Segredos Reais escrita por Lena


Capítulo 2
Um




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Eu só podia estar no inferno, mas eu não me importava, não me importava com nada; agora que a morte já havia me levado, ou então eu estava louca; só podia ser isso.

Meu corpo ainda latejava e eu me perguntava vagamente se no inferno ainda existia dor. Se toda a dor que eu havia passado nos últimos segundos de minha vida já não me fora suficiente.

E, por que não havia ninguém? O inferno era quente, aconchegante, convidativo demais, quente demais. Como se eu tivesse corpo eu me levantei, a mesma mão invisível me segurou e disse baixinho, com o calor da voz bem perto de meu rosto, hei, acalme-se, com cuidado.

Certo, agora eu estava oficialmente louca, a claridade entrava por meus olhos, mas não pareciam se focar era como se eu estivesse cega, a única coisa que eu processava era luz, somente luz.

Por um momento cheguei a lembrar que se eu podia ouvir, eu podia falar; só que eu não me lembrava de como fazer isso, mas como se diz, algumas tentativas podem dar certo.

— Como eu cheguei aqui?

— Você estava correndo na floresta, fugindo de alguém com uma menina pequena; ela está lá na árvore, brincando. – as palavras me lembravam de algo que eu não conseguia identificar tão facilmente, era como se uma parte da minha vida tivesse sido apagada é como se eu não precisasse me lembrar.

— Oh, certo. – eu tentei me levantar, de novo.

— Você é teimosa garota – eu quase encostei o pé no chão, mas a dor – que eu conhecia tão bem – me invadiu de novo e eu arfei. – você quebrou o pé quando desmaiou em meus braços e devo lhe dizer que não sei como isso pode acontecer e que se foi por culpa minha peço desculpas. – ele me agarrou, o corpo quente bem perto do meu, e me colocou na cama, forrada por palha. Ele se virou e foi saindo.

— Aonde vai, por favor, não me deixe sozinha! – minha voz era agonizante, eu não me conhecia, parte da minha identidade havia sido roubada.

— Não vou lhe deixar sozinha, ó minha donzela – riu ele – só vou pegar pão e leite ali no armazém para que você possa comer.

— Olha, viu, não precisa, eu tenho algumas moedas no bolso do meu casaco, eu, me deixe ir... – tentei segurar em algo que estava por perto, mas tudo ali parecia tão invisível quanto à mão. Resolvi ir pulando, o pé esquerdo ia meio cambaleante e eu não havia torcido ele, ser destra me fazia aprender a usar o pé esquerdo agora. Agarrei-me a porta de madeira mal feita, enquanto com certo fôlego ia pulando mais um pouco para perto do garoto minha mão esquerda foi quase se encostando em seu ombro direito, eu tive que dar um salto enorme para não cair. E, quando eu finalmente consegui alcançá-lo e me estabilizar, a voz sobressaltou-me.

As pessoas uma a uma, que circulavam pela rua de terra branca e mal batida, foram abaixando a cabeça e depois ajoelhando-se na terra.

— Majestade, majestade... – eram as mesmas coisas, “Majestade, ó majestade!”, atravessar a rua, uma tarefa que parecia fácil, foi se tornando cada vez mais difícil, e a situação só pioraria.

Quando finalmente conseguimos entrar no armazém e fechar todas as portas, porque a aglomeração do lado de fora era enorme, um senhor velho, de olhos cinza claro, barba comprida e do mesmo tom dos olhos, careca; veio me implorar para que não fizesse nada com ele.

Instantaneamente, olhei para o garoto do meu lado. Provável, ele entendeu que eu queria que ele me soltasse, enquanto eu, apenas, procurava uma ajuda.

— Não me solte – eu disse. Minha voz estava fina demais, sabia que ia me resfriar.

— Ela não vai lhe fazer nada, é só servir um pão com leite.

— Oh, sim, senhor, senhora...

— Senhorita – corrigi-lhe.

— Oh, sim senhorita, mil perdões Majestade, mil perdões... – ele foi saindo e se inclinando para trás numa espécie de reverencia desajeitada e medrosa.

— Ele é sempre assim? – eu perguntei, aguardando por uma resposta convincente.

— Normalmente não, mas quando se fala de realeza, Majestade, ele fica assim...

— Você também não! Por favor! O vilarejo inteiro já está me chamando assim e, além disso, não sei se serei eu mesma a assumir o trono.

— É melhor você concordar, todos já se acostumaram a te chamar de majestade. – riu ele.

O senhor velho colocou o pão e o leite puro em cima do balcão de madeira desgastada, ofereceu-me um banquinho e eu fui mancando com a ajuda do garoto cujo nome eu não sabia.

— Obrigada, eu agradeci maneando a cabeça com cuidado e agarrando a tigela de barro onde estava o pão mal conservado junto com o copo de barro com o leite.

Eu tomei todo o leite, e digeri metade do pão antes de ouvir um grito de voz tão familiar que engasguei com o pão.

Tata! Tatá! – gritava a voz chorosa e insistente.

— É a minha irmã! – eu gritei, pulando do banquinho alto.

— Ei, cuidado – disse o garoto, e logo foi seguido pelo velho.

— Me deixe, eu sei andar! – eu disse me irritando de repente, como se tudo de bom tivesse se transformado em uma nuvem de poeira.

— Lívia – eu gritei devagar, as pessoas se ajoelharam bruscamente.

Tata! Tatá! – disse minha irmã, descendo da arvore em qual estava, uma senhora de cabelos escuros não conseguira se abaixar a tempo e encolheu-se quando eu me aproximei apenas para pegar minha irmã e levá-la para dentro da casa mal feita.

— Por favor, - disse a voz cortada e rouca da mulher de idade – me perdoe Majestade, eu não fiz por mal, eu estou muito velha e... – eu apenas sorri. Um sorriso sincero.

— Não há problema, podem se levantar. – muitos deles hesitaram, vendo que a maioria deles não se levantavam eu fiz sinal para o garoto, que estava com o velho homem atrás dele.

— Vocês não ouviram – gritou o garoto – vossa Majestade mandou que se levantassem. Levantem-se. – a população do vilarejo foi pouco a pouco me encobrindo com sua altura, eles sempre olhavam para o chão. Nenhum deles ousava me encarar.  

Eu chamei com o dedo o garoto, a multidão abriu espaço para que ele passasse.

— Como é seu nome mesmo? – eu perguntei, aguardando de repente impaciente.

— Edward, vossa Majestade. – respondeu ele com voz grossa e quente, que bateu em meu pescoço enquanto eu o encarava.

— Diga-me, Edward, eu conheço você. Tenho a sensação de que conheço, você era algum guardião de meu pai? – eu disse com voz trêmula ao me lembrar de que eu era responsável por tudo. 

— Na verdade, vossa Majestade, eu era um grande amigo de seu pai, e por hora o mais jovem “protetor” das jovens filhas do Rei Thalis...

— Ó Deus, salve Rei Thalis em seus refúgios. – responderam as pessoas que escutavam a conversa e foram seguidas pelas mais distantes.

— E, caso a vossa Majestade ainda precise de meus serviços eu ficaria honrado em servi-la. – disse ele se inclinando vagamente em minha direção.

— Muito obrigada Sir. Edward. – disse eu, com voz segura. – Digo, não só por hoje, mas por ter salvo a minha vida.

— Era só o que eu podia fazer, Majestade. Eu falhei uma vez com vosso pai e com vossa mãe, não poderia falhar contigo. – disse ele abaixando a cabeça como se se desculpasse.

— Mesmo assim agradeço Sir. Edward, se não fosse o senhor eu não seria mais nada e não teria a quem confiar à vida de minha irmã, até que ela pudesse se tornar uma mulher e decidir por si mesma os cavalheiros que a defenderiam com a espada. – eu ri, com o rosto corado.

— O que desejo é só sua graditão Majestade. – ele disse se inclinando novamente. Lívia, em meu colo, alheia a conversa, estava se escondendo em meu cabelo tentando pegar algumas borboletas que voavam ao redor. Ela fez uma força incrível e quase caiu de meu colo, eu me desequilibrei para pegá-la quase indo ao chão também. Sir. Edward me segurou pela cintura fortemente, puxando-me para seu peito. Eu ergui a cabeça em seu peito, inalando o doce perfume que vinha de seu corpo, olhando chocada para ele, que me soltou logo em seguida. Os olhos castanhos cor de mel eram um misto de desculpas e um pouco de felicidade.

Aquele foi o primeiro momento, depois de horas de terror que eu me senti segura. Segura nos braços de um garoto de dezoito anos, o garoto que fora destinado a me proteger em especial.  Que deveria ter crescido comigo, correndo pelo palácio real. Que deveria ter sido um grande amigo meu, a não se pelas barreiras da alta sociedade, que estavam se quebrando com aquela proximidade tão repentina.

— Perdão Majestade, eu sinto muito, perdão!

— Não há problema Sir. Edward – as pessoas ao meu redor já estavam perambulando e voltando aos seus afazeres, quando olhei em volto e tudo parou novamente. – será que nós poderíamos ter essa conversa em um lugar mais apropriado? – eu cogitei.

— Claro Majestade. – disse ele aquiescendo e apoiando meu corpo em seu ombro novamente.

— Sir. Edward, - eu disse rindo – pare de me chamar de Majestade. Eu não tenho nem dezessete anos. – eu disse me soltando de seu corpo e olhando severamente para ele.

— Só se vossa Majestade pare de me chamar de Sir. Edward. Eu deveria ser tratado como um simples serviçal. – disse ele me ajudando a sentar na cama de palha e pegando Lívia de meu colo e a colocando na cadeira que havia perto da cama, junto com algumas roupas.

— Essa garotinha é danada, ela quase fez vossa senhoria se espatifar no chão. – disse ele rindo quando voltava para se sentar ao meu lado.  

— Argh! É tão difícil entender que eu não gosto de ser chamada como o maior ser supremo nesse mundo? Chame-me de... De... Querida.

— Anh, eu não acho que seria o tratamento apropriado, senhorita. – disse ele.

— É que o meu pai me chamava de querida, quando falava com as empregadas, ele sempre falava “vá lá e chame a querida”. Meu Pai sempre teve um grande apreço por mim, eu creio. Ele sempre desejava tudo de bom para mim. – Edward riu.

— Todos os homens desejam o melhor para a mulher que amam. – disse ele.

— Eu não entendo, eu disse, como ele poderia me amar, amar como mulher, se ele já tinha a minha mãe? – completei, franzindo a testa.

Querida, disse ele, afagando meus cabelos, eu me contrai – seu pai, meu Rei, não lhe amava como mulher, mas sim como filha, ele era dotado por um amor muito especial a seu respeito. Ele desejava a você tudo o que um pai, sendo rei ou não, desejaria a filha: que ela case-se com um bom marido que a respeite e que a faça feliz acima de tudo, que queria o que ela quiser e que não a obrigue a nada, que não a obrigue satisfazer só suas vontades e que pense nela como mulher e como ser humano acima de tudo.

— Você fala como se já soubesse disso tudo. – eu disse – as palavras dele, começando com Querida me trouxeram uma paz de espírito tão grande, que eu seria capaz de pedir que ele ficasse falando sobre famílias, só para ter aquela sensação, para sempre. 

— Eu tenho um pouco de experiência – disse ele rindo. O movimento de nossos corpos fez com que eu me encostasse-se a ele.

— Majestade, não seria prudente de sua parte ficar tão perto de um homem assim. As más línguas podem fazer mau jus ao seu respeito.

— E você, o que vão falar de você? – eu perguntei impaciente.

— Eu não me importo com o que falam de mim, a menos que isso satisfaça a minha Majestade. – ele me respondeu simplesmente, sorrindo.

— Ah, claro – eu disse debochada – com toda certeza você se difama e eu saio sem nenhum arranhão. E eu já disse para você para de me chamar de Majestade Sir. Edward.

— E, eu já disse para você parar de me chamar de Sir. Edward. Para você é só Edward. – ele me respondeu sorrindo contra o sol que entrava pela abertura de onde seria a janela.

— Por Deus!! Edward, por favor, não me diga você não entendeu o que eu lhe disse. Eu estou te tratando formalmente como você merece ser tratado. – eu fechei a cara.

— E eu estou te tratando como você merece ser tratada, ele me respondeu usando minha fala.

Eu ri.                                               

— Está bem, então, o palácio, houve algum dano permanente ou que leve um pouco de tempo para ser reparado? Porque como você deve saber eu posso ajudar; é só me falar como. – ele assentiu.

— Na verdade nós já estamos tentando reparar tudo o que ocorreu, a maioria das coisas já estão prontas, só há um cômodo na casa que se recusa a se “refazer” conforme nós estivemos tentando todo esse tempo em que você esteve desacordada.

— Eu entendo, e sei muito bem por que isso está acontecendo. – ele havia tocado no meu segredo oculto, no meu ponto fraco, no lugar que eu queria esconder de todo o jeito mais eu sabia, muito antes de ser perseguida, que um dia eu teria que assumir o trono e que teria que respeitar o que eu era. Suspirei. – eu gostaria de ir para lá se você não se importar de me levar lá – eu disse hesitando.

— Claro que não, senhorita, e antes que possa reclamar eu estou te tratando como uma pessoa normal te respeitando, é só isso. – ele disse.

— Certo – eu lhe respondi, pensando no que poderia fazer para que ele não me visse entrando no cômodo. Eu cogitei uma vez a possibilidade de ficar invisível, mas ai ele acharia que estava delirando e eu teria que arrumar um jeito de aparecer em outro ponto do palácio em pouco tempo e lhe dar uma desculpa de que estava supervisionando o trabalho dos reconstrutores.

— Em que está pensando? – ele me perguntou, eu queria inventar algum motivo que não tivesse nada relacionado com meus pais, mas a realidade ali, naquele momento, era tão palpável e tão segura.

— Eu não pensava que teria que assumir o trono assim tão rápido.

— Na sua idade, as minhas irmãs já estão todas casadas e com filhos, - ele me respondeu, passando as mãos pelos cabelos. – você pelo menos tem um pouco de sorte, só terá que assumir o trono.

— Ah, não, eu não tenho sorte! Você não sabe nem da metade de minha vida Sir. Edward. E eu tenho certeza de que, quando eu colocar os pés naquele palácio o parlamento vai arrumar um noivo para mim em menos de uma semana e ai quando eu mal esperar já vou ter alguém ao meu lado, dormindo na mesma cama e governando um povo inteiro ao meu lado. Mas eu não quero isso!  O que eu quero é só poder escolher com quem me casar. Escolher aquele que meu coração que meus braços e que minha boca quiser. – ele não pareceu surpreso com as palavras de minha boca.

— Era o que todas as minhas irmãs diziam antes de ter um casamento arranjado e de ter de respeitar o marido. – ele disse olhando diretamente para minha irmã.

— Eu espero que ela tenha escolha – eu respondi ao olhar dele – e o senhor Sir Edward, por que não se casou ainda?    

— Anh – disse ele pego de surpresa por minha pergunta tão direta – eu ainda ao encontrei a mulher que ame.

— Igualzinho a mim – respondi contento a pontada de alegria na voz e nós rimos logo depois.


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Notas finais do capítulo

Resolvi adiantar o primeiro capítulo. Agradeço aos que já me acompanham e peço que se gostarem da estória espalhem para seus amigos, como se diz, propaganda é a alma do negócio. Arrumei a sinopse, que sinceramente eu acho que ainda não está boa. Mereço reviews?



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