Enquanto Ren voltava da LME onde fora proteger os interesses de Kyoko, ela continuava “presa” no restaurante do senhor Fuwa, de costas para Sousuke que parecia estar numa filha, à espera da sua vez.

- Desculpe, se ainda vai demorar muito, pode deixar-me só perguntar uma coisa? – perguntou Sousuke fazendo Kyoko arrepiar-se – É rápido.

Sem dizer nada, Kyoko afastou-se até a um canto e puxou o capucho ainda mais. Decidiu não chamar a atenção ao sair agora. Quando Sousuke saísse ela poderia sair sem se preocupar.

- Não sabe se a Marisa vem trabalhar hoje? – perguntou Sousuke – Ou quando é que ela vem trabalhar?

- Desculpe, ela está de folga, agora. – respondeu a mulher obviamente nervosa.

- Ah, então sabe onde é que ela vive? – insistiu Sousuke – Já que aqui estou, gostava de visitá-la.

Para o observador, Sousuke, o erro da senhora tinha sido desviar o olhar para Kyoko durante alguns segundos antes de lhe responder. E a forma como a rapariga anuiu a cabeça à pergunta dele.

- Eu não sei onde é que ela mora mas sei onde é que ela pode estar agora. – respondeu a senhora – Há um bosque perto daqui. Ela costuma passear aí.

Aí não!!! Gritou Kyoko mentalmente. Era aí que tinha todas as memórias com Kuon. Não podia deixar que um idiota como o Sousuke estragasse isso. Tinha que sair dali, trocar de roupa e apanhá-lo antes que ele descobrisse o lugar mágico à beira rio.

- Então vou tentar a minha sorte aí. – decidiu Sousuke, olhando outra vez para Kyoko que tinha ficado tensa – Muito obrigada. – devagar, ele afastou-se do balcão e aproximou-se de Kyoko – Desculpe por ter interrompido a sua conversa.

Quando ele lhe pôs uma mão no ombro, ela quase saltou mas impediu-se de fazê-lo mesmo a tempo. Porque é que ele não se limitava a desaparecer dali!

Naquelas alturas, era sempre Ren que a salvava mas não havia hipótese de isso acontecer agora. Agora, era com ela.

Com um gesto com a mão que queria dizer “Não faz mal” Kyoko esperava que Sousuke fosse embora mas ele não saiu do mesmo lugar.

- Deixe-me pelo menos pagar-lhe uma bebida. – propôs Sousuke vendo-a abanar a cabeça logo a seguir. Quase sorriu ao ver a pequena saca de papel na mão dela. Aquilo estava a ser fácil demais – É familiar da Marisa?

Kyoko precisou de alguns segundos para perceber que ele se referir à saca que ela tinha na mão. Engoliu um praguejo que queria sair e tentou engrossar a voz para disfarçar a dela e não se parecer com a de Marisa.

- Sou a namorada do irmão dela. – respondeu rapidamente e rezou para que fosse o suficiente para desfazer a sua curiosidade mas ele nem sequer deu um passo.

- Ah, estou a ver. Isso é uma coincidência maravilhosa. – Sousuke aproximou-se mais dela – Talvez me possa levar até ela.

Kyoko prendeu a respiração quando ele esticou a mão para lhe tirar o capucho e conseguiu esgueirar-se mesmo a tempo. Aliás, estava mesmo a sair da loja quando ele a agarrou pelo braço.

- Não gosto que as pessoas não me olhem nos olhos quando estou a falar com elas. – disse Sousuke.

Por um par de segundos, depois de a puxar para ela se virar, Sousuke conseguiu ver a cara chocada dela.

Isso foi antes de levar um estalo que o deitou ao chão. E ela saiu a correr a sete pés.

No entanto, ao pôr uma mão na bochecha vermelha, era um sorriso vitorioso que estava nos olhos lábios dele.

- Olhos âmbar, huh?

…

Kyoko chegou a casa e começou a entrar em pânico.

Atirou a casa de papel para cima do sofá, enquanto começava a andar de um lado para o outro e tentava controlar a respiração.

- Ok. – Kyoko parou e respirou fundo três vezes – Ok, ok, ok, ok, ok, ok, ok, ok, ok. Ele não conseguiu ver nada. Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.

A prioridade era mudar de roupa e ir ter com Sousuke ao bosque.

E onde é que estava Ren?!!!!!

Olhou para o pequeno bilhete em cima da mesa e quase lhe apeteceu gritar ao lê-lo.

“Kyoko,

Tenho que ir à LME. Volto daqui a algumas horas.

Beijos”

Que beijos, que quê!? Precisava dele agora!!!! E o que é que ele tinha ido fazer à LME? Não estavam de férias? Será que ele sabia o significado de férias?

Do outro lado do papel, Kyoko escreveu um recado para Ren:

“Ren,

O Sousuke apareceu no restaurante.

Preciso que vistas alguma coisa diferente e vás até ao bosque como namorado da Marisa o mais rápido possível.

Beijos,

Código vermelho”

O mais rápido possível, Kyoko pôs as lentes de contacto, a peruca e vestiu qualquer coisa casual com um ar “Eu não me importo” que Marisa costumava ter.

- Ok. – repetiu Kyoko – Ok, ok. Vai correr tudo bem. Só tenho que ir lá aturá-lo durante alguns minutos e voltar.

Se calhar ainda conseguia voltar antes de Ren e fingir que nada tinha acontecido.

- Não, não! – murmurou Kyoko para si mesma – Agora namoramos. Temos que ser honestos. Sem mentiras nem segredos.

Parou no espelho à beira da porta, arranjou a peruca mais uma vez e saiu sem pensar duas vezes.

…

No meio de tantas árvores, verduras, ervas e o que quer que fosse o resto daquelas coisas a sair do chão, Sousuke estava completamente perdido. Tinha que admitir que crescer na cidade não o ajudava nada e perguntou-se se Marisa tinha crescido ali.

Era quase impossível acreditar que uma rapariga com aquele visual tivesse nascido num lugar tão natural como aquele.

- O que é que estás aqui a fazer?

Assustado, Sousuke virou-se e viu Marisa. Nem a tinha ouvido a chegar! Quase ia tendo um ataque cardíaco.

- Marisa, estava à tua procura.

- Bem, que novidade. – disse Kyoko, ironicamente – Fui ao restaurante e a minha supervisora disse que tu tinhas estado lá à minha procura. Parece que também já conheceste a namorada do meu irmão.

- Não é muito faladora. – referiu Sousuke, enquanto se aproximava de Marisa.

- É uma rapariga que nunca foi à cidade. – explicou Kyoko – É terrivelmente envergonhada. Espero que não lhe tenhas feito nada.

- A tua estatura é parecida com a dela. – mencionou Sousuke – Pensei mesmo que eram da mesma família.

- O que é que queres, Sousuke!? – exclamou Kyoko.

- Que mal-educada. – queixou-se Sousuke mas sorria quando se aproximou mais dela – Não me convidas para ir para tua casa? Vim de propósito até aqui para te entregar uma coisa.

- Já a entregaste à namorada do meu irmão, não já? – Kyoko queria-se afastar mas, por uma questão de orgulho, deixou-se estar – Se queres mais alguma coisa, diz agora ou vai-te embora. Também preciso de ir. O meu namorado deve estar a chegar.

Sim, pensou Kyoko, se tivesse sorte Ren devia estar quase a chegar.

- Sabe uma coisa? – apesar de parecer chateado, Sousuke manteve o sorriso na cara e deu mais um passo em frente. Colocou o indicador por baixo do queixo dela e levantou-lhe a cabeça – Eu gosto de ti, Marisa. Foi um grande choque para mim, quer acredite ou não.

- Mentia se dissesse que fico contente pelo teu interesse em mim. – disse Kyoko com um sorriso arrogante. Não ia perder para ele e não afastou a mão que ele mantinha por baixo do seu queixo – Como eu disse ainda à pouco, eu tenho namorado.

- No entanto, não pareces repelir-me. – salientou Sousuke, vendo a raiva a aparecer nos olhos dela – Pergunto-me o quanto amas esse teu namorado. – quando ela levantou o braço para lhe dar outro estalo mas ele agarrou-a antes disso – E pergunto-me se esse namorado não se chama Tsuruga Ren.

- O quê…? – Kyoko abriu a boca, não do choque, mas por estar surpreendida com a velocidade com que ele tinha descoberto – Isso é um absurdo!

- As tuas notas em representação, as faltas constantes…tudo faz sentido, agora. – disse Sousuke – Não magoou teres desafinado na aula de canto?

- Larga-me! – gritou ela empurrando-o – O que é que estás a dizer, Sousuke!? Que eu sou a Kyoko!? Achas mesmo que eu teria que andar numa faculdade daquelas se fosse ela!? Pensa um pouco antes de falares!!!

- Então explica-me como…

- Sou apenas um rapariga com jeito para representar e um trabalho que exige muito de mim! – interrompeu Kyoko – Nem toda a gente é rica, Sousuke! E nem toda a gente sabe cantar!

- Aquela rapariga que dizes ser a namorada do teu irmão. Os olhos dela eram da cor do âmbar. – lembrou Sousuke – Quem é que tem os olhos assim!?

- Não sei, Sousuke! – replicou Kyoko – Muita gente?

- Nem por isso! – continuou Sousuke – Por isso é que tiveste que pôr lentes de contacto azuis, não foi!?

- Para, Sousuke! – onde é que estava Ren!

- E mesmo com todas as mentiras, mesmo com a personalidade da Marisa. – ele esticou o braço para lhe chegar à cintura e puxou-a até estar colada a ele – Eu apaixonei-me por ti.

Sem mentiras nem segredos, pensou Kyoko de novo. Mas não sabia se conseguiria explicar a Ren o beijo que Sousuke lhe deu.

…

Enquanto coisas que trariam o Kuon negro de volta se Ren descobrisse alguma coisa, aconteciam no meio do bosque, ele chegava a casa dela, contente por ter protegido a sua namorada.

Abriu a porta com um sorriso e espreguiçou-se olhando em volta à procura de Kyoko.

- Estranho. – murmurou Ren. Viu o papel virado em cima da mesa, a saca de papel no sofá e ergueu uma sobrancelha – Ainda mais estranho. Ela já esteve aqui?

Com curiosidade, Ren leu o papel e os nervos subiram-lhe pela pele acima automaticamente, depois de ler o nome “Sousuke”.

Tinha sido enganado ao pensar que tinha protegido a sua namorada. Como o hímen de problemas que ela era, nunca a devia ter deixado sozinha.

Sem se preocupar com mais nada, amarrotou o papel, pegou nuns óculos de sol e num boné e saiu, pedindo para que não fosse tarde demais.