras de bancos plástico distantes de mim, percebo que uma mulher, os cabelos castanhos presos em um rabo-de-cavalo frouxo e os óculos de vista escorregando vez ou outra pela ponte de seu nariz, também o fuzila com um olhar, no mínimo, intimidador. Ela grunhe alguma coisa logo em seguida – que eu suponho ser um palavrão – e vira a cara.

E é exatamente nesse momento em que o seu olhar recai sobre mim. Eu não sei exatamente o porquê, mas a minha primeira atitude é lhe sorrir um sorriso fechado e cansado, os cantos da boca repuxados minimamente de uma maneira quase forçada. Ela, surpreendentemente, apenas me sorri de volta e eu penso que talvez, apenas talvez, estar ali não é tão ruim assim.

A sensação, no entanto, dura pouco. Logo eu estou querendo espernear, chutar alguma coisa (ou alguém) e sair dali soltando as palavras mais chulas do meu vocabulário inteiro, porque eu honestamente não estou nos meus dias mais pacientes. Assim, dessa maneira, eu me ponho a lamentar a falta de um cigarro.

Ah! Como eu queria poder fumar nesse exato momento...

-x-


[1] Nic Cester, vocalista da banda Jet. O trecho faz referência à música Are You Gonna Be My Girl, que Harry estaria ouvindo (ou tentando ouvir D8) no momento.


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