Cartas escrita por julietstrange


Capítulo 2
Amigos




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Passara a madrugada em claro outra vez. Conseguira escrever tudo o que queria e ainda sobrara mais algumas horas antes do pai se levantar para trabalhar. Tentou dormir mas só conseguiu fingir. Entre 8:00 e 10:30 perdera a consciência. Quando recobrou-a, todos já aviam saído. Era hora de fazer uma visita às pessoas que tiveram um pouco de consideração por ela. Não sabia dar valor a eles, mas reconhecia o quanto eles eram especiais.

Vestiu a primeira calça jeans e blusa que encontrou no armário. Pegou uma toca e pôs na cabeça. Não se deu ao trabalho de se olhar no espelho. Sabia que não estava com boa aparência. Pegou as cartas, colocou-as na mochila e saiu.

A primeira parada foi o correio. Duas cartas foram mandadas. Depois, dirigiu-se até uma porta que daria numa escada. Dessa vez, não gritou o nome dela. Apenas empurrou as cartas para debaixo da porta. Faltava apenas uma. Andou mais um pouco até um portão de madeira. A campainha era muito alta, mas não precisou pular para alcançá-la. Colocou a carta na caixa de correio e saiu.

A cidade estava cheia de gente falante, indo e vindo. Ela não olhava para os lados, apenas para o chão, vez ou outra para o céu azul de primavera. Tudo era incolor e sem graça. Esbarrava nas pessoas sem rosto. Eles reclamavam, mas ela não ouviu nada. E essas sensações não eram nenhuma novidade. Não se lembrava como se sentia antes. Era tudo muito apático.

Chegou em casa aproximadamente 13:45. Deixou a mochila no chão do quarto, pegou um envelope com as ultimas cartas, a lâmina que usava para cortar o cabelo e se trancou no banheiro. Dessa vez olhou se no espelho. Deu um meio sorriso sarcástico. Estava radiante com o que ia fazer. Pensou em como planejara tudo em uma noite. Sempre fora muito calculista e metódica. Nunca se permitiu surtar, e ela ficava à beira de ataques de nervosismo com muita freqüência. Não gostava de perder o controle. O máximo que conseguia era chorar sem motivo, como que para expulsar o peso que sentia. Mas ela não sentia a leveza quando parava. Era como se nada tivesse acontecido. Como se as lágrimas derramadas fossem invisíveis.

Procurou a jugular e posicionou a lâmina no pescoço. Rápido e sem hesitar, como uma bala. O sangue era abundante e ela logo ficou com sono. O corte ardia, mas realmente não sentia dor. Encostou-se na porta e ficou tonta. Viu cores bonitas e formas diversas. Caiu no chão e deu seu ultimo suspiro.

Para: Kiira.

Eu gostaria de ter te conhecido pessoalmente. Mas sempre que surgia uma oportunidade surgia também um empecilho. Gostei muito de nossas conversas.

Foi maravilhoso estar uma hora por dia ao seu lado, mesmo que figurativamente.

Imagino que já saiba o que fiz. Não pense que você poderia ter feito algo para impedir. Essa decisão foi minha, talvez uma das poucas decisões realmente minhas.

Estou lhe mandando, junto com esta carta, um desenho que eu tinha feito algum tempo atrás. Estava pensando em te entregar pessoalmente, mas nem tudo que planejamos acontece.

Você foi a minha irmã perdida.

Obrigada por ter me ajudado, por ter me ouvido.

Adeus.

Para: Nanda.

Você soube de tudo. Dos meus problemas, dos meus medos e angustias.

No início eu era apenas mais um contato do messenger. Conversamos e eu gostei de você, muito. Queria saber coisas de você, mas eu tinha vergonha. Depois de um tempo, conversávamos sempre e ficamos muito amigas.

Ouve um incidente e você desapareceu por um mês. Eu me lembro porque foi o mês mais difícil para mim. Minhas alucinações pioraram e eu não conseguia trabalhar. Fiquei obcecada por você. Não conseguia relaxar por três minutos. Tudo me lembrava você. Não sabia destingir meus sonhos porque a imagem que eu tinha de você era muito nítida, mesmo eu não sabendo como você era. Nunca tinha visto uma foto sua. E quando você voltou, meu coração disparou.

O Luis me encontrou uma vez, quando eu estava indo para casa e me disse que eu estava com cara de apaixonada. Sim, eu me apaixonei por você. Gostar de garotas não era nada novo, mas eu nunca me apaixonei de verdade. Fico feliz que tenha sido por você.

Ficamos de nos ver. Eu me perdi, cheguei atrasada, mas tudo foi recompensado quando te abracei. Você não era muito diferente de como eu havia imaginado. Nunca irei esquecer esse dia.

Depois de um tempo minhas alucinações tomaram um rumo diferente. Elas sempre te atacavam. Uma vez eu me obriguei a acordar porque o sonho tomou proporções horríveis.

Você sabe que eu nunca esperei nada de você. Sei que é comprometida e que está feliz com ela. Isso nunca foi um peso, até eu ter esses pesadelos. O que eu sentia era amor e eu não sabia lidar com isso. Nada mais de sorrisos bobos e olhares apaixonados. Eu comecei a sofrer por isso também. Mas não se sinta culpada.

Você está autorizada a ler meus diários. Minha irmã vai entregá-los. Passe eles para a Kiira, por favor.

Eu agradeço sua compreensão e consideração com meus sentimentos. Você sempre me surpreendeu. Você é forte. Desculpe por não estar tentado viver com você no mundo virtual. Eu amei muito essa vida, onde só existiam flores.

Obrigada e adeus.

Para: Kitty.

Antes de começar, eu gostaria que você entrega-se a outra carta para Anne. Perdemos contato e eu não tenho mais tempo de procurá-la.

Sinto muito não ter entregado esta carta pessoalmente, te dado um abraço e ter dito as coisas diretamente a você. Você vai ficar brava e chateada. Mas você está certa, sempre esteve. A verdade é que eu não conseguiria te encarar com o que eu tinha em mente. Você provavelmente me diria mil coisas para desistir. Acredito que duas delas eu concordaria com você. Mas são dois motivos para viver, milhares para morrer.

Você agüentou minhas mudanças de humor. Mesmo elas sendo mínimas, você notava tudo.

No começo, vivíamos brigando. Nossas opiniões eram, e ainda são diferentes. Discutíamos por tudo, mas sempre respeitávamos a outra.

Acho que você não sabe, mas você me salvou uma vez. Eu era nova, estava a ponto de desistir quando te conheci. Estava isolada. Sua amiga conversava com uma colega da minha sala e você estava ao lado, longe e calada. Depois daquela vez eu comecei a planejar uma conversa com você. Sim, eu sempre planejava as coisas. Só não planejei que teríamos tanto em comum.

Você me mostrou que a vida pode ser flores e dores ao mesmo tempo. Eu não distinguia qual dos dois prevalecia na minha. Naquele momento eu não distinguia muitas coisas.

Depois de um tempo eu comecei a me afastar de você. Minha depressão tinha voltado mais forte, mas eu não queria perder o que tinha conquistado em dois anos. Te entreguei meu diário. Eu não conseguia mais te contar as coisas. Me sentia presa e toda vez que você dizia que eu estava distante, um abismo surgia e eu me fechava ainda mais. Com o diário em suas mãos pude compartilhar meus pensamentos novamente.

Agora, nos separamos definitivamente. Mas ainda existem diários a serem lidos. Por você, pela Anne, pelo Luis, pela Nanda e pela Kiira. Você não conhece a Nanda, nem a Kiira, mas elas são de confiança. A Carry irá fazer com que os cadernos cheguem até elas.

Obrigada por tudo.

Adeus.

Para: Anne.

Oi, querida.

Você sumiu. Uma pena eu ter realmente sumido antes de te dar um abraço.

Nós sempre riamos do nada. Por motivos quaisquer. Sempre arrumávamos um jeito de deixar o Luis sem jeito.

Com a mesma facilidade que tínhamos de contar coisas engraçadas, contávamos nossos problemas. Uma sempre ouviu a outra. Eu fui a primeira a saber que você gostava de garotas e garotos. Sempre fomos muito abertas com isso, você mais do que eu. Mas eu sempre confiei em você. Se houve alguma coisa que eu não disse foi porque eu não sabia como dizer. Toda vez que eu via seu olhar taciturno eu sentia vontade de te pôr num pote de vidro e te proteger do mundo.

Nesse tempo afastadas, eu sempre dava um jeito de te contatar. Mas é difícil achar uma pessoa ocupada. Trabalho e mais trabalho. E eu me esqueci do seu endereço.

Pode pegar os meus diários com a minha irmã. Será como antigamente, sem é claro eu pegar o seu emprestado.

Não chore, ok?

Obrigada por tudo.

Adeus.

Para: Luis.

Eu estive com saudade esses dias. Você estava sempre ocupado e eu também não tinha muito tempo de te fazer uma visita.

Você me abraçou quando eu precisava. Me deu as broncas certas nos momentos certos. Soube de coisas sobre mim mesmo antes de eu percebê-las. Você foi meu amigo e meu irmão. Às vezes o mais novo, às vezes o mais velho. Não tínhamos vergonha de admitir que sentíamos ciúmes um do outro porque era tudo muito natural. No começo, faziam piadas. Ninguém nunca entendeu o tipo de relação que tínhamos. No começo você tentava explicar, mas isso cansava. Eu nunca liguei muito para isso então eu apenas ignorava.

Suas pretendentes me odiavam. Eu nunca te disse isso, mas uma vez, uma delas veio me chantagear. Eu ri. Depois você saiu com a amiga dela e eu ela mudou o objeto de ódio. Tudo muito engraçado. Engraçado até eu achar aquilo mais um aborrecimento. Era muito chato ser alvo de ameaças, mesmo eu sabendo que aquele veneno era inofensivo.

Acho que agora elas ficarão felizes. Ou talvez sintam algum tipo de remorso. Nunca entendi essas garotas. A maioria vai se aproveitar da situação, com certeza. Então senhor Luis, abra os olhos.

Espero que encontre uma boa garota. Você pode ser muito requisitado por elas, mas não consegue ter um relacionamento bom. Pare de procurar a garota perfeita. Ela não existe, você sabe.

Sucesso e obrigada por tudo.

Adeus.


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