Treina Comigo escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 7
Servo + Vampira


Notas iniciais do capítulo

Alguns conceitos sobre vampirismo empregados neste capítulo foram tomados de empréstimo de "Vampire The Masquerade" (Mark Rein-Hagen) e "Vampiros Mitológicos" (Marcelo Del Debbio).



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Cemitério Youkai.

– Ratiiinhooo! Aqui, ratinho... Vem cá, ratinho, vem...

A linda jovem vampira de cabelos ruivo-alaranjados e trajando sailor fuku carmesim agachava-se na terra seca endurecida cravejada de troncos grotescos e retorcidos de árvores mortas desfolhadas, a menos de dois metros de um repulsivo monturo de terra pútrida, ossadas, velhas lápides e urnas quebradas onde uma pequena silhueta negra se achava encarapitada, farejando o ar.

"Um ratinho curioso", pensou a vampira. "Bem, a curiosidade matou o rato."

Kokoa Shuzen, conquanto fosse frequentemente subestimada pelas próprias meias-irmãs mais velhas como a mais fraca do clã, ainda assim dominava como poucos vampiros a disciplina do animalismo, o controle de animais, perdendo tão-somente, nesse quesito, para sua onee-sama Akuha, a temida primogênita da Casa Shuzen. Então não tinha sido ela, Kokoa, quem capturara o morcego youkai transmorfo que atendia pelo incrível nome de Nazo Komori, ou Kou-chan, mediante o emprego de seus poderes de animalismo, e fizera dele seu familiar, seu cão de fila? Todavia, jamais lhe passara pela mente usar seus dons desta forma tão pouco digna de um expoente da raça superior do Homo vampiricus. Nutrição inferior! A menos que...

Os comprimidos de sangue não são o suficiente. Suco de tomate não é nada.

– Aqui, ratinho... Vem cá, ratinho, vem... - ela chilreou, chiou e guinchou na voz dos ratos, seus orbes verde-água fitando intensamente o animal, olhos nos olhos. O contato visual era essencial para se estabelecer uma conexão empática com a criatura que se queria encantar. "Falar" com a mesma em sua "linguagem natural" só ajudava a fortalecer o elo.

O rato-preto youkai levantou-se firme sobre as patas traseiras, como que encantado; depois limpou as rosadas patas dianteiras e esfregou no focinho afilado e nos bigodes. Poderia ser confundido com um exemplar robusto de roedor pertencente à família Muridae, de pelagem delicada e sedosa cinza-grafite, orelhas redondas e cauda longa, não fosse pelos três olhos grandes totalmente pretos que lhe atestavam a origem demoníaca. O olhar esmeraldino da vampira prendeu o do rato e sua essência espiritual conectou-se à dele. Estava irremediavelmente perdido, pobre rato-preto youkai.

Chegue mais perto... Mais perto... Mais...

Agarrou o rato que se contorceu em suas mãos, guinchando lamentosamente. Kokoa apertou bem o bicho e começou a sussurrar uma canção de conforto e consolo para extrair dele sua essência espiritual, sua Besta, misticamente tornando-o inofensivo e apático. Enquanto segurava o roedor, via-lhe a aura brilhando em verde, indicando mansidão. Conseguia ouvir-lhe o coração diminuto bombeando sangue e nutrientes àquele corpinho em ritmo vertiginoso, 600 vezes por minuto. Sentia o odor de seu ki, sua energia vital. O sangue dos ratos carecia do sabor e da consistência do sanguinus humano, além de deixá-la mais fraca. Era uma dieta por demais insatisfatória. Mas era tudo de que dispunha nessas precárias condições.

– Não me leve a mal, ratinho - ela murmurou. - Não é nada pessoal. Por favor, não pense nada de ruim sobre mim. Porque eu sou uma vampira. Sugo o sangue dos seres vivos porque preciso. O forte engole o fraco, é a lei da vida. - De súbito, seu rosto bonito nublou-se de raiva, e seus olhos ficaram rubros. - Seu merdinha psíquico!

Arrancou a cabeça do pobre bicho de uma só dentada. E o sangue jorrou quente, vermelho, para dentro de sua boca. "Mais parece groselha com água, de tão ralo", pensou Kokoa, dando ao rosto uma expressão de desgosto. Havia uma imensa colônia de ratos-pretos youkais no vasto e macabro cemitério de idade imemorial em torno da Academia; dezenas, centenas desses pequenos monstros de três olhos infestando aquele lugar profano, mas de que isso lhe serviria? Se ao menos possuísse o poder de se alimentar de animais como se fosse vitae humano, sem sofrer fraqueza... Mas não.

– Kokoa-sama! Kokoa-sama!

A voz roufenha de Nazo Komori, seu fiel Kou-chan, soou tanto mais irritante em seus ouvidos. Parecia vir da sua direita, e Kokoa virou-se bruscamente para olhar naquela direção, onde de fato vinha voando o pequeno e rotundo morcego castanho, com o peito e ventre bege e as asas cinza-escuras, que chamava por ela. Atrás dele, vinham correndo Moka e Tsukune, a preocupação estampada em suas faces.

Bastava-lhes seguir a trilha de ratos mortos, exangues...

Não! Não estava disposta a permitir que sua onee-chan, "irmãzinha", e muito menos o servo humano dela, um não-vampiro, a vissem naquele estado tão deplorável, tão indigno. Kokoa fugiu deles, embrenhou-se pela floresta de árvores mortas cujos troncos secos ainda erguiam-se, cravados no solo crestado, ao longo do terrível cemitério youkai.

"Kou-chan desgraçado", praguejou em pensamento. "Por que os trouxe até mim?"

Kokoa passou a língua pelos lábios. Suas narinas dilataram-se. Sentia a Fome, a sede de sangue - de sangue humano - crescendo dentro de si. Sentia ranger os dentes, a garganta arder como se estivesse sendo espetada por mil agulhas em brasa ao ansiar pelo suculento sangue humano. Quem dera que pudesse cravar meus dentes na carótida daquele servo humano da onee-chan, o Tsukune Aono! Mas não podia; Moka jamais permitiria que o fizesse. Quem dera que tivesse meu próprio servo humano! Mas não havia outros humanos em uma escola para youkais. Sua boca salivava. Sua Besta interior urrava de desejo.

"Isso tem que parar!", ela pensou, sofrendo indizível agonia, a cada doloroso passo que dava. "A Fome, a dor... Mas como?" Delírio... Encontrava-se de volta ao seu alojamento, naquela malfadada noite, rolando no chão feito doida, uivando, urrando e se contorcendo com as presas arreganhadas, sua garganta queimando, sua cabeça explodindo de tanta dor. Maldita síndrome de abstinência!

Embora seu corpo vampiresco fosse virtualmente imortal e gozasse de habilidades físicas superiores, sem ingerir sangue humano ela tornar-se-ia cada vez mais debilitada, até para andar. "Eis-me aqui, Kokoa Shuzen, a rateira", pensou ela, com um travo de amargura. "Eu, a representante da classe 1-3, matando aula no cemitério, morrendo de sede..."

Chutou com toda força uma caveira branquicenta na sua fúria desordenada. O crânio descorado bateu violentamente contra a efígie imponente e ameaçadora de um dos "guardiões dos mortos" - um demônio que media cerca de cinco metros de altura e fora esculpido numa pedra negra que lembrava obsidiana, exceto por sua incrível dureza - e estilhaçou-se. Kokoa suspirou, sentou-se ao pé de um enorme olmo morto há séculos, cujos galhos secos se eriçavam para o céu sempre nublado. Fechou os olhos lentamente. Enquanto procurava relaxar, ouvia o ribombar do seu coração batendo uma vez por minuto, com um som longo e reverberante que parecia encher o mundo, e podia ouvir o fluxo sanguíneo retinindo nas suas orelhas.

Seus pensamentos voltaram-se para Moka e Tsukune. Por que não a deixavam em paz? Pensou em si mesma, horas atrás, depois da reunião dos representantes de classe. Tsukune, o garoto humano "vampirizado" de quem sua irmã se alimentava, tinha vindo ao seu encontro, com a caixa das pastilhas na mão. Lembrou-se de como passara o tempo todo reprimindo o seu ímpeto de vampira, de lançar-se sobre Tsukune e mordê-lo... Durante toda a reunião... Doía-lhe o peito, doía-lhe a cabeça... Fugira dele, vacilante, cambaleando pelos corredores, apoiando-se nas paredes, lutando desesperadamente para conter a Fome bestial.

A verdade é que eu não consigo esquecer do gosto do sangue do Tsukune Aono.

Um arrepio percorreu-lhe o corpo todo quando pensou em si mesma lambendo o vermelho líquido vital que escorria dos ferimentos na face de Tsukune, recebidos durante os treinos no "Paraíso dos Monstros", no dia anterior. Ahhh... Aquele sangue delicioso... Vermelho... Quente... Denso... Adocicado... Não foi à toa que a Moka onee-chan fez dele o seu servo. Até conhecê-lo jamais havia bebido vitae diretamente de um mortal. Desde então procurava controlar a sua sede vampiresca consumindo as pastilhas de sangue dadas por Moka. As pastilhas já não bastam! Sangue... Eu preciso de sangue fresco...! Kokoa estava a ponto de perder sua sanidade, assolada por uma alucinante orgia de pensenes. Era como se estivesse flutuando num viscoco mar ígneo, um tórrido mar de vinho escarlate, uma emulsão vermelho-luminosa cujas ondas esbraseantes se quebravam de encontro a um solitário rochedo na arrebentação - e esse rochedo era o seu próprio cérebro.

– Eu sou Kokoa Shuzen, filha de Lady Gyokuro e Lorde Issa Shuzen - sussurrou ela, de olhos fechados, cerrando os punhos. - Minha mãe é uma poderosa princesa vampira, meu pai é o "Terceiro Rei Hades", do Mundo das Trevas. - Pressionou os punhos contra as têmporas latejantes e apertou ainda mais as pálpebras fechadas. Sua própria voz lhe soava curiosamente distorcida. Percebia o próprio estado semidelirante, de natureza hipnagógica, em que se encontrava imersa.

E então a voz de seu pai, o terrífico chefe da Família Shuzen, se manifestou de repente. As palavras, untuosas, solenes, pareciam vir simultaneamente de todas as direções e de nenhuma, ressoando no interior da sua mente - evocando a infância na casa paterna.

"Sangue é vida... O sangue transporta não apenas nutrientes, gases e produtos do metabolismo das células, mas tmabém um fluido vital invisível... que é o que dá força, dá energia, o aquece e impede sua morte... e é o alvo dos que o manipulam por obra de magia. Poderíamos chamá-lo de vitae, ou sanguinus, ou ki, chi, vril, prana, Luz Astral, metaplasma, ou, simplesmente, bioenergia... É por isso que o bebemos... Nós, vampiros, quando bebemos sangue dos humanos, nossas melhores presas, nos tornamos mais fortes e poderosos. Vampiros não podem beber o sangue de demônios."

– Ah, eu tô delirando - Kokoa gemeu baixinho, cansada. A voz surreal de seu pai continuou, inabalável, reverberando em sua mente.

"O sangue, veículo da Vida por excelência, acha-se impregnado da essência vital do corpo denso, da vitae da alma da criatura que o possui e lhe é dona... Por isso é mágico e cheio do mistério primordial que pertence ao Grande Arcano, indizível, incompreensível... É algo particular a cada criatura, assim como emprestado pela força da Energia Universal para a sua elaboração individual... não podendo ser sintetizado... É ponto pacífico que, quando o sangue esfria, seja fora do corpo (devido a cortes), seja dentro (devido à morte), esse vitae se perde e esgota. Por conseguinte, é inegável que a quentura do corpo constitui uma irradiação vital e garante a presença desse vitae no sangue e, sem sombra de dúvida, noutras partes..."

– Maldito seja, pai - vociferou Kokoa, cada vez mais desanimada e fraca, padecendo fortes dores no peito e muita dor de cabeça. O sanguinus dos roedores, diluído feito água, não fora o suficiente para restaurar-lhe as forças. - Eu, aqui, definhando de tanta fome, e você aí, deitando falação sobre... comida!

"Nossa raça é bastante séria e não graceja com a disciplina... 'Não bebas o sangue dos mortos', reza o Código de Alucard... Sangue do homem morto é tabu, pois nos deixa débeis e nauseados... Ninguém senão um tolo incorre no erro de nutrir-se da veia jugular... o sangue venoso está cheio de impurezas, pobre em oxigênio e rico em gás carbônico... o sangue arterial, da artéria carótida, por ser 'limpo' e 'puro', rico em oxigênio e de um vermelho brilhante, é o mais apropriado para o consumo".

– Cala essa boca, velho maldito! - gritou Kokoa fora de si, com a garganta ardendo, a voz de gasguita saindo rascante e doída, a respiração trêmula. Os oblíquos olhos glaucos, agora abertos e esbugalhados, pareciam mirar o horizonte vazio.

– Kokoa-chan! - exclamaram Tsukune e Moka ao mesmo tempo.

– Kokoa-samaaaaaaa! - trissou Kou-chan, voando rasante com um ligeiro farfalhar de asas. - Não fuja mais da gente, dechuu!

"Kou-chan... Onee-chan... Tsukune-kun..." - Foi a contragosto que Kokoa viu-se rodeada por seu pet mágico, sua meia-irmã mais velha e o servo meio-humano com o sangue gostoso. (Para Kokoa, Tsukune não passava de simples servo carniçal de Moka, criado por ela para alimentá-la, chu!)

– Não chega perto! - gritou a vampira ruiva para Tsukune, quando este fez menção de se aproximar a fim de ajudá-la a ficar de pé (sempre o bom moço!). Suas narinas delicadas dilataram-se ao farejar o "manjar dos deuses". Sentia o cheiro da vitae dele, correndo em suas veias mortais. No fundo Kokoa temia perder de vez o controle e morder Tsukune, ou pior, matá-lo. Ele não é um de nós. Ele pode ter recebido sangue da onee-chan e herdado alguns poderes de vampiro, mas não é um de nós.

– Tsukune... - disse Moka.

Ele virou-se para a amiga. - Moka-san, ela...

– É a privação do vício.

– Vício?

– É, infelizmente pra nós, vampiros, beber sangue, vitae, como nosso pai gostava de dizer, mais que uma necessidade básica, é um vício incurável de que somos dependentes desde que nascemos. Abster-se de beber vitae por um longo tempo é ficar à mercê dos instintos e impulsos vampíricos que ameaçam nos transformar em monstros famintos, violentos, descontrolados. A Fome, com "F" maiúsculo, empana o raciocínio por completo. Resistir e lutar contra a Fome enfurece a fera vampiresca em nós, é um verdadeiro martírio. Você lembra que no ano passado aconteceu comigo, não lembra?

Tsukune engoliu em seco. - É, eu não esqueci, não. - Contra sua própria vontade e com um ímpeto súbito, voltou-lhe à memória a imagem da Moka pálida e anêmica, prestes a desmaiar, e, não obstante, fugindo dele, Tsukune, evitando-o a qualquer custo apenas para resistir aos seus instintos, ao impulso primal de atacá-lo e sugar seu sangue até causar-lhe a morte. Ironicamente, e apesar de não ser um verdadeiro vampiro, mas tendo sido inoculado várias vezes com o vitae de Moka, Tsukune sofria dos mesmos sintomas naquela ocasião! E, tal qual um viciado em drogas, ele viu-se tomado pelo desejo avassalador de beber o sangue de Moka, pois, para o carniçal, o poder viciante do vitae de seu "mestre" vampiro é incrivelmente superior ao da carne e do sangue dos mortais. (Naquela época, só para piorar, Tsukune fora obrigado a lutar contra Hyakushiki, o youkai-centopeia, pelo Diretor. Chu!)

– Vocês viram tudo... não viram? - Kokoa levantou-se com tremendo esforço. Sua respiração era ofegante, e sua pele, antes corada com um belo tom de pêssego, apresentava-se tão pálida que Tsukune e Moka podiam ver as veias azuis saltando sob a mesma. - Os ratos mortos, sem sangue... Vergonha, vergonha, vergonha! - A voz gasguita da vampira adolescente saía ainda mais estridente que o habitual. - Eu já tinha ouvido falar de humanos que foram transformados em vampiros de categoria inferior, "nível-D", e que, pra não acabar virando apenas animais irracionais sedentos por sangue, por vitae humano, preferem vagabundear pelos becos e vielas das cidades à noite, caçando ratos e cães vadios, que nem mendigos... Mas eu nunca poderia imaginar que uma desonra dessas aconteceria comigo, uma vampira nobre, de uma das Casas Reais... - Seus olhos se apertaram, e lágrimas desceram deles. E - se bem que vampiros têm auras pálidas - as cores de seu campo áurico, ainda mais esmaecidas do que o seriam em hematófagos, indicavam anemia profunda.

– Kokoa-chan... - Moka balbuciou, com a voz embargada e trêmula; seus punhos fechavam e abriam nervosamente. Teve ímpetos de abraçar Kokoa, mas evitou fazê-lo, pois sua irmã caçula, tão irascível e orgulhosa, certamente tomaria tal gesto afetuoso como uma demonstração de fraqueza "humana", e a repeliria. - Kokoa-chan, as pastilhas...

– Eu... Eu acho que já passei do ponto em que coisas como aquelas bobaginhas de pastilhas e sangue de transfusões ajudem - disse a vampira ruiva em voz tão apagada como nunca sua irmã a ouvira falar. - Vão embora! - Deu as costas a Moka. Sua respiração era nervosa, e seus lábios se apertaram e seus dentes travaram.

– Eu não queria que você visse isso, Tsukune - disse Moka, dirigindo-se ao amigo. - Pra uma de nós, kyuuketsuki, é humilhante ser vista nessa condição de fragilidade por um não-vampiro. É tabu. Nos tempos antigos você seria morto... Tsukune! Que está fazendo?

Com os olhos arregalados e a boca aberta em surpresa, Moka contemplou Tsukune abraçar Kokoa, apertando-a contra o seu corpo, trazendo-a de encontro ao seu pescoço.

– Moka-san, ela é sua irmã e tá sofrendo - disse o moço com voz átona. Sentindo a ofegante respiração da jovem adolescente hematófaga de cabelos cor de fogo em seu pescoço, murmurou-lhe ao ouvido: - Kokoa-chan, se você quiser pode sugar meu sangue. Só desta vez... - Mas não precisaria ter dito isso, pois mal a garota farejou o doce aroma de seu vitae, a milímetros da base de sua garganta, a boca rósea de lábios pequenos e delicados se abriu e um par de caninos brancos afiados como navalhas projetou-se para baixo e para frente. (O odor sutil do sanguinus exacerbou o instinto instinto feral de Kokoa.) Desta feita, porém, não foi um kappuchu!

Tsukune soltou um gemido baixo quando os dentes de Kokoa perfuraram sua carne, indo cravar-se com uma precisão impecável na pulsante artéria carótida, que romperam, e provocando sangramento abundante que a garota vampira avidamente começou a chupar. O sangue do moço (veículo do prana, do vitae), como um mel tépido e avermelhado, inundou a boca de Kokoa com seu sabor suculento, de doce néctar dos deuses, descendo-lhe pela goela abaixo, aliviando-lhe a sede inumana. Agora sim! Tão puro... Tão mágico... Seu peso e consistência... A onee-chan tem razão... É o melhor sangue que já experimentei, o mais doce do mundo. Enquanto pensava, ela podia sentir a torrente de vida escarlate que jorrava da ferida aberta no pescoço de Tsukune preencher-lhe, qual fogo líquido, nutrindo-lhe as células vitais do corpo preternatural e os seus poderes revitalizantes de youkai. Calor! Êxtase! Kokoa sentia agudamente, mais do que nunca, o gosto do DNA dos Shuzen, de Moka, mesclado ao DNA humano de Tsukune, respectivamente, na proporção de 65% para 35%, tal como experimentara, no dia anterior, no Paraíso dos Monstros, e, meses atrás, quando, ao ingressar na Academia, pela primeira vez lambera a face ensanguentada dele após tê-lo salvo de uma fera youkai desembestada. O vitae da vampira Moka, misturado ao vitae humano de Tsukune, a memória genética das repetidas transfusões demoníacas que lhe salvaram a vida, dava ao sangue plebeu do moço mortal um gosto antigo e nobre, de aristocracia vampírica. Que nem vinho envelhecido! Tamanha harmonia de sabores fazia Kokoa fremir de prazer. Não é como se bebesse diretamente da Moka onee-sama... Ou da mãe dela, Akasha-san... Ou até do papai... Era um pensamento um tanto ilícito, devasso, que recendia perigosamente a diablerie e incesto, mas que, a despeito disso, ou por causa disso, provocou na pequena hematófaga um misto de excitação e repugnância. Ela, não obstante, continuou a sorver com sofreguidão, dir-se-ia mesmo gula, o precioso e rubro líquido vital que manava da ferida na pele do "lacaio" de Moka. Quero mais, mais, mais...

Já chega, Kokoa-chan!! - interveio a aflita Moka, que acompanhava a cena com sentimentos contraditórios. - Tá querendo que o Tsukune vire um saco de pele e ossos?

Kou-chan esvoaçou em torno de Moka, farfalhando as asas, e guinchou, irônico: - Agoraa Moka-san sabe como a Kurumu-chan se sente cada vez que a vê sugar o sangue do Tsukune-kun, todo santo dia, de-chu!

– Fique quieto, Kou-chan! - replicou Moka num tom tão peremptório que o pequeno morcego retrocedeu, chocado, farfalhando e trissando por perceber que teria de enfrentar a ira da Ura-san selada (porquanto aquela expressão facial de Moka, o olhar aterrorizante, a voz imperiosa, não podiam espelhar unicamente as emoções da gentil Omote de cabelos rosa magenta).

Onee-chan - balbuciou Kokoa, com a boca cheia de sangue. - Eu sei que ele é seu servo, que compartilhar servos humanos não é costume vampírico, mas...

– Servo? - A garota mais velha corou. - Tsukune NÃO é meu servo! Nunca!

– Eu... eu não sou servo de ninguém - protestou Tsukune em voz baixa.

Moka conhecia a tradição antiquíssima em voga entre os vampiros nobres e os puros-sangues de transformar humanos escolhidos a dedo em servos, fazendo-os beber de seu sangue imortal sem que primeiro fossem drenandos por completo (o que os teria transformado em vampiros ex-humanos, "nível-D"). Pelas Leis Vampíricas, o correto era cada um ter o seu servo pessoal dedicado, que obedecia cegamente às suas ordens além de servir como fonte de vitae, de nutrição para o mestre em troca de longevidade, força e habilidades sobre-humanas, mas Issa Shuzen - que detestava humanos - proibira tal prática anacrônica no reino dele. Para Moka, a constatação de que sua irmã mais nova encarava seu relacionamento com Tsukune como uma relação "mestra" e "servo" era por demais cruel.

– Mo-Moka-san... - tartamudeou Tsukune, sem, contudo, concluir sua fala. Nesse exato instante seu recém-despertado sentido de "detector youki" deu o alarme: atrás de si, uma fonte de energia sinistra, de energia espiritual youkai na forma de uma grande bola de luz imperceptível aos sentidos físicos humanos, aproximava-se a uma velocidade perigosa. Pior ainda, irradiava hostilidade e intenção de matar. Matar todos!

Moka e Kokoa não se aperceberam do perigo senão tardiamente. A moça youkai de cabeleira magenta tinha os sentidos vampíricos embotados por conta do rosário que lacrava seu poder, ao passo que sua irmã caçula ruiva, malgrado não ter seus dons lacrados por um talismã místico, ainda assim estava por demais absorta no ato de se alimentar de Tsukune.

– Perigo! Perigo! - Kou-chan voltou afoito, revoando ao redor deles e soltando trissados altíssimos. - Alerta vermelho, alerta vermelho! Chu!

E Tsukune berrou: - Moka-san, Kokoa-chan, CORRAM!!

Fez acompanhar o grito de advertência de um forte empurrão em Kokoa, afastando-a bruscamente, na esperança de colocá-la a salvo. Ela e a irmã mais velha, por uma fração de segundo, ouviram uma vibração de asas e viram uma grande sombra negra vinda do alto se aproximando deles. Antes que o trio de jovens lograsse evadir-se, um rugido tonitruante como o som de um trompete muito amplificado encheu o ar.


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Notas finais do capítulo

Como as definições do que é (e do que não é) um vampiro em "Rosario+Vampire" são desanimadoramente vagas, passei a adotar certos conceitos derivados ou baseados noutras séries de anime/mangá, tais como "Vampire Knight", "Hellsing", "Fortune Arterial" etc, bem como de RPGs do tipo "Vampire the Masquerade" e "Vampiros Mitológicos", com destaque para os diferentes "níveis" ("levels") da hieraraquia vampírica, indicando maior ou menor pureza racial, e uma classificação à parte para os ghouls e servos humanos "vampirizados".
No próximo capítulo... Bem, eu não vou contar; quem viver e ler, verá!!!



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