Aquilo já havia acontecido várias vezes, mas, para Sherlock, presenciar uma briga de seus pais parecia o fim do mundo. O garoto não gostava de ouvir a voz alterada do pai, o tom nervoso da mãe e, acima de tudo, odiava o silêncio constrangedor que ficava entre eles durante um bom tempo ao final de cada briga.

Naquele dia específico, Sherlock havia acabado de sair da cama e descido as escadas para tentar encontrar alguém na casa quando ouviu a discussão vindo da sala de estudos. O menino, contrariando parte da sua mente que dizia para ele se afastar, foi até a porta da sala silenciosamente, conseguindo enxergar por entre a fresta da porta os adultos discutindo. Seu pai gesticulava muito enquanto não parava de falar e sua mãe tentava interrompê-lo vez por outra, parecendo a ponto de um ataque de nervos.

Antes que um dos adultos pudesse perceber sua presença, Sherlock voltou sorrateiramente para o andar de cima e correu até chegar à frente da porta que queria. O menino nem se preocupou em bater antes de entrar, apenas abriu a porta e, quando já estava dentro do quarto, trancou-a.

Aquele cômodo era bem parecido com o dele, mas parecia mais vazio e organizado. Bom, pertencendo a quem pertencia, tinha que ser organizado...

Sherlock certificou-se de que havia trancado a porta, antes de correr para a cama e se jogar ao lado do amontoado de cobertores que havia ali em cima.

“Pelo amor de Deus!” Uma voz rouca e sonolenta soou por debaixo das cobertas. “Sherlock! Estou tentando dormir! Que horas são? Você sabe que eu tenho que estudar e, por isso, tenho que dormir direito...!”

O mais novo não falou nada, apenas continuou deitado, com os braços magros enroscados ao redor do peito do irmão.

“Sherlock.” Mycroft agarrou as mãos do menino e as tirou de cima de si, sentando-se na cama e encarando o outro. “O que você...?” O garoto mais velho franziu as sobrancelhas enquanto via como o rosto do irmão estava esquisito. Sherlock estava mordendo o lábio inferior, franzindo as sobrancelhas, encarando-o com aqueles olhos claros de uma maneira muito estranha e tinha o queixo tremendo de vez em quando. “O que houve?”

“Papai e mamãe...”

“O que tem eles?”

“Estão brigando de novo.”

Mycroft encarou o irmão por um tempo, antes de suspirar e virar o rosto para a porta.

“Não gosto quando eles brigam,” o mais novo murmurou, torcendo o tecido de seu pijama com as suas mãozinhas.

“E quem gosta?”

“Você não se importa.” Sherlock franziu a testa. “Você nunca faz nada quando eles brigam.”

“Não tem nada que eu possa fazer,” o mais velho respondeu, voltando a olhar o outro. “Entrar no meio da briga dos dois não ajuda em nada.” O garoto voltou a se deitar ao lado do irmão, virando-se de lado para poder olhar o outro. “E só faz com que eles fiquem irritados conosco.”

“Eu não quero que eles se separem...”

“Eles não vão se separar.”

“Mas...” Sherlock virou-se de lado na cama. “Aconteceu a mesma coisa com o Sr. e a Sra. Morstan, o casal que morava há três casas daqui... Eles começaram a discutir e acabaram se separando.”

“Sim, mas o Sr. Morstan estava saindo com a prima da Sra. Morstan.” Mycroft deu de ombros. “Não acredito que você não percebeu...”

“Quando?”

“Quando eles vieram jantar aqui em casa há algum tempo,” disse o mais velho. “A prima da Sra. Morstan estava usando o mesmo perfume do Sr. Morstan... Estava tão óbvio! Realmente não acredito que você não tenha percebido.”

Sherlock ficou em silêncio por um tempo, com os olhos presos no irmão, antes de voltar a falar.

“Mycroft... E se o papai estiver...?”

“Acho que um de nós iria perceber se algo errado estivesse acontecendo, Sherlock.” O Holmes mais velho sorriu e levou uma mão até os cabelos do outro, bagunçando-os ainda mais do que já estavam.

O menino riu, sentando-se e livrando-se da mão do irmão, antes de olhar para este, já com a expressão menos preocupada, voltando a ser o Sherlock Holmes que todos conheciam.

“Sherlock?”

“O que foi?”

“Me prometa uma coisa.” Mycroft sentou-se e encarou o mais novo. “Enquanto eu estiver fora, não interfira em nenhuma discussão deles, entendido?”

“Mas...”

“Sherlock, lembre-se do que eu disse: isso não ajuda em nada.”

O menino franziu as sobrancelhas, antes de suspirar e concordar com a cabeça.