Kaleidoscope - Um Mundo só Seu escrita por Blodeu-sama


Capítulo 5
Cap. V – Saturday Night Fun and a Sunday lunch


Notas iniciais do capítulo

Tirando pela parte do Ruki, a musica tema desse capitulo é Life of My Own, do 3 Dors Down, que pode ser baixada junto com o resto da trilha sonora por um link no meu profile.



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Uruha acordou com o barulho de uma buzina bem em baixo de sua janela. Chegara em casa morto de cansaço, fizera um lanche, tomara um banho e imediatamente depois caíra prostrado na cama, com apenas a toalha em volta da cintura, um braço jogado por sobre os olhos, protegendo-os da claridade da lâmpada. Ele dormira quase instantaneamente, mas mesmo agora, meio acordado, meio sonhando, com uma orientação temporal bem confusa, ele achava que não tinha se passado nem uma hora direito desde que deitara.

Uma rápida olhadela no relógio mostrou que havia passado cerca de duas horas e meia. Xingando quem quer que fosse que continuava buzinando insistentemente, Uruha cobriu a cabeça com o travesseiro. Mas aquele idiota não parava e o loiro se ergueu de uma vez, pronto pra atirar um de seus cremes de cabelo na cara do infeliz. Abriu a janela de uma vez e a buzina parou de soar.

- Finalmente! Achei que ia ter que por a casa abaixo pra chamar sua atenção.

Uruha estreitou os olhos, enquanto olhava para o rosto daquele ser que ousara acordá-lo.

- Amano Shinji, ouse fazer isso de novo e eu mesmo me certifico que você não vai ter mais dedos pra apertar essa buzina irritante desse seu maldito carrinho – rosnou num tom frio, ainda lutando contra a visão nebulosa de sono.

- Ih, tem alguém de mau humor. Isso é falta de sexo, Uruha – respondeu o outro num tom levemente irônico. Era um rapaz alto, com cabelos escuros pouco abaixo das orelhas e interessantes olhos negros, que pareciam brilhar como se fossem duas pedras ônix. Sentava-se orgulhosamente ao volante de um Honda Ballade clássico reformado, prata e se vestia de maneira elegante demais. Uma camisa de cetim negra e calças jeans caras, desbotadas apenas o suficiente para dar um ar cool. Uruha suspirou.

- Sério, Tora, hoje eu trabalhei como um camelo por causa daquele maldito serviço comunitário e estou cansado.

- Você anda chato desde que o Aoi te deu um fora. Eu quero ver o antigo Uruha de volta, aquele que não perdia uma balada de sábado nem se o mundo estivesse acabando.

Tora sorria apenas com um canto dos lábios, misteriosamente. Uruha sabia o que ele queria. Era o que ele sempre queria. E ficava usando a desculpa esfarrapada de “hoje é sábado e você precisa sair”. Bem, não era Uruha que ontem mesmo estava matando por uma boa seção de sexo?

- Pra começar, você foi a causa do Aoi ter me dado um fora – respondeu Uruha, muito consciente dos olhares que o outro lançava a seu tórax desnudo. – Vamos passar e pegar o Kai então. Eu me recuso a passar a noite inteira tendo que ouvir a sua conversa chata.

Tora riu alto, inclinando mais o corpo para fora da janela do carro para poder falar num tom de voz mais baixo.

- Eh, Uruha, pode deixar que hoje não vamos conversar muito. Vá se arrumar e coloque uma roupa bonitinha, okay? Vamos naquela boate nova da área leste.

Uruha não se dignou a responder, fechou a janela na cara do moreno e começou a tirar roupas do guarda roupa, procurando uma adequada. Tora, lá fora, desligou o motor e se dispôs a esperar. Uruha era vaidoso demais para se arrumar no tempo de um homem normal.

Olhou distraidamente para a casa, enquanto o rádio despejava uma melodia pop meio enjoativa em seus ouvidos. Não era uma casa grande, mas somente o fato de ser uma casa com quintal próprio e sem vizinhos colados já fazia do lugar um lar tipicamente burguês. Era feita de alvenaria, pintada de branco e estava espremida entre dois pequenos prédios residenciais. A janela do quarto de Uruha dava para a rua, direto, mas bem ao lado havia um agradável jardim que servia de entrada. Tora sabia que Uruha morava com os pais ali e até recentemente a irmã do meio também morava com eles. Mas Tora tinha quase certeza que ela se casara e tivera um filho há pouco tempo.

E ele estremecia só de pensar em morar com tanta gente. Uruha tinha mesmo que ser o louco que era vivendo com os pais e principalmente a sombra do sucesso do pai.

Não que Tora entendesse muito daquilo. Ele só conhecia o lado divertido de Uruha. Aquele que o fazia beber até começar a cantar a plenos pulmões no meio da rua e então abrir as pernas para ele fácil como uma casca de ervilha.

- Uh boy...Watashi ni oh baby! Tsuite koreru jishin... aru no? (1) - cantarolou baixinho, enquanto esperava.

Cerca de quarenta minutos depois, Uruha finalmente se dignou a aparecer na porta da frente; e um sonolento Tora concluiu que valia a pena ter esperado. Ele estava magnífico, ainda mais do que de costume. Estava usando aquela calça preta com tiras nas laterais, uma blusa igualmente negra com um colete vermelho escuro por cima, cheio de botões de metal na gola e que atrás formava uma espécie de saia desfiada. Colocara luvas sem dedos nas mãos, de renda negra e jogara todo o cabelo loiro escuro para um lado(2). Estava fatal.

Assoviou baixinho quando Uruha se aproximou e este lhe mostrou o dedo do meio antes de se jogar no banco do passageiro.

- Você ainda ouve essa porcaria? Passa na casa do Kai, eu realmente quero que ele vá – disse enquanto mudava a estação de rádio e Tora arrancava com o carro. – Ah, isso sim é música.

- Você e seu bendito rock anos oitenta – resmungou o moreno, enquanto Uruha começava a cantarolar e fazer solos com uma guitarra imaginária.

- Ame o furaseru...Time is dead! Word is dead!(3)... E essa música é de noventa e um – Uruha parou de cantarolar e fazer gestos estúpidos com as mãos e se virou para o maior. – Como é que você consegue não se cansar de trabalhar?

Tora deu ombros, virando uma esquina e pensou vários minutos antes de responder.

- Acho que os cochilos que eu tiro no escritório quando ninguém está vendo ajudam bastante. Mas esse serviço comunitário é tão ruim assim?

O loiro abriu o vidro e pôs o rosto para fora, respirando fundo.

- Bem, não é como a prisão... lá eu tinha certeza que me enforcaria de tédio. Já nesse trabalho... se eu tiver tempo de arrumar uma corda já é alguma coisa – quase gritou para conseguir se fazer ouvir apesar do barulho do vento. Tora voltou a gargalhar e Uruha voltou a por o corpo todo dentro do carro, olhando para frente com um sorrisinho perdido.

- Tem esse cara lá...

- Ih, mais uma vítima da viúva negra aqui – disse Tora num tom de voz divertido, mas Uruha o mandou calar a boca.

- Não seja estúpido, Tora, esse cara tem problemas na cabeça. Ele não fala com ninguém há não ser aquela babá estúpida com cara de filhote de cachorro de quem o Kai está a fim. Mas ele...

O loiro fez uma pausa, perdendo o fio dos pensamentos e Tora teve que pigarrear para que ele continuasse.

- Ele me deixou ajudar a montar o quebra-cabeças dele, hoje. Acho que ele não faz isso com muita gente.

- Sabe Uruha... você já foi a fim de todos os tipos de pessoa – disse o moreno lentamente. – Teve aquele cara alto cheio de tatuagens e aquele outro que era ator de filme pornô. Mas um retardado mental realmente vai ser novidade pra mim.

Uruha lançou-lhe um olhar mortal e meio exasperado.

- Ah, quer saber, daqui pra frente só abra a boca pra pagar as minhas bebidas e pra gemer, combinado?!

- ...Combinado – Tora ainda estava se divertindo do ar irritado do outro quando parou em frente a um conjunto habitacional. Era um prédio grande, muito alto e muito largo, coberto inteiramente de janelinhas pequenas. Tora imaginava que não devia ser um lugar agradável de se morar, mas Uruha estava acostumado com aquele lugar da mesma maneira que estava acostumado a própria casa. Desceu e apertou um dos milhares do botõezinhos do painel de interfone.

- Quem é? – perguntou uma voz feminina grave e um tanto cansada.

- Oi, Akemi-san, o Kai está em casa? É o Uruha.

- Sim, eu sei... acha que depois de vinte anos eu não reconheceria sua voz, garoto?

Akemi-san era a mãe de Kai e ela nunca gostara particularmente de Uruha. Gostava ainda menos depois da coisa toda do assalto. Kai lhe dissera que foi realmente difícil convencer a mãe de que não estava com ele naquela hora e Uruha sabia que ela ainda estava um pouco desconfiada. Mas em geral ela estava ocupada de mais na fábrica pra prestar atenção as companhias do filho e Kai já deixara claro em suas atitudes que não romperia a amizade. Uruha gostava mais da avó dele, uma senhora simpática que cozinhava biscoitos de chocolate e onigiri com peixe melhor do que ninguém. Mas agora ela estava doente e o loiro fez uma anotação mental para se lembrar de ir visitá-la.

Ouviu Akemi-san gritar alguma coisa para alguém e então a voz de Kai se tornou clara.

- Uruha! Achei que você ia desmaiar hoje e só acordar amanhã!

- Pois é, o imbecil do Tora fez o favor de me acordar e já que estamos todos acordados, vamos sair. Você vem.

Não era um pedido. Mas Kai estava acostumado a esse tipo de tratamento.

- Eu estou de pijama. E sem grana.

- ...Você tem dinheiro, Kai. Esta dentro de um saquinho de papel junto com minhas barras de chocolate – Uruha tomou o cuidado de dizer tais palavras o mais baixo que a estática do interfone permitia. Kai ficou em silêncio por vários segundos.

- Mas você disse...

- Não estão mais atrás de você. Não me deixe ficar sozinho com esse imbecil a noite inteira, okay? Vista uma roupa bacana e desça, nós estamos esperando.

Mais vários segundos de silêncio e Kai finalmente resmungou algo como “me dê dez minutos”, e desligou.

Uruha voltou para o carro e ignorou os olhares lascivos de Tora, agradecendo por ele cumprir o que combinava. Não que Tora fosse uma pessoa desagradável, ele apenas tinha a profundidade emocional de um trasgo. Kai apareceu pouco depois vestindo um blazer branco sobre uma camisa escura e calças igualmente brancas, um cigarro preso aos lábios e um saquinho de papel apertado muito forte na mão. Abriu a porta traseira do carro de Tora e jogou o saquinho no colo de Uruha, enquanto entrava.

- Oi, Tora... toma. E eu comi um dos seus chocolates.

Tora olhou para o saquinho e em seguida para todo o dinheiro que Uruha estava tirando dele, exclamando alto enquanto ligava o carro.

- Então você estava mesmo naquele carro, Kai! Sabe, eu e um pessoal fizemos uma aposta e eu acabei de perder cinqüenta yenes.

Kai pareceu sem graça e se encolheu no banco traseiro, enquanto Uruha ria e abria uma das barras de chocolate, enfiando-a na boca antes de começar a contar o dinheiro.

- ...óma Hai, shua parthe – disse logo depois, separando metade do bolo de dinheiro e esticando o braço por cima da cabeça, para o banco de trás. Ainda tinha a barra de chocolate na boca, presa como um enorme charuto e por isso não estava conseguindo pronunciar direito as palavras. Kai pegou o dinheiro e guardou um pouco deprimido, mas Tora estava rindo.

- Tem uma boa grana aí... o que vocês pretendem fazer com ela? – perguntou, casualmente. Uruha respondeu na hora, mordendo a barrinha e mastigando silenciosamente.

- Eu vou torrar tudo em bebida e motéis, como sempre.

Kai hesitou um pouco, mas por fim respondeu, olhando pela janela.

- Acho que eu vou economizar. Por um bom tempo eu não quero saber dos planos mirabolantes dele – ele não chegou a apontar, mas Tora sabia que estava se referindo a Uruha.

- Achei que você ia querer gastar convidando a tal babá de quem você gostou pra sair.

Uruha riu baixinho e Kai corou intensamente.

- Uruha! Para de espalhar que eu estou gostando do Nao-san! Isso é uma mentira, Tora, não dê ouvidos a ele.

Mas Tora já assobiava e o encarava pelo espelho retrovisor.

- Do Nao-san?! Do no masculino?! Kai, Kai... eu sabia que esse cara aqui seria uma má influência pra você – e bateu com a mão espalmada na coxa de Uruha.

- Como se você fosse santo – rebateu o loiro, revirando os olhos.

- Se vocês só estavam a fim de transar, porque eu estou aqui?! – perguntou um Kai indignado, enquanto os outros riam alto e continuavam com comentários cada vez mais maliciosos. Uruha voltou a por metade do corpo para fora da janela, gritando.

- SATURDAY NIGHT FUN!! UHULLL!!

A noite estava prometendo.

-

Era dia alto, mas o sol ainda entrava fracamente pelas janelas cobertas por cortinas de veludo carmesim. Nao, sentado a mesa de jantar, esperando silenciosamente, estava preocupado. Era domingo, dia de Saga almoçar na mansão. Ruki contava que ele estivesse ali no almoço e seria trabalhoso convencê-lo a comer se o tutor não estivesse presente.

Ele olhou para Ruki, sentado a sua frente, o rosto baixo e inexpressivo, as mãos sobre o colo. Parecia que cada piora de Ruki era antecedida por uma presença mais duradoura de Saga-san; e Nao preferia não imaginar o que aquele homem de rosto perfeitamente frio e olhos cruéis poderia dizer para o menor quando ficavam sozinhos. O enfermeiro de fato não confiava nem um pouco nele, mas era ele quem assinava seu cheque de pagamento. Então se mantinha de boca fechada.

E o moreno também não gostava muito daquela mesa de jantar enorme. Seis lugares de cada lado, um vaso de flores frescas no meio e todas aquelas frescuras de quem tem dinheiro demais. Nao se lembrava, bem vagamente, de como era antes dos pais de Ruki morrerem naquele acidente de carro.

A casa era mais alegre, menos luxuosa e Ruki não era tão fechado. Mas isso fora há cinco anos, quando ainda nem era enfermeiro dele, só um estagiário meio bobo que não sabia o que fazer com as mãos. Agora ele era diferente. A convivência com o ‘poder’, talvez. E por ‘poder’ ele estava implicitamente pensando em Saga-san.

As portas de madeira de folha dupla se abriram e o ‘poder’ em si entrou na sala de jantar, falando ao celular com alguém. Nao não podia negar que ele fazia uma figura carismática e imponente, assim a primeira vista. Alto, esguio e muito pálido, com os cabelos cor de chocolate alcançando os ombros e intensos olhos escuros que pareciam dois poços de mistério. Ele falava sorrindo e seu sorriso era muito confiante. Seu modo de andar lembrava a Nao um lince sobre a neve. Sua maneira de se vestir sempre lembrava a última capa daquela revista metrossexual da qual esquecera o nome.

- ...Sim, senhor Tanaka, o senhor está absolutamente certo! Mas é claro. Claro que sim. Embora seja ainda melhor se o senhor investir parte desse dinheiro, digamos vinte por cento, nas nossas outras ações. A fábrica de autopeças é uma escolha ainda melhor. Ah sim, claro, podemos nos encontrar para discutir o assunto. É sempre um prazer, senhor Tanaka. Até amanhã.

Ele desligou o celular com um estalido e o brilhante sorriso branco foi substituído por um leve curvar de lábios e um ar superior.

- Esse idiota... – só então voltou os olhos para os dois rapazes que já estavam na mesa. Nao olhava para ele e Ruki continuava a olhar para o próprio prato vazio. Saga ignorou o enfermeiro e pousou uma mão de dedos longos sobre o ombro do loirinho. – Bom dia, Ruki-kun. Vejo que me esperou para comer outra vez. Acho que já podemos ser servidos então.

E era isso, sem um pedido de desculpas pelo atraso, sem um aparente constrangimento, nem nada. Nao estava acostumado aquilo – Saga gostava de tratar todos os seus inferiores como lixo e quase todo mundo era inferior a ele - mas ele tinha pena por Ruki. Saga-san era frio como uma geladeira com ele, ao menos quando Nao estava vendo e possivelmente quando estavam a sós também. E Ruki precisava de pessoas afetuosas ao seu redor.

Saga sentou-se na ponta da mesa, o lugar do anfitrião, e estalou os dedos para a camareira, que rapidamente começou a servi-los. Acabaram com o primeiro prato em absoluto silêncio e foi só quando já estavam na metade do prato principal que Saga voltou os olhos novamente para Ruki, que comia em pequenas porções e mastigava cuidadosamente.

- Alguma coisa que queira me contar?

Ruki pregou os olhos com mais força em sua comida. Era interessante como aquele pedaço de carne brilhava devido ao óleo e ao molho do lado de fora, mas permanecia opaca onde ele dera uma mordida. Dava pra sentir o olhar do Saga-sama esquentando seu rosto e ele sabia que tinha que responder, mas sempre ficava nervoso na frente de Saga-sama. Porque ele podia ser castigado por não responder e isso o fazia esquecer as palavras. Mas ele tinha que responder, tinha! Tinha!

- Não.

Saga continuou olhando-o, sem pronunciar mais nenhuma palavra por vários minutos. Nao sentia como se ele estivesse avaliando Ruki. Avaliando como fazia com qualquer uma daquelas obras de arte caras que comprava para decorar a mansão.

- Não mesmo? Como foi ontem no Circe?

Ruki estava resistindo ao impulso de se balançar. Antes ele não conseguia controlá-lo, mas agora já podia se ordenar a não balançar o corpo. Não era normal. E Saga-sama queria que ele fosse normal. Sim, queria. Reita-san e Nao-san também queriam e ele estava se esforçando bastante. Parecia que só aquele homem com rosto de anjo não ligava pra isso. Mas aquele homem era mal educado.

- Bem.

- E como está a comida hoje?

- Boa.

- Ótimo.

Saga voltou sua atenção para a própria comida, como se já tivesse cumprido com a própria obrigação. Só então Nao achou prudente se manifestar.

- Ele montou um quebra-cabeças de seis mil peças ontem, sozinho.

Ruki deixou seus hashis caírem e se abaixou para pegá-los, nervoso por ter feito uma coisa errada. E por não ter feito o quebra-cabeças sozinho. Ele tivera ajuda daquele homem mal educado. Saga voltou os escuros olhos cruéis para Nao.

- Eu prefiro que ele me responda a essas perguntas por si mesmo, Naoyuki. Ele não fará progressos se houver alguém falando por ele.

- ...Desculpe – Nao baixou o rosto e levou um pouco de macarrão a boca, corado. Mas era mais de raiva do que de vergonha. Como é que Saga esperava que ele melhorasse agindo daquele jeito?! Como uma dama de gelo ou algo assim...

Ruki agora cutucava o próprio macarrão nervosamente. Por fim ele abriu a boca, fechou e tornou a abrir para falar hesitante, numa voz bem baixa.

- Eu não fiz sozinho.

Nao ergueu os olhos para ele.

- ...Fez sim, eu estava lá vendo – disse ainda mais hesitante.

- Não. Ele ajudou.

- Quem ajudou, Ruki-kun? – perguntou Saga com uma voz suave como brisa.

- O homem mal educado do parque, com cara de anjo. Ele ajudou. Ele colocou três peças nos lugares. Nao-san estava na cozinha. Ele...

Mas sua voz foi ficando mais fraca e ele simplesmente parou de falar, levando mais uma pequena porção do macarrão aos lábios. Nao havia erguido uma sobrancelha.

- O Uruha-san?! Ele ajudou você?

Ruki levou alguns segundos para assentir, ainda em silêncio.

- Ora, que pessoa agradável... – resmungou Nao, ironicamente e Ruki balançou a cabeça negando.

- Não, ele é mal educado. Mas ele pediu desculpas. E me ajudou a montar... montar o quebra-cabeças. Eu não entendi... por que ele pediu desculpas. Não entendi.

Saga olhava de um para outro e por fim perguntou em sua voz perfeitamente controlada.

- Quem é, afinal, este Uruha?

Nao hesitou um pouco antes de responder.

- Ele está no Circe cumprindo pena, serviço comunitário. Acho que assaltou uma loja com uma arma descarregada ou algo assim.

- E você sabe por que ele pediu desculpas a Ruki? – continuou, sua mão novamente pousando sobre o ombro do loirinho possessivamente, enquanto esse parecia lutar fortemente para não se esquivar ao contato.

- Bem, provavelmente por causa do parque. Há umas duas semanas ele encontrou Ruki desenhando no parque e pediu cigarros e... bem, ficou um pouco irritado por ser ‘ignorado’. Provavelmente ele foi preso naquela noite mesmo.

- Hum... entendo. Escute, Ruki-kun... não fique muito perto desse homem outra vez, está bem? Ele não é uma boa pessoa, não é um bom amigo para você.

Ruki novamente apenas balançou a cabeça concordando e voltou a comer em silêncio. Nao, por outro lado, estava mordendo a parte de dentro da bochecha para não dizer alguns insultos ao patrão.

Se Ruki se dispusera, voluntariamente, a deixar que outra pessoa o ajudasse, isso devia ser incentivado! Mas, aparentemente, Saga-san queria ter certeza de que Ruki permaneceria protegido apenas por ele. Esse era o motivo principal pelo qual o enfermeiro sentia tanto desgosto de ter Sakamoto como patrão, porque este encarava Ruki como uma posse. Valiosa e frágil, um vaso de porcelana talvez. Mas sempre como uma posse.

Ruki voltara a se perder, observando seu pedaço de carne.

-

Uruha acordou com um sol forte no rosto e franziu os olhos tentando se esquivar dele. Maldição de sol, o acordando àquela hora da tarde... tarde?! Uruha abriu os olhos de uma vez e olhou em seu relógio de pulso – a única coisa que ainda estava usando no corpo - e pulou da cama imediatamente. Ele tinha que estar no Circe quatro horas atrás! Começou a vestir as calças meio aos tropeços, se perguntando que raio de lugar era aquele, quando ouviu um resmungo baixo vindo da cama.

Virou-se e deu de cara com Tora, nu e enroscado nos lençóis cor de creme, observando-o com apenas um olho aberto.

- Uruha... volta pra cama pelo amor de Deus...

- Eu preciso... trabalhar... – ofegou, enquanto tentava alcançar a própria blusa presa no lustre.

- ...É domingo, Uruha. Você não precisa trabalhar no domingo.

Uruha parou com o braço esticado acima da cabeça e os cabelos bagunçados, então olhou novamente para o moreno na cama. Tinha esquecido que era domingo. Realmente não precisava trabalhar como um camelo no domingo... podia descansar. Ou fazer algo ainda melhor que descansar.

- Onde nós estamos? – perguntou, fazendo as calças novamente deslizarem pelas pernas roliças, perfeitas. Uruha tinha um orgulho particular de suas próprias coxas, pois eram elas as principais responsáveis por sua fama impudica. Observou Tora abrir o outro olho e se endireitar na cama.

- Não reconhece, Uruha?! Que decepção... foi aqui que fizemos pela primeira vez...

Uruha riu, andando a passos lentos e calculados de volta para a cama larga.

- Como é que eu poderia me lembrar, se você me embebedou até as portas do coma alcoólico?

- Você estava difícil... com aquele negócio do moreno bonitão – respondeu o outro, sorrindo de canto.

- E eu devia ter sido mais difícil com você, porque você não passa de um bastardo pervertido – Uruha agora engatinhava por sobre os lençóis, se aproximando com um leve sorriso.

- É por isso mesmo que nós combinamos tão bem, Uruha... somos idênticos.

O loiro riu, passando uma perna por sobre as pernas do moreno e sentando no colo dele, com apenas um lençol separando sua pele da dele.

- Sabe, se eu continuar transando com você, vou começar a acreditar que temos um tipo de relacionamento – o loiro fez uma careta de nojo.

Tora agora envolvia a cintura dele com as mãos e sorriu ao comentário.

- Então já que essa vai ser nossa última vez, vamos fazer dela inesquecível...

Risadas e gemidos se intercalaram tarde afora.

oOo

(1) Acertou quem disse que essa musica é Black Cherry, da rainha desnuda Koda Kumi.

(2) Visual de Guren. Desculpem a descrição podre

(3) Time is Dead, do Luna Sea, porque o Gazetto todo teve influencia do Luna Sea.


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