Kaleidoscope - Um Mundo só Seu escrita por Blodeu-sama


Capítulo 2
Cap. II – Open 24 hours


Notas iniciais do capítulo

Música (links no profile): Breaking the Habit - Linkin Park



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Uma caminhonete azul escura parou em frente a uma loja de conveniências, o relógio luminoso no painel mostrando ser uma hora e dezessete minutos da madrugada. Voltara a chover gotículas geladas e esparsas; e o céu escuro estava coberto de nuvens arroxeadas. Kai segurava o volante com força o bastante para que os nós de seus dedos estivessem brancos e olhava fixamente para frente.

Uruha, ao seu lado, observava o lugar onde entraria por entre as portas de vidro. Vestia um casaco mais quente e largo, com capuz e bolsos grandes, junto com óculos escuros apesar da hora tardia. Ao contrário do colega ao lado, parecia completamente relaxado, como se só fosse entrar para pedir um café.

Lá dentro, ele via duas pessoas. Uma mulher idosa andando entre as prateleiras com uma pequena cesta de plástico nas mãos, apenas o topo branco da cabeça visível enquanto andava. O outro era um homem troncudo no balcão, olhando hipnotizado para uma TV pendurada no teto. Um letreiro em néon piscava o tempo todo preso a porta de vidro. “Open 24 hours” em vermelho, verde e azul.

Kai se virou para ele.

- Tem certeza de que quer fazer isso?

- Vai se acovardar agora, Kai?

O moreno suspirou e balançou a cabeça em negativa. Ele precisava do dinheiro.

- Ótimo – murmurou o maior. Do bolso do casaco, puxou uma automática 24, a prata reluzindo em colo, refletindo as cores da placa na porta da loja. Estava descarregada, o que tornava todo o assalto um mero blefe gigantesco e arriscado. Era uma arma pesada, grande e por mais que Uruha não admitisse, fazia suas mãos suarem frio. Podia sentir o cérebro bombeando jatos de adrenalina em seu corpo, como se estivesse em uma montanha russa e fazendo sexo ao mesmo tempo. E era muito difícil se manter calmo, sem estremecer ou começar a gargalhar insanamente.

Ele adorava a sensação.

Guardou novamente a arma no bolso e ergueu a mão para puxar o espelho retrovisor para si. O que viu no espelho foi seu rosto meio coberto por um par de óculos ray-ban de lentes bem escuras, poucos fios de cabelo loiro escuro saindo por baixo do capuz negro. A boca, ainda mais rosada, sorriu para o reflexo. Até mesmo o carro em que estavam era uma transgressão, pois Uruha o “pegara emprestado” do pai em sua garagem de carros usados e a placa encaixada na frente era fabricada por ele mesmo. Era um carro potente, perfeito para fugas rápidas.

Uruha respirou fundo e abriu a porta.

Seus passos eram firmes e seguros. Ele abriu a porta da loja de conveniências para a velhinha que estava saindo e chegou a sorrir simpaticamente para ela. “Esse bastardo sabe atuar”, pensou o moreno no carro, olhando o gesto com um meio sorriso. Uruha era para ele um tipo de primo rico sem grau de parentesco e um de seus únicos amigos verdadeiros, apesar de toda a atitude arrogante do maior não demonstrar isso.

Kai sabia que Uruha fazia aquilo pra se sentir vivo, após ter sido criado em uma família de ‘burgueses hipócritas’, nas palavras do próprio Uruha. Kai fazia simplesmente porque o dinheiro do trabalho na lanchonete não era o suficiente, agora que sua avó adoecera e não podia mais costurar para fora. Era bom ter alguém como Uruha por perto, pois Kai nunca conseguiria arquitetar planos criminosos sozinho. Era muito correto para tal.

Uruha andava pelas prateleiras agora, ambas as mãos nos bolsos do casaco, olhando distraído para os produtos. Parou em frente a máquina de milk shake e encheu um copo para si, tomando-o pelo canudinho devagar. Voltou a perambular pelas prateleiras, olhando-as, mas Kai sabia que por baixo dos óculos estava observando o atendente parrudo, tentando adivinhar se de baixo daquele balcão havia alguma arma. Kai poderia apostar que sim, mas daria a mão direita para que não houvesse nenhuma. No meio do caminho, Uruha pegou alguns chocolates em barra e se postou diante no balcão.

O homem mal desviou os olhos quando Uruha colocou os chocolates e o copo de milk shake a sua frente. Seu time estava perdendo e o lance era crucial. Murmurou um valor para o cliente sem despregar os olhos da TV e, portanto, só viu o cano da arma quando este já estava quase encostado em sua têmpora.

- Abra a caixa registradora devagar – disse o rapaz em voz baixa e grave, as duas mãos apertando o punho da automática, um sorriso meio psicótico no rosto. – E me deixe ver suas mãos o tempo todo ou eu estouro seus miolos.

Para o loiro, aquilo era uma novidade incrível! Podia sentir o coração palpitando, bombeando sangue para os ouvidos, as mãos suadas e os braços ameaçando ceder ante o peso da arma. Como se tivesse smufs dançando dentro de sua caixa torácica. Podia sentir um calor absurdo no rosto, no peito e um frio congelante nas mãos. Era excitante, completamente excitante. Deus, como era excitante!

O atendente virou o rosto impassível devagar e apertou um botão fazendo a caixa registradora se abrir, sem dizer uma palavra. Pelos gestos, Uruha notou que não era o primeiro assalto daquele homem.

- Ponha todas as notas num saco de papel – disse ameaçador, o cano da arma quase encostado a testa do sujeito, bem entre os olhos. – Deixe as moedas.

O homem assentiu com a cabeça, deixando uma gota de suor lhe escorrer pelo rosto. Pegou um saco de papel usado para colocar os produtos comprados e tirou as notas da caixa, seção por seção, colocando-as no saco, com as mãos bem a vista, os olhos fixos nas lentes escuras do ray-ban. Quando terminou, tentou empurrar o saco devagar para o assaltante, mas Uruha o impediu.

- Esta esquecendo os chocolates – a voz gravemente suave fez o homem rapidamente enfiar as barras de chocolate dentro da sacola também. Então empurrou o saco de papel pelo balcão em direção a Uruha. Este primeiro tomou mais um gole do milk shake, o sorriso ameaçador no rosto, a mão direta firme segurando a arma bem rente a testa do sujeito. Então largou a bebida e pegou o saco, afastando-se de costas com a arma apontada para o homem.

- Nada de alarme, nada de polícia, ou eu volto pra atirar na sua cabeça – disse. Claro que não ia voltar ali nunca mais, iria evitar passar perto se pudesse, mas bancar o assaltante malvado estava literalmente fazendo sua endorfina queimar seu cérebro com sensações de prazer bem próximas as do sexo. Ofegava pelas narinas, os dentes a mostra, cerrados. O corpo bateu de leve em uma pilha de revistas, e por um segundo de distração, Uruha olhou para trás.

Kai pulou no banco da caminhonete quando viu o atendente abaixar-se rápido como um gato e voltar a emergir segurando um rifle enorme nas mãos, estilo americano, carregado. Ligou o carro outra vez, gritando.

Uruha se virou para ver o cara acabar de lhe apontar um monstro idoso em armas de fogo e só teve tempo de se abaixar antes que um projétil do tamanho de um dedão passasse raspando por cima dele e abrisse um buraco na prateleira de camisinhas. Protegendo a cabeça com ambos os braços, se jogou no chão e engatinhou por entre os produtos espalhados, em direção a saída.

Mais um barulho de rifle sendo engatilhado e em seguida Uruha foi coberto de cacos de vidro e vodka barata, quando o projétil acertou a prateleira de bebidas. Conseguiu erguer o corpo e disparou para a saída o mais rápido que podia, meio aos escorregões pelo chão molhado e coberto de vidro quebrado. Ao empurrar as portas da frente ouviu o barulho alto de um alarme de roubos, estridente a ponto de doer os ossos e cobriu a distância entre a entrada e a caminhonete em praticamente dois pulos, jogando-se para dentro da porta que Kai mantinha aberta para ele, também abaixado.

- CORRE! – gritou, puxando a porta da caminhonete ainda sem ter entrado direito nela e Kai pisou no acelerador com tudo, cantando pneus. Uruha cambaleou e conseguiu fechar a porta, olhando para trás o homem parrudo ainda recarregar aquela “coisa” mais uma vez e tentar acertar nos vidros traseiros, gritando algo sobre trombadinhas e ladrõezinhos de merda.

- ...AAAAAAAAAAAAAAHHHHHH!!UHUUUULLLLLLLLLLLL!! CORRE, KAI, CORRE!

- EU TO CORRENDO! – ao contrário da voz completamente extasiada de Uruha, Kai estava gritando por puro desespero, enquanto costurava entre os carros da avenida. Parecia que ia bater a qualquer momento, sentia isso. Suas mãos, braços, pernas, tudo tremia.

- AAAAHHHH!! Deve ter uns setecentos mil yenes(1) aqui Kai!! Nada de bolsinhas de velhas pobres agora!! HAHAHAHAHAHA!!

- VOCÊ TA ME ASSUSTANDO! – Kai já pouco ligava se houvesse dois trilhões de yenes naquele saco de papel. Estava ouvindo sirenes policias, e elas estavam se aproximando – AIMEUDEUS, AIMEUDEUS, AIMEUDEUS!!

Uruha, que jogara os óculos no banco de trás e agora estava de olhos fechados, mordendo o lábio inferior, quase gemendo, abriu os olhos um tanto desgostoso por ter sido interrompido em seu momento de adrenalina máxima. Colocou o saquinho em cima do painel e pegou o volante.

- Sai daí, Kai, você vai acabar batendo assim!

Kai o olhou, completamente branco, paralisado, então jogou o banco para trás enquanto Uruha mantinha os olhos na avenida, desviando dos carros e virando. Então, quando havia espaço livre o suficiente para Uruha se meter entre Kai e a direção, ele pulou e assumiu os pedais também, enquanto um perfeitamente apavorado Kai deslizava para o banco de carona.

Uruha virou em uma rua paralela e se enfiou em ruas entre prédios baixos e casas de bairro pobres. Dirigia com apenas uma mão no volante, a outra apertava a coxa como se estivesse se impedindo de apertar outro lugar. Kai olhou para ele.

- Você tá legal? – perguntou ofegante, olhando para um pequeno corte no supercílio do amigo e em seguida para um reflexo de sirenes policiais.

- Eu tô ótimo! PERFEITO! ...Merda!

Uma viatura estava se aproximando, rapidamente, surgida do nada. Aquelas ruas eram estreitas de mais para aquela caminhonete. Uruha virou mais duas ou três, despistando rapidamente o policial que o seguia e parou derrapando em uma viela escura, jogando o saco de papel no colo do amigo.

- O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?! – perguntou o moreno, em desespero.

- Desce! Eu te encontro em casa depois!

Kai ainda o olhou um tanto apavorado por um segundo ou dois, então agarrou o saco de papel, abriu a porta e desceu correndo, sumindo entre as sombras e o fog causado pela chuva. Uruha voltou a arrancar.

Havia entrado sem querer em uma armadilha. Aquelas ruas eram estreitas e confusas; e embora fosse fácil despistar carros ali, também era fácil se perder e acabar tendo que diminuir a velocidade. Podia ouvir sirenes vindas de todos os cantos, sentia-se cercado.

Virou uma rua estreita e avançou, os vidros retrovisores quase raspando nas paredes dos prédios ao lado. Porém ao tentar virar uma outra esquina vagamente visível no fim desta ruela, descobriu que era estreita de mais para carros. Estreita de mais para uma caminhonete daquele tamanho. Arrancou o capuz da frente dos olhos e virou o corpo para trás, dando ré com força o mais rápido que podia, aquela rua parecendo ter se transformado em um túnel com uma vaga luz na saída, as sirenes se aproximavam...

Um carro preto e branco despontou no lugar por onde Uruha pretendia sair, fazendo muito barulho estridente. Ele freou bruscamente, cantando pneus e considerou tentar passar por aquela viela lá na frente. Mais uma viatura se interpôs em seu caminho da liberdade, logo atrás da primeira e outras estavam se posicionando, pelo que via.

Notou que apertava a arma fortemente na mão direita, enquanto olhava uma dúzia de policiais descerem e se posicionarem atrás das viaturas, com suas próprias armas apontadas para ele.

Pela primeira vez na noite, teve medo de verdade.

- ...Merda... merda! – murmurou para si mesmo, escorregando o corpo para se esconder atrás do banco.

- SAIA DO CARRO COM AS MÃOS PARA CIMA!

Uruha baixou a cabeça e tentou se bater com a coronha da arma. Mas não tinha coragem de macular seu rosto perfeito com esse tipo de ferimento. Sua cabeça estava a mil. Pelo menos Kai havia escapado com o dinheiro.

- SAIA DO CARRO COM AS MÃOS PARA CIMA!!

O loiro riu, um tanto desesperado e segurou a arma pelo cano. Lentamente esticou o braço para fora e quando não houve tiros tentando acertá-lo, largou-a e ela caiu no cimento com um barulho seco. Abriu a porta e desceu lentamente, de costas para os policiais, ambas as mãos abertas e elevadas acima da cabeça, os olhos fechados, os dentes cerrados ainda naquele sorriso psicótico.

Podia sentir as gotículas geladas em cada parte de seu corpo. Tinha até mesmo se esquecido que estava chovendo. Ergueu o rosto para recebê-las com os olhos fechados, agradecido pelo cheiro fresco da chuva...

Em menos de dois segundos três homens armados e uniformizados o alcançaram, forçando-o com brutalidade a se ajoelhar e algemando seus pulsos acima na cabeça. Um quarto pegava a arma e ainda dois se precipitavam para o carro, encontrando-o vazio. Forçaram Uruha a se levantar, violentamente e alguém leu seus direitos, fazendo-o rir pelo nariz. Depois forçaram sua cabeça para dentro da viatura e bateram a porta com força.

Ele olhou pela janela, para a caminhonete azul escancarada e vários homens procurando até em baixo das rodas pelo dinheiro ou pelo cúmplice. Quase molestando o carro com suas atitudes brutas de poder.

- ...Meu pai vai me matar... – resmungou para si mesmo. O policial que o acompanhava riu com gosto.

(1) Da quase 600 dólares americanos, acho. Não é muito, mas em carteiras de velhinhas deve ter menos ainda XD

oOo


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Notas finais do capítulo

N/a: Açãozinha báááásica XD Perdoem se não ficou claro, eu não sou nenhuma especialista em perseguições policiais. Ah sim, como eu ainda estou escrevendo, vou me basear nas reviews para decidir o rumo da história. Portanto, palpitem bastante.



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