Kaleidoscope - Um Mundo só Seu escrita por Blodeu-sama


Capítulo 7
Cap. VII – Best Friends, and Other types of Friend


Notas iniciais do capítulo

Neste capitulo... Akika Suzuki desu!

Musica: Cause you had a bad day, do James Blunt, e Any Other World, do Mika.



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Uruha era um imbecil. Um perfeito imbecil. Ficar falando essas coisas sobre ele e Nao-san apenas porque simpatizara com o rapaz. Ora, um pouco de gentileza era bom pra variar, estando na companhia que estava, não é? “Imbecil”.

Kai estava tão concentrado em xingar Uruha em sua mente que não reparou que estava virando aquele corredor com muita rapidez e muita força. E por um momento, quando sentiu o impacto do seu corpo contra um outro, tão forte que o fez ir ao chão, ele não entendeu o que havia acontecido. Claro, a dor de ser praticamente arremessado para o lado oposto ao que ia não ajudou muito o moreno a ter pensamentos claros naquele segundo. Ele apenas colocou a mão sobre as costas e tentou se levantar, gemendo e tentando saber se alguém tinha anotado a placa do caminhão.

Então a outra pessoa gemeu também e ele ergueu os olhos o suficiente para confirmar que já conhecia aquele gemido. Ótimo! Porque todas as situações em que se encontravam tinham que ser constrangedoras?!

- Nao-san? Me desculpe... – murmurou, levantando-se rápido e estendendo a mão para o outro rapaz, que a aceitou com os olhos meio fechados e uma mão sobre a testa.

- Ai...ai... – resmungou o outro, meio curvado sobre si mesmo e Kai teve que segurá-lo pela cintura para que não voltasse a despencar no chão. – Minha cabeça...

- ...P-perdão, eu não vi você vindo!

- Se visse você teria visão raio-x! – disse o outro, sorrindo de leve, apoiando-se na parede e respirando fundo. – Sabe, se isso continuar acontecendo, acho melhor nós fazermos seguro contra acidentes com uma apólice cobrindo nossos tombos.

Kai baixou a cabeça e sorriu sem graça, ainda com uma mão pousada sobre o ombro do outro, caso ele voltasse a cair. Apesar das insinuações idiotas de Uruha, eles quase não se viam já que Kai só aparecia por lá aos sábados de manhã. E todas as vezes que haviam se visto anteriormente, Kai tivera que se preocupar o tempo todo com Uruha e sua mente pervertida.

- Mas você está bem? Parece que bateu a cabeça feio...

- Ah, eu estou legal – Nao se endireitou e esticou as costas, fazendo uma leve e divertida careta de dor. – Você está bem? Está corado.

O moreno virou o rosto, murmurando um ‘eu estou bem’ e xingando o amigo loiro mentalmente outra vez. Mas Nao se aproximou e começou a apalpar as costas dele e Kai tentou se esquivar. Aquilo fazia cócegas!

- Hey, pare quieto um minuto! Eu sou enfermeiro lembra, sei alguma coisa sobre machucados. Parece uma criança... – mas Nao estava rindo e Kai acabou rindo também, deixando que o outro lhe fizesse um rápido exame superficial.

- Certo, certo, você está inteiro – Nao voltou a se afastar, finalmente olhando para o outro de frente e sorriu um dos sorrisos mais luminosos e sinceros que Kai já vira na vida.

Deixou-se reparar nele por um segundo. Estava usando um casaco cor de creme cheio de cordas por cima de um colete xadrez azul e de uma camiseta branca com estampas pequenas, assim como uma touca de lã branca na cabeça, por cima dos cabelos escuros. Kai achou que, vestido daquele jeito, ele parecia um garoto de colégio no primeiro ano.

Nao, por seu lado, também estava olhando para o rapaz a sua frente com atenção. Kai vestia-se de maneira bem simples, apenas uma camiseta listrada preta e branca por baixo de um casaco meio desbotado, azul. Porém ele sorria como uma criança de cinco anos e ao fazê-lo exibia um par de adoráveis covinhas que serviam para tornar seu rosto ainda mais simpático e honesto. Era o tipo de gente que exalava amizade e confiança por todos os poros e Nao gostava disso nas pessoas. Era bom, pra variar.

- Neh, Nao-san, desculpe outra vez. Eu estava distraído – disse Kai, depois de alguns segundos.

- Ah, eu sou mais forte do que pareço! – e Nao ergueu os braços como se estivesse mostrando músculos, o que intensificou ainda mais a impressão de que estava diante de um adolescente que havia acabado de chegar à puberdade.

- Hahaha... bem, você deve estar trabalhando, não é? Não vou perturbar, já estava de saída...

- Na verdade, Kai-san, hoje eu tenho à tarde de folga. Pelo menos até... – e ele olhou no relógio que havia pendurado no fim do corredor – às cinco e meia. Ruki-san está na terapia – respondeu diante do olhar indagador de Kai.

- Mesmo? Geralmente eu só vejo você com ele – Kai deu alguns passos em direção a saída e Nao o acompanhou, então continuou conversando. – Não sabia que tinha as tardes de sábado livres.

- Geralmente não tenho. Ruki faz terapia as segundas, quartas e sextas, são as tardes que tenho livre. Mas Reita-san teve um pequeno problema pessoal ontem, então transferiu a seção para hoje – Nao suspirou baixinho. – É tão estranho! Todos dizem que eu deveria pedir mais férias, mas quando não estou com Ruki fico entediado. Acho que acabei desistindo de ter uma vida pessoal depois que passei a cuidar dele. Não tenho absolutamente nada pra fazer hoje.

- Bem... está com fome? – perguntou Kai, internamente feliz de poder ter uma conversa descente e tranqüila com o rapaz sem que certas pessoas começassem a dar risadinhas e a soltar insinuações idiotas.

- Morrendo.

Kai sorriu e puxou o próprio casaco para mais junto do corpo.

- Estou indo trabalhar agora. Por que não vem comigo e faço alguma coisa pra você por conta da casa? E pode matar algumas horas por lá.

Os olhos do outro moreno brilharam.

- ...Comida de graça?! Não vou atrapalhar, Kai-san?

- Não, claro que não. Vai ser um prazer.

Nao sorriu e concordou, abrindo a porta e deixando que o outro passasse primeiro. Ali, na rua, teve que fechar o casaco até o pescoço e procurar as luvas nos bolsos. Já era quase auge do inverno e pequenos montes sujos de neve beirando as calçadas indicavam que logo, logo, iria esfriar ainda mais.

- Onde fica a lanchonete onde você trabalha, Kai-san? – perguntou, enfiando as luvas nas mãos trêmulas.

- Em frente ao Museu de Arte, no Porto.

- ...Hum, acho que Ruki-san não vai se importar se eu usar o carro enquanto ele está ocupado – murmurou, indicando que Kai o acompanhasse até um estacionamento privativo que havia do outro lado da rua. Kai, que pretendia chegar de ônibus como sempre, achou a idéia excelente. Não teria que ficar esperando pelo transporte em algum lugar aberto e ridiculamente frio.

Porém ficou meio extático ao ver o carro para onde Nao se dirigia. Um Subaru Legacy cor de cobre brilhando de novo. O enfermeiro notou o olhar meio embasbacado do outro e riu.

- Bonito, não é? Espere pra ver o do Saga-san. – e apontou para um carro negro no fim do estacionamento, com um design que Kai nunca nem imaginara ser possível, perfeitamente rebaixado e linhas tão sinuosas que dava tontura só de olhar.

– Um Koeningsegg CCX – completou o enfermeiro, lutando com a pronúncia do nome por um momento(precisava fazer um bico para conseguir pronunciar). – É um dos dez carros mais caros do mundo. Ele gosta de viver bem, Saga-san. Vamos?

Kai, ainda num silêncio meio assombrado, sentou-se no banco de carona, olhando para o painel de controle e em seguida virou-se para o outro, que estava olhando para trás, dando ré. O carro era tão silencioso que Kai mal percebera que havia sido ligado.

- Quanto dinheiro, exatamente, ele tem?!

Nao pensou um pouco, esperando por uma brecha para se enfiar em meio ao trânsito caótico do meio dia.

- As Empresas Matsumoto são donas de quase um quarto da cidade. Fábricas, lojas, restaurantes. Antes do senhor Matsumoto morrer, parecia um império estagnado. Não que ele tivesse parado de ganhar dinheiro, apenas não estava ganhando a mais. Mas desde que Saga assumiu como sócio majoritário... bem, começaram a chamar a empresa de praga. Nunca para de crescer. E Saga tem uns noventa por cento dos grandes empresários de Yokohama nas mãos, mesmo que eles não estejam oficialmente ligados a empresa. Então, se tivesse que chutar um número, eu diria que... cem vezes mais do que eu e você juntos tivemos e vamos ter em toda a nossa vida. Viro aqui?

- ...S-sim – Kai sabia que existiam pessoas mais ricas do que ele jamais poderia imaginar. Mas ele nunca tivera consciência de estar tão perto de alguma delas. Uruha era a pessoa mais rica que conhecia pessoalmente e agora ele parecia quase miserável diante das informações que Nao deixara escapar de maneira tão casual. – E o Ruki-san é o verdadeiro dono disso tudo?

Nao apenas fez que sim com a cabeça e murmurou algo parecido com “uhum”.

- Uau! E ele sabe disso?!

- ...O Ruki – Nao parou em um sinal fechado e pensou por um momento. – O Ruki sempre soube que tinha dinheiro. O cérebro dele é, racionalmente falando, bem melhor do que o nosso. Ele sabe os números, pode recitá-los de cor. Mas não sei se ele tem total consciência do que isso realmente significa. Para ele, ter muito dinheiro ou pouco dinheiro não faz diferença, desde que ele possa ter as coisas que precisa ou deseja. Como todos aqueles quebra-cabeças, por exemplo. Se alguém quisesse lhe vender um por um milhão de dólares, ele pagaria – pensou um segundo. - Ou melhor, ele perguntaria a Saga se podia comprar. Ele sempre pergunta.

Kai ainda ficou em silêncio por vários minutos, pensando sobre isso. O garoto parecia alheio a desejos materiais dispendiosos então. ‘Não fazia diferença...’ Aparentemente, Saga-san pensava de maneira bem diferente.

- E você? – perguntou de repente, fazendo Nao o olhar pelo canto dos olhos.

- Eu o quê?

- Você deve ganhar o triplo que o normal, no mínimo, e vive na mansão Matsumoto, não vive?

- Bem...é – Kai notou que o enfermeiro corara levemente. – Eu tento guardar sempre algum dinheiro. Nunca se sabe quando a sorte vai virar certo?

Kai apenas concordou e voltou a ficar em silêncio. O modo como Nao falara aquilo fora estranho, era como se houvesse mais coisas por trás disso. Mas eles não eram suficientemente íntimos para que Kai insistisse no assunto.

Em cerca de dez minutos, chegaram a lanchonete em que Kai trabalhava. Era muito menos tempo do que estava acostumado, usando ônibus e metrôs, por isso quando entraram o patrão do rapaz apenas olhou interrogativamente para ele.

- Boa tarde, Yamada-san – murmurou o rapaz, sorrindo

- Kai! Você está adiantado – disse o senhor, um típico gerente simpático com bigodes muito grandes para o rosto.

- Ganhei uma carona. Se importa se meu amigo ficar no balcão?

O senhor Yamada apenas soltou um som com a boca que lembrava um desentupidor de pia e deu de ombros.

- Como se tivesse alguma escolha. E aquele seu amigo loiro com cara de mulher? Por que não vem mais?

Nao virou o rosto e soltou uma risadinha pelo nariz, Kai deixou-se rir abertamente.

- Ele se meteu em encrenca e está com o tempo meio apertado ultimamente – Kai puxou um dos bancos que havia em uma mesa até um dos cantos do balcão que separava a cozinha da área onde os poucos e tranqüilos clientes estavam sentados. – Por favor, Nao-san, fique a vontade.

Nao sentou-se no banco e observou o lugar. O senhor Yamada subiu uma escada que provavelmente levava ao escritório, apertando a barriga proeminente com as mãos de tanto rir, enquanto Kai entrou por outra porta de acesso restrito e reapareceu do outro lado, na cozinha, despindo o casaco azul e vestindo um avental branco por cima, cumprimentando outros funcionários que estavam na cozinha.

A lanchonete parecia-se mais com um pequeno restaurante informal do que com uma lanchonete fast food, observou. Era agradável e íntimo, decorado com bambus e sombrinhas de papel nas paredes. Parecia ser um lugar destinado ao público que visitava o Museu de Arte, do outro lado da rua. Chamava-se Kosaka(1), provavelmente, Nao pensou, por causa do pintor.

Kai apoiou os cotovelos no balcão, sorrindo e perguntou de maneira bastante formal.

- Gostaria de pedir senhor?

Nao sorriu, as bochechas levemente coradas pelo fato de estar ali, num lugar onde ninguém mais sentava e ainda comendo de graça. E Kai logo ali, do outro lado, distraindo-se por causa dele.

- Ah... não sei...

Então alguém gritou na cozinha, um rapazinho de orelhas grandes que estava esfregando o chão.

- Peça Takoyaki(2)! Kai-san faz Takoyaki como ninguém!

O enfermeiro sorriu e concordou.

- Takoyaki então.

- Está saindo – Kai disse, dobrando as mangas do avental pouco acima dos pulsos e tirando uma pesada forma de ferro de uma prateleira a um canto.

E enquanto preparava o alimento com uma rapidez de dar inveja, continuou falando de maneira veloz e alegre com Nao e com as outras pessoas na cozinha. Este estava meio perdido, Kai não só o havia apresentado a todos os outros – e deviam ser uns cinco - como conseguia conversar com ele e com mais duas pessoas paralelamente sem se confundir. O enfermeiro também notou que, mesmo não tendo propriamente um cargo mais alto que os outros cozinheiros, todos o tratavam como um líder. Enquanto preparava os pedidos das pessoas, Kai deixava de ter aquele ar infantil e assumia uma atitude mais firme, mais segura de si, como um verdadeiro chef.

E então um prato de bolinhos pousou na frente de Nao, soltando fumaça ainda.

- Takoyaki à la Kai – disse o moreno, sorrindo aquele sorriso todo covinhas. – Com meu molho especial.

- Molho especial?! – Uma jovem de cabelos pretos e olhos pequenos virou o rosto, parecendo sentir o cheiro dos bolinhos. – Puxa, Kai-san! Você nunca faz seu molho especial pra nós! Nem pros clientes!

Kai mandou-a voltar ao trabalho e Nao mal esperou o alimento esfriar antes de levar um a boca. Só o cheiro já estava simplesmente delicioso. Ao provar, o enfermeiro teve a impressão que nada no mundo que ele comesse a partir daquele momento seria tão delicioso quanto aquilo.

- ...Kai-san! Isso é... incrível! – murmurou, mal engolindo um e já levando outro a boca. – Hum... é delicioso...

- Pudera! – resmungou a mesma moça de olhos miúdos. – A última vez que vi Kai-san fazendo isso foi para a ex-namorada dele. Então faz séculos!

- Misami, você não tem três pedidos de lula pra fritar? – perguntou Kai num tom meio zangado, meio envergonhado. Suas bochechas haviam corado adoravelmente e ele voltara a ocupar as mãos. “Ótimo, Uruha tem aliados...” pensou consigo mesmo, desviando a atenção do enfermeiro esfaimado.

Este, por sua vez, ainda estava se deliciando com a comida e disse meio sem pensar.

- Ex?! Eu teria me casado com você, só por esses bolinhos!

A cozinha explodiu em risadas, enquanto um cozinheiro envergonhado se perguntava o que havia de errado com todo mundo.

-

Ruki levantou-se de súbito, interrompendo uma frase e o homem loiro com os braços desnudos suspirou e olhou no relógio. Seis horas em ponto.

- Por favor, Ruki, sente-se e continue me falando sobre essa pessoa.

- São seis horas – disse o loirinho em resposta, olhando para o pequeno cubo que tinha em mãos. Era um daqueles cubos em que o objetivo era deixar todos os lados de cores iguais. Ruki ia além, fazendo combinações de cores e padrões com os quadradinhos.

- Não me importo de ficar conversando mais um pouco. Você não me disse o nome dessa pessoa.

- É. Mas já são seis horas, Reita-san.

O psiquiatra assentiu com a cabeça e também se levantou. Demorara mais do que o normal para fazê-lo começar a falar, desta vez. E em geral já demorava bastante. Ruki parecia estar em conflito a respeito de algo, mas quando Reita achara que estava chegando a questão, o relógio fizera questão de estragar tudo.

- Está bem. Mas, na segunda feira, vamos voltar a falar sobre ele.

Ruki relanceou os olhos para o psiquiatra. Reita-san era um homem forte, de cabelos amarelos curtos e meio espetados para todos os cantos, que não vestia blusas de frio há não ser que estivesse nevando. Ruki gostava dele, porque ele não o tratava como uma criança e agia como um amigo. Reita sabia que ele não era mais uma criança, porque eram bons amigos. E isso era agradável, embora o deixasse um pouco ansioso. Bastante ansioso, quando ele insistia em falar de assuntos que não devia falar. Como Uruha-san, que alias também sabia que ele não era uma criança. Mas ele supostamente não devia mais se aproximar de Uruha-san e estava se esforçando pra isso. Gostava mais quando falavam sobre música.

Ruki podia falar horas seguidas sobre música e gostava bastante quando Reita-san conseguia entender quase tudo o que ele dizia.

- ...É – murmurou, observando o outro abrir a porta da sala e estender a mão para pegar o cubinho de volta.

- Tenha um bom fim de semana, Ruki-san – disse Reita, confiante, enquanto o outro deixava o brinquedo cair em sua mão estendida. Por reflexo, Reita roçou os dedos na palma da mão dele e Ruki rapidamente a puxou para si, fazendo com que o cubo caísse no chão acarpetado. Corou e baixou mais o rosto, mordendo de leve o lábio inferior.

- Desculpe, Reita-san – murmurou, abaixando-se e pegando o brinquedo. Desta vez Reita tomou cuidado para não encostar no outro enquanto o recebia.

- Está tudo bem. E, Ruki?

- ...Hum?

- Da próxima vez que vier, traga essa partitura nova, está bem? E um violão.

- Sim.

E então o loirinho, de cabeça baixa e com um pequeno, quase imperceptível sorriso no rosto, inclinou-se por um segundo, formalmente e rapidamente sumiu por entre os corredores do Circe. Reita ficou observando-o ir, jogando o cubo para cima e o pegando em seguida.

Ruki estava mais frágil? Ele parecia mais frágil, emocionalmente. Parecia ansioso e dividido. Mas Reita não podia ter certeza se tivera a impressão correta. Ainda estava com a cabeça cheia de problemas – totalmente pessoais - e sentia que não estava se esforçando o suficiente com seus pacientes. Mas também, era humano afinal de contas! No meio de uma mudança de apartamento e de um passo tão importante no relacionamento, devia estar mesmo se concentrando um pouco em si e...

Reita deixou o brinquedo escorregar por entre os dedos e ao bater no chão de azulejos do corredor, bem menos macio do que o de seu consultório, ele se espedaçou em vários cubinhos coloridos pequenos.

- Droga... – murmurou, se abaixando para recolhê-los.

Então um par de pés metidos em coturnos pretos novos parou em frente a ele e logo uma mão alongada se juntou as suas recolhendo o cubo partido.

- Obrigado – disse Reita, erguendo os olhos para se deparar com um rapaz de cabelos cor de mel e olhos acinzentados, os lábios naturalmente rosados em forma de coração.

Uruha largou os pedaços de plástico nas mãos estendidas do homem e levantou.

- Sem problemas – disse breve.

- Você é o rapaz do serviço comunitário, não é?

Uruha fez que sim, desinteressado.

- Uruha desu.

- Suzuki Akira desu, mas pode me chamar de Reita.

- Você é o psiquiatra do Ruki-san? – perguntou o loiro alto, cruzando os braços em frente ao tórax, interessando-se repentinamente. – É, é, vi você conversando com a coisinha saltitante dia desses...

- Coisinha saltitante? – Reita ergueu uma sobrancelha.

- Shou-san.

- Ah! – ambos riram levemente. Então Reita juntou os pedaços do brinquedo em uma só mão e apontou com a outra o corredor por onde seu paciente tinha sumido.

- Sim, Ruki-san acabou de sair daqui, alias. Ouviu falar dele então...

- Nos conhecemos no parque – murmurou Uruha, casualmente. – E nos cruzamos as vezes – acrescentou, quando Reita pareceu surpreso.

- Hum... ele é um bom garoto. Mas é muito difícil conseguir se aproximar dele.

- Nem me fale! O garoto é uma muralha! – Uruha olhou no relógio de pulso e bateu a mão na testa. – Eu tenho que ir. Te vejo por aí, Reita – e saiu correndo por um outro corredor.

Reita pensou que provavelmente a pressa com que Uruha estava saindo devia-se a pouca vontade de ficar ali além do que o obrigavam, ou talvez ao Fiscal que o buscava todos os dias e não era lá muito bem humorado. Aquele que vivia correndo de Shou-san – riu brevemente ao se lembrar das cenas que presenciara. Depois considerou se o homem misterioso com quem Ruki confessara dividir o tempo as vezes era ele. “Não... Ruki nunca se aproximaria de uma pessoa assim tão... instável”, concluiu, voltando a entrar em sua sala e fechando a porta.

Uruha, por outro lado, estava ponderando sobre o homem que acabara de conhecer. Não era velho. Na verdade, era bastante jovem. Será que estava fazendo o trabalho direito? A julgar pelo constante estado defensivo de Ruki, Uruha achava que não. Mas, que diferença isso fazia afinal? E por que, no fundo, tinha a sensação de não ter gostado muito do psiquiatra?

Balançou a cabeça espantando tais pensamentos, enquanto ouvia mais uma chuva de reclamações de Hiroto-san por estar três minutos atrasado. Tinha coisas mais importantes com que ocupar a mente. Fora convidado para um almoço de Natal e precisava conseguir alguns presentes. Não comprar... apenas conseguir.

Uruha deixou um meio sorriso aflorar enquanto pensava no que Baachan poderia querer.

(1) Kosaka Gajin é um pintor abstrato japonês da Era Meiji.

(2) Bolinhos feitos com uma massa de farinha e ovos, assados em formas de ferro e recheados com pedaços de polvo cozido. Existe uma variedade de coberturas e molhos, alguns envolvendo maionese e outros lascas de peixe seco. Não, nunca comi, mas sou maluca pra experimentar esse prato!

oOo


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Notas finais do capítulo

Pessoal, sei que é chato ler isso toda vez, mas eu tenho que pedir. REVIEWS! Não é por causa de ego – embora meu ego agradeça também – mas eu preciso saber o que vocês estão achando, se está ficando estranho, se está melhor ou pior, o que mudar e o que manter. Sejam bonzinhos, onegai! Só demora dez segundos pra clicar naquele botãozinho ali em baixo e dizer o que você achou.