Preguiça, Gula e Vaidade escrita por Diego Lobo


Capítulo 4
Capitulo 3 - Baltimore


Notas iniciais do capítulo

(Perséfone) Capitulo betado *.~



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Nas férias escolares Mike foi visitar os pais em Baltimore, havia ensaiado uma série de coisas, entre elas planejava contar sobre Luca. Mas no final das contas achou melhor não falar sobre nenhum dos acontecimentos recentes, e só o fato de que ele voltaria para Newcastle já causaria uma grande repercussão.

Deitado em seu velho quarto ele espiou pela janela, a árvore gigantesca que ele adorava estava lá, seus galhos enormes se inclinavam alcançando a janela como uma rota perfeita de fuga. Alphonse entrou no quarto antes que Mike pudesse considerar a idéia de fugir.

— O que você quer? — perguntou Mike pulando da cama.

— Seus pais gostariam que você fosse jantar — Alphonse parecia distraído com o quarto de Mike, mexendo em gavetas e abrindo outras coisas.

— Ei! — falou ele retirando sua pasta de desenhos das mãos de Alphonse — Eu não estou a fim de jantar, sai logo do meu quarto!

Mas o jovem de cabelos negros se atirou na cama de Mike, olhando para janela.

— Nossa que árvore grande! — falou com um assovio longo.

Mike bufou se lembrando de como Alphonse conseguia ser irritante com seu jeito de ignorar as coisas.

— Olha Alphonse, eu sei que você quer parecer bem na frente dos meus pais me fazendo descer pra jantar, mas isso não vai acontecer. Eu não estou com fome, então pode ir lá para baixo e dizer que eu vou comer mais tarde!

Alphonse levantou da cama e continuou a andar pelo quarto de Mike.

— Você esta me ouvindo cara? — perguntou Mike irritado — Eu não vou descer pra jan... O que esta fazendo?

Ao lado de Mike, Alphonse fazia comparações com o braço do garoto, olhava aflito para seus próprios músculos.

— Você cresceu bastante Mike, qual é o seu segredo? — disse ele pensativo, provavelmente imaginando que medidas tomar para obter um físico igual.

Antes que Mike pudesse explodir Alphonse continuou:

— Se você vier comigo jantar eu te forneço o telefone e o endereço da Sarah.

O silencio invadiu o quarto rapidamente, Mike com a boca seca não parava de encarar Alphonse, este assentiu a reação do rapaz com os olhos e sorriu.

— Sou mais bonito, então, eu vou na frente! — disse ele saindo do quarto.

As lembranças da jovem garota de cabelos dourados atropelaram qualquer tipo de preocupação, Mike teria a chance de se desculpar com Sarah, de revê-la. Não demorou mais pensando, seguiu Alphonse pelas escadas.

Depois do jantar constrangedor Mike foi atrás de Alphonse, mas este já havia saído com Cherry para algum lugar. “Maldito!”

Permaneceu alguns minutos perto da porta de entrada pensando na possibilidade de reencontrar Sarah, e como seria estranho esse encontro. Seu olhar pousou sobre os vários porta-retratos espalhados pela casa, havia um em que ele era muito pequeno e segurava uma bolinha azul.

— Eu tive um sonho... — Falou ele notando que sua mãe se aproximara dele — Que eu brincava em uma casa no campo... Parecia tão real, mas você me disse que nunca moramos em nenhuma casa do campo.

Ela chegou bem ao seu lado olhando a foto também.

— Eu menti — Ela disse meio desanimada — Você não se lembra porque era muito pequeno e também...

Ele olhou pra mãe esperando a continuação daquela frase.

— Você era muito doente Mike, tinha uma saúde bastante frágil e nessa época — ela apanhou o retrato — Você passou por maus bocados. Ficou bastante tempo hospitalizado, foi tudo tão... Tão horrível de se ver.

— O que eu tinha?

— Você era extremamente alérgico, teve uma pneumonia muito forte quando nasceu... Era uma série de coisas... — ela passava o dedo na foto com o olhar triste.

— Seu pai... Ficou o tempo inteiro com você no hospital, eu e Cherry morríamos de preocupação!

Mike escutava atento olhando as fotos do pai, como ele era sorridente antes.

— Eu lembro que ele se enfurecia com as enfermeiras que estavam nada mais do que cumprindo as suas obrigações, aplicavam as injeções e você é claro não estava feliz com isso.

Era uma imagem esquisita de se imaginar, seu pai ao seu lado no hospital o tempo inteiro, aquilo lhe passou uma estranha sensação. Sua perna se enfraquecera, todo seu corpo reagia a aquele pensamento de que seu pai o amava muito, era uma demonstração e tanto. Como julgar alguém que só quer ficar perto de seus filhos, e esses tão ingratos que preferem viver em outro lugar.

— Mãe... — começou dizendo temeroso.

— Mike, seu pai é tão sentimental quanto você — ela soltou as palavras com grande naturalidade — Desde que você e Cherry eram pequenos ele tem se preocupado demais. Isso se reflete em suas feições estressadas... Mas ele precisa entender que seus filhos cresceram e devem tomar suas próprias decisões.

Ela passou a mão nos cabelos de Mike enquanto ele pensava em como sua vida tomara um rumo esquisito.

— Você nunca o deixou crescer tanto Mike, o que houve? — realmente o cabelo do jovem estava grande, já alcançava o seu pescoço como vegetação que se enrosca em um troco — Ele fica meio ondulado no final, igual ao do seu pai... Quando ele era mais jovem é claro.

A campainha tocou e nenhum dos dois se moveu.

— Saia um pouco Mike, às vezes pensamos melhor na companhia de outras pessoas e não sozinhos.

Sua mãe passou pela porta sem atendê-la e subiu as escadas, continuaram a tocar a campainha, então Mike resolver ver quem era. Quando ele abriu a porta não conseguiu esconder sua surpresa.

— Allan! — exclamou Mike totalmente surpreso. Um jovem bronzeado de cabelos cacheados sorriu para ele e lhe puxou para um abraço apertado, ele usava óculos escuros estilosos — Não acredito que é você mesmo!

Allan Miller era seu melhor amigo, conhecia o garoto desde bem pequeno quando ele entrou na escola em Baltimore. Tinha uma aptidão quase mágica para fazer novos amigos e rapidamente Mike que o acompanhava desfrutava desse dom.

— E você Mike White ia me avisar quando da sua chegada, quer dizer, a gente se conhece desde quando mesmo? — falou o rapaz com a voz engraçada de sempre.

— Acho que desde ontem, tanto faz! — respondeu Mike rindo, era fantástico estar com Allan novamente.

Allan colocou as mãos na cintura e bagunçou o cabelo de uma maneira descontraída.

— Eu vim aqui te sequestrar irmão, como vai ser? Eu vou ter que te amarrar e jogar no meu porta-malas ou você me segue com o seu carro?

O carro de Mike deveria estar empoeirado na garagem, mas ele tinha que admitir que sentira falta daquela maquina. Ele pegou suas chaves enquanto Allan aumentou o som de seu carro impacientemente, ele sorria lembrando como o amigo era.

— Vamos encontrar a velha turma na estrada... E uma nova também. Acha que consegue me acompanhar? — o carro cinza de Mike estava limpo e abastecido, ele presumiu que seu pai cuidara bem dele. O carro de Allan era preto, um conversível, os dois estavam um do lado do outro acelerando seus motores

— Você ainda acredita nesse seu sonho de que consegue correr mais do que eu? — ameaçou Mike.

Allan soltou uma risada alta.

— Mike White isso foi um desafio! — e assim os veículos arrancaram pela rua vazia do bairro.

Com a potência de seus carros chegaram com muita facilidade na auto-estrada, era tudo deserto ao redor exceto pelo amontoado de carros um pouco mais a frente. Tocavam um som bem alto e Mike teve a certeza de ver um deles saltar do chão.

— Aonde vamos? — perguntou Mike saindo do carro, havia vários jovens naquele lugar, muitos segurando garrafas de bebida.

— Mike! — gritaram varias pessoas assim que avistaram o rapaz, correram ao seu encontro com abraços e apertos de mão.

Ele riu dos comentários sobre se físico, havia uma multidão ao seu redor e outras espalhadas que ele jamais havia visto, mas entre essa multidão Mike visualizou alguém que fez seu mundo parar.

— Lena?

A figura de cabelos coloridos, um pouco de laranja e um amarelo forte, e bem curtos, foi em sua direção com um andar hipnótico. Usava um shortinho jeans bem surrado e uma camiseta larga deixando seus ombros a mostra.

— Mike — falou a garota quase como um sussurro, seus olhos azuis destacados pela maquiagem.

Lena foi a primeira namorada de Mike, tiveram uma relação alucinante. Suas maiores lembranças eram das brigas que tinham, todos da escola sempre comentavam.

— Fiquei sabendo que você se mudou pra Inglaterra — Lena tinha uma voz sensual, e o olhar de uma predadora mortal — Esta em Newcastle não é?

Ele não respondeu e a garota soltou uma risadinha abafada.

— Continua ressentido?

— Hora vamos pessoal! Hoje é dia de comemorar, os dois voltaram para casa! — Allan passou o braço no amigo e olhou para Lena como um sinal de alerta — Sem brigas ok?

— Você ainda não me disse aonde vamos? — perguntou Mike serio.

— QUEM AQUI ESTÁ PRONTO PRA CAIR NA ESTRADA? — gritou Allan, foi recebido por vários uivos de alegria.

Todos se dirigiram para seus respectivos carros, Allan passou por Mike e piscou.

— Vai ter que vir conosco pra descobrir!

Ele bufou antes de entrar no carro, a ideia de Lena estar ali mudava tudo, já não estava mais a fim de sair.

— E então Mike, foi bom te ver de novo — se despediu a garota indo para a direção contraria de todos.

— Você não vem? — disparou Mike de repente.

— Minha carona partiu sem mim, vou me virar e ir pra casa! — disse ela com um sorriso dando uma piscadinha.

Lena segurava uma mochila que mais parecia um saco de roupa, deu alguns passos na  estrada até Mike parar com o carro ao seu lado.

— Entra Lena! —chamou.

— Não precisa fazer isso Mike, pise nesse acelerador e se manda daqui! — falou ela rindo.

— Lena entra logo nessa porcaria de carro, você vai comigo! — Mike seguia os passos lerdos da garota, podia ver sua nuca exposta exibindo a famosa tatuagem de borboleta.

— Cuidado Mike, vou acabar achando que você quer mesmo que entre no seu carro — desdenhou a garota sem se virar.

Ele parou o carro e desligou o motor. Lena continuou andando alguns passos e parou mais a frente, botando as mãos na cintura e olhando para o céu ensolarado, ela voltou.

— Acabei de lembrar que estou sem protetor solar! — falou a garota entrando no carro em pulo, Mike ligou o carro e partiu atrás dos outros veículos que já estavam muito a frente.

Lena se apoiou na janela do carro fechando os olhos com o vento da estrada, a paisagem aos poucos ia adquirindo mais cores, vegetações e algumas casas isoladas, Mike suspeitava que Allan estivesse conduzido a todos á praia. Todo mundo sabia que sua família tinha uma casa enorme de praia.

Em alguns momentos ele se aventurava em olhar para Lena, a garota continua extremamente linda. Ela estava ajeitada de um jeito engraçado, suas pernas para cima enquanto o restante de seu corpo afundara no banco do carro. Usava enormes óculos de sol e batia os dedos nos joelhos conforme o som da musica que passava no radio. Mike notou que suas pernas estavam mais torneadas, como se ela estivesse correndo todos os dias ou algo parecido, suas coxas também ganharam certo volume.

Lena se tornara uma mulher.

— E você, onde esta morando? — perguntou ele.

— No mesmo lugar, nossa já faz bastante tempo não é? — disse a garota sem tirar os olhos da estrada.

— Dois anos — acrescentou.

— É mesmo, dois anos...

Lena havia se mudado de Baltimore para também morar na Inglaterra, os dois perderam totalmente o contato desde aquela separação.

— Nunca fui pra Newcastle, lá é bom? Sei que tem um time de futebol muito bom... — dessa vez ela olhou diretamente pra ele.

— La é diferente daqui, bem diferente — respondeu Mike meio anestesiado.

— Hm, Newcastle não deve fazer tanto frio assim...

— Não faz, quer dizer, não muito. Falo mesmo das pessoas, dos costumes.

— Isso é verdade, é bem diferente! — ela se ajeitou no banco abraçando as pernas descansando seu queixo nos joelhos — Minha família é toda de lá, falo da Inglaterra, então, eu estou acostumada!

Mike achou os seus óculos no carro, não estava tão empoeirado assim então ele tratou de colocá-los.

— Tem alguma coisa diferente em você... — falou a garota pensativa — Além do fato de estar enorme... Não sei dizer agora, mas alguma coisa mudou.

— Eu tinha quinze quando você foi embora Lena, as pessoas mudam — atacou ele com os olhos focados na estrada.

— É verdade, o Mike que eu conheci já estaria trazendo de volta toda nossa discussão nesse exato momento.

— É porque agora eu sei diferenciar o que vale ou não apena ser discutido.

A garota sorriu e olhou para estrada.

— Essa doeu Mike White, doeu mesmo.


Estava certo afinal, depois de uma hora eles chegaram à praia, Allan viu que o carro de Mike se aproximava e começou a gritar, estava encima de um carro preto erguendo uma garrafa.

— Allan é uma figura — riu Lena.

Saíram do carro para se separarem, enquanto a garota encontrou varias amigas os rapazes o puxaram para as areias da praia.

— Já avisei para sua mãe que você vai dormir aqui! — falou Allan com a voz alterada, Mike não ficou surpreso.

Com anos de amizade Allan já tomara certa liberdade com as quais Mike já estava bastante acostumado. Seu pai nunca aprovou a amizade dos dois, pois considerava o jovem rebelde demais, o que não estava incorreto. Desde pequeno o amigo ficara muito sozinho em casa, seus pais sempre lhe deram liberdade demais, por simplesmente viverem ocupados para ele.

Havia uma roda de jovens sentados na areia, o mar estava bem calmo, algumas pessoas se arriscaram a mergulhar, Mike nem cogitou a ideia.

— Esse é meu amigo de longa data Mike White senhores! — apresentou Allan engasgando.

Um garoto usando um gorro cinza lhe ofereceu algo que Mike reconheceu imediatamente.

— Não obrigado.

— Você continua com a cabeça boa pra essas coisas Mike! — disse Allan dando um tapa nas costas do amigo, mas esse pegou o cigarro da mão do jovem e fumou.

Ele soltou uma tossida com a tragada, e sua voz se tornou mais suave e engraçada.

— Aposto que lá as pessoas fumam o tempo inteiro não é?

— Um pouco — Mike sentou na areia ao lado do amigo que não aguentou ficar de pé, aquele lugar estava cheio de gente. A praia era praticamente um lugar reservado da família.

— E você conheceu alguém especial? — a pergunta de Allan fez todos da roda soltarem risadinhas, mas boa parte foi devido às alucinações que provavelmente estavam presenciando.

— Pode-se dizer que sim... — falou ele devagar.

Allan riu ainda engasgado.

— Você é assim mesmo Mike, sempre achei incrível essa sua habilidade de se entregar pra alguém com tanta facilidade! — ele olhou para o céu, já não estava mais ensolarado e sim com nuvens negras.

O tempo passou e Mike se afastou das pessoas para caminhar na praia, longe do barulho e da fumaça. Ele tirou seu tênis para sentir a agua gelada congelar seus pés. Antes ele faria um esforço absurdo para permanecer com a multidão de jovens, mas agora não via interesse algum nisso, era engraçado refletir sobre aquilo, pois no começo de tudo ele fora para Newcastle completamente revolto por ficar longe de sua família e amigos, e agora que ele tinha a oportunidade de ter tudo isso de volta, não desejava mais.

Em sua cabeça considerava que nada mais daquelas coisas eram importantes, como se ali não fosse à realidade, as coisas se inverteram de uma maneira estranha. Como ficar tranquilo, relaxar, se existem coisas horríveis por aí, andando livremente causando um todo tipo de mal.

— Nossa, acho que eu nunca vi você assim... — disse Lena se aproximando do rapaz — Tão pensativo, tão serio.

— Eu mudei...

— Pra melhor ou pior?

— Me diga você — respondeu rápido como a pergunta da garota.

Ela apertou os olhos encarando aquele rosto fechado, Mike não cedeu ao olhar e continuou na mesma.

— Ainda tenho que decidir isso.

Os dois caminharam até longe da casa de praia, Lena sentou na areia e Mike permaneceu de pé. Estava escurecendo e começou a fazer frio, de longe dava pra ver as fogueiras na areia.

— Senta aqui do meu lado Mike, está frio! — disse a garota esfregando os braços.

— Lena... — disse Mike baixinho.

Ela o encarou com um sorriso como se esperasse por algo.

— Acha que consegue carona pra voltar pra casa? — imediatamente o sorriso de Lena se desfez.

— Quem sabe. — falou aborrecida.

— Ok — Mike foi embora devagar ainda absorto em seus pensamentos.

— Eu vou te ver de novo Mike, quer você queira ou não! — falou a garota rindo nervosa.

Nem teve o trabalho de se despedir dos amigos, já estavam em outra dimensão. Encontrou seu carro e partiu para estrada, sozinho. Como era o único veiculo Mike acelerou, adorava fazer isso em pista reta. O sol aos poucos ia embora por completo e sua barriga roncava com violência, não se lembrava de ter comido qualquer coisa naquele dia.

A estrada ganhava um azul bem escuro do céu, e as árvores se tornavam silhuetas negras no horizonte, o radio não tocava nada de seu interesse, então Mike ficou somente com seus pensamentos. Aos poucos foi notando algo estranho na estrada, era como se ele estivesse passando por um túnel, tamanha era a escuridão.

Inclinou-se para olhar o céu, porém tudo o que via era uma escuridão esquisita, como se estivesse realmente em um túnel. Quanto mais o carro avançava na penumbra menos se via, de repente feixes de luz amareladas passaram como borrões, pareciam tochas presas as paredes do túnel.

Mike não queria parar com o carro naquele lugar, mas involuntariamente ele desacelerou ao poucos, podendo visualizar que as paredes do túnel eram feita de pedras, não havia som naquele lugar, parecia o nada absoluto.

Em desespero ele acelerou o veiculo, mas o som dos motores relinchando não foi ouvido, as luzes amarelas passavam tão rápido que formavam linhas continuas. Seu coração acelerou “Onde diabos eu estou?”. Ele sabia, mas não conseguia acreditar, não queria que aquele fosse o lugar que visitara uma vez, quando quase morreu sendo atacado pelos demônios da ira.

— Não pode ser... — mas não havia voz alguma saindo de sua boca, foi a sua mente que projetou as palavras.

Estreitou os olhos para o caminho a frente, parecia haver algo se aproximando ou o carro estava se aproximando da coisa. Era mais iluminado, ganhava forma aos poucos, parecia ser uma espécie de altar de pedras.

Havia alguém sentado no altar, de pernas cruzadas e de postura um tanto rígida, não era possível ver o seu rosto, mas ele sabia quem era.

— Richard!

Antes que o carro pudesse colidir com o jovem sentado no altar de pedras ele freou bruscamente o carro girando o volante, uma fumaça vinda dos pneus levantou se estendendo à frente enquanto Mike tentava controlar o carro ainda em movimento, ele girava para fora do caminho. A fumaça se foi junto com a ilusão do túnel de pedras, estava novamente na estrada aberta, ofegava banhado de suor.

Richard, o pecado da Ira sempre lhe assombrava, fosse nos sonhos ou na vida real, o jovem de cabelos loiros o perseguia sempre. Mas o maior temor de Mike era de que sua mente seria seu maior inimigo, passaram-se meses sem que os dois jamais trocassem palavras, havia só uma ameaça imaginaria no ar que o fez treinar por muito tempo, para uma batalha que jamais aconteceu.

Já em casa Mike passou por sua mãe confusa diretamente para o escritório de seu pai, ele bateu uma vez na porta e entrou.

— Pai, você tem um minuto? — perguntou.

— Claro Mike, entre — o homem digitava em seu computador e parou imediatamente quando viu o filho entrar.

— Vou ficar. — vomitou as palavras com pesar.

— O que?

Mike respirou vagarosamente e circulou ao redor.

— Vou ficar aqui pai, em Baltimore. Não vou voltar...

Hector olhou para Mike confuso e deu passos em direção ao filho.

— E o que te fez mudar de idéias assim? — indagou — Sua mãe?

— Não, eu simplesmente decidi isso.

— Não acredito nisso, Mike... Não deveria ter sido contra, você e sua irmã têm a própria vida agora, talvez desde sempre, não posso segurá-los, estaria fazendo um grande mal aos dois!

Quando o pai de Mike ficava preocupado e fazia um de seus discursos sua fala saía repleta de floreios como se pertencesse ao século passado, ele adorava isso.

— Quero que você vá e resolva seus problemas, isso é ser um homem de verdade... — Hector aparentava ser o irmão mais velho de Mike, sua expressão preocupada lhe roubava alguns anos de idade enquanto seus olhos cintilavam com intensidade.

— Pensei que quisesse que eu ficasse aqui... — resmungou Mike.

— Eu quero tudo como antes, mas não é assim que as coisas acontecem, não é? — ele levantou de sua cadeira para olhar pela janela onde as luzes da rua cintilavam — Mas me faça um favor?

— Claro.

— Resolva seus problemas, todos eles, — ele se voltou para o filho — Porque se deixar algum para trás ele pode vir a trazer todos os outros de volta.

Mike absorveu aquelas palavras imaginando como elas se encaixariam na sua situação atual.

— E como esta a velha Muriel?

— Velha. — respondeu Mike e os dois sorriram.

Ele caminhou pelo corredor até seu quarto, sentia-se um tanto mais leve, avistou Alphonse parado no corredor admirando algumas fotos de Cherry quando pequena.

— Olá Mike! — falou ele surpreso — Como andam as coisas?

Aquela frase de praxe fez com que Mike revirasse os olhos e seguisse em frente, mas Alphonse exclamou:

— Ah é verdade! —gritou e apanhou algo de seu bolso — Quase me esqueço, aqui estão o telefone e o endereço da Sarah como prometi.

Ele apanhou o pequeno pedaço de papel, e sentiu como se pesasse uma tonelada, fechou os olhos e respirou fundo.

— O que foi? — perguntou Alphonse confuso quando Mike devolveu o papel.

— Esquece... — sussurrou indo embora, Alphonse sorriu.

— Sábia escolha meu irmão.


Notas finais do capítulo

espero que tenham gostado ;P



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Notas finais do capítulo

espero que tenham gostado ;P