Poseidon

     Eu realmente pensei que ela não viria. Realmente pensei que ela diria ‘ah, eu tenho que estudar’... é sempre o que as filhas de Athena dizem... e eu sempre penso ‘estudar pra quê, ora bolas?’. Enfim, o importante é que eu acabei por avistar uma cabeleira loira escura voando com o vento, correndo na minha direção pela beira da praia, e era uma ótima paisagem essa.

     - Hey, Pequena! Você veio.

     - É, eu vim. Por que? Não era pra vir? Nesse caso tudo bem então... – ela disse dando meia volta.

     - Não, não! Tá maluca, menina? Claro que era pra vir – gritei desesperado enquanto ela ria.

     - Mesmo se você quisesse eu não iria embora tão fácil assim, acredite – ela falou, se sentando ao meu lado.

     - Mudando para um assunto bem nada a ver... você entendeu algo que Zeus disse hoje mais cedo? – perguntei. Afinal a frase ‘quando você encontrar um, encontrará o outro’ estava me incomodando, pois eu temia saber o significado dela.

     - Honestamente... sim. Bem, a verdade é que está tudo muito claro. Athena e Poseidon sumiram e pelo que parece, eles estão no mesmo lugar. Isso é muito tenso.

     - Acha que Quíron fará algo quanto a isso? Tipo... uma missão?

     - Não, não. Creio que não – ela disse, encarando o horizonte com um olhar esquisito – Se Hera e Afrodite sabem onde eles estão... é bem provável que Quíron não faça nada.

     - Será que Zeus vai voltar? Sabe... pra ver se alguma coisa acontece... talvez Hera ou Afrodite conte a verdade... – falei meio receoso. Se Athena também estivesse aqui, eu não queria nem ver na confusão que isso iria dar.

     - Acho que elas não contarão, ao menos que achem que Athena ou Poseidon estão demorando demais para voltar, aí, talvez, elas contem. E Zeus vai ficar muito, muito furioso.

     - Como sabe se ele vai ficar furioso ou não?

     - Do jeito que as pessoas falam como ele é esquentadinho? Aposto que vai chover por dias quando ele descobrir... – ela disse, seguida de um trovão, depois da chuva – Ou talvez, comece a chover quando alguém disser que ele é descontrolado...

Eu não me importo de estar aqui esperando

Eu sei que você está chegando [...]

Mas eu não sou daqueles que desistem

Nós dissemos pra sempre, então estou aqui [...]

     - Você tem medo da chuva? – perguntei, com medo que ela começasse a berrar... mas pensando bem, ela não é filha de Afrodite.

     - Não sou feita de açúcar, sabia? – ela riu – Isso é tão bom.

     Então me ocorreu uma ideia e eu sorri. Acho que dei um daqueles sorrisos ‘licensa, eu vou aprontar’ porque ela ficou com uma expressão desconfiada.

     - Nem... pense... NÃO, ME PÕE NO CHÃO – ela gritou, quando a peguei no colo.

     - Não posso, é contra os meus princípios – falei, já entrando no mar.

     - Ai, minha chapinha!  - ela gritou, me fazendo parar de repente – É brincadeira.

     - Bom mesmo, não quero uma garota fresca – murmurei, mas acho que ela ouviu.

     - O que disse?

     - Nada não.

     Sorri pra tentar disfarçar e a joguei no mar. Primeiro ela fez uma careta, depois mergulhou e desapareceu, me deixando desesperado, até que sinto alguém puxando meu pé.

     - O que é isso? – perguntei depois que vi de relance um deseinho pequeno em sua nuca.

     - N-nada – ela falou, escondendo o desenho. E eu, como um bom teimoso que sou, a puxei e tirei seu cabelo da frente para poder ver melhor. E eu tive uma surpresa digamos... bem grande.

     - Jane, é sério, isso é o que eu tô pensando que é? – perguntei, passando a mão pelo pequeno tridente desenhado em sua nuca, e percebi minhas mãos tremendo.

     - Não é nada, já disse.

     Mas não era nada. E eu digo porque: aquilo era uma tatuagem permanente de tridente da nuca de uma filha de Athena, o que era mais estranho ainda, porque a única pessoa que eu conhecia que tinha uma dessas era a própria Athena, do tempo em que nós ainda namorávamos. O que era bem tenso.

     - Pelos deuses, Jane. Eu preciso saber o que é isso – falei quase pirando.

     - Por que? – ela perguntou com medo nos olhos.

     - Porque sua mãe tem uma igual! – gritei descontrolado, e só depois me toquei do que eu tinha dito. Okay, acabei de me entregar.

[...] Você nunca iria me deixar pra trás

[...] Eu vejo você pra baixo, mas eu não vou desistir agora

Eu vou lutar por você esta noite [...]

Palas Athena

     Eu pensei que tinha me entregado, sim. Pensei ‘pronto, é o fim, acabou a graça’ mas percebi que não sou a única suspeita aqui. Afinal, como ele sabia que minha mãe, no caso eu, tenho uma dessas?

     Escondi aquela marca que tanto me condenava e me virei, encarando-o. Ele estava confuso, dava pra ver em seus olhos, mas também estava com medo. E eu não estava muito melhor.

     - Como sabe disso? Como sabe que Athena tem uma dessas? – perguntei, afinal, pelo que eu saiba, apenas eu e Poseidon sabemos dessa marca, ele aliás nem deve se lembrar disso, mas eu também o marquei, e isso era o que me consolava.

     Ao invés de responder, ele apenas encarou um pouco a praia, e depois se virou pra mim, sorriu fraco e me beijou. Tudo bem, não era isso que eu queria, mas também serve.

     - Sabe, quando se convive muito tempo com uma sabe-tudo, você aprende a perceber as coisas mais óbvias – ele disse depois, suspirando – Não adianta mais esconder Athena, eu sei que é você. Reconheceria essa marca em qualquer lugar, acredite.

     Olhei mais profundamente em seus olhos e pude vê-lo de verdade. Sim, era ele. Eu sabia que ele era especial. Meus dedos já estavam adormecidos de ficar tanto tempo dentro d’água, mas quando procurei a marca de uma lança em seu ombro direito, eu a senti. Tínhamos pensado em uma coruja, mas iria ficar muito gay.

Você pode cair e eu posso chorar

Encoberto de mágoas

Eu me recuso a deixar essa lágrima separar nossas vidas

Outros falam, deixe eles falarem

Amor não é fácil, mas está valendo a pena por você

Você vale a pena, sim

     Pensei no que eu faria se fosse eu mesma. Eu brigaria, gritaria, e faria com que se arrependesse de ter se aproximado de mim. Mas aquele tempo lá, mesmo que tenha sido mínimo, acabou mesmo me mudando. E eu acabei vendo um lado dele que tinha sido esquecido.

     Então eu acabei apenas sorrindo e o beijando de novo (o que? Eu sou uma semideusa aqui, certo? Me deixe agir como uma). Ah, vou ter que ceder minha biblioteca.

     - Nós vamos contar? – ele perguntou, quando nós já estávamos deitados na areia branca.

     - Não sei. Você quer contar?

     - Zeus deve estar querendo me matar.

     Eu ri.

     - Zeus deve estar querendo nos matar.

     - Zeus está querendo matar os dois – ouvimos uma voz feminina atrás de nós.

     - Com certeza – Afrodite. Hera e Afrodite.

     Então nós quatro caímos na gargalhada. Afinal, ele deve ter brigado feio com essas duas quando soube a verdade.

     - Então, o que vocês vão fazer? – perguntou Hera em sua forma adolescente, se sentando também.

     - Não sabemos. Será que contamos?

     - Mas é claro que não! – Afrodite gritou rindo.

     - Sabe, até que aqui não é um mau lugar para se encontrar alguém – Hera disse. Mas eu sabia que era brincadeira, pois um raio cortou o céu e ela gritou: - Ô coisa de marido sem senso de humor!

     - Eu sempre soube que um dia vocês ficariam juntos de novo, sempre! – Afrodite disse, quicando no lugar – E dessa vez eu vou abençoar vocês, ah eu vou.

     - A cada dia que passa eu tenho mais medo dessa mulher – Sean, devo dizer Poseidon, sussurrou em meu ouvido.

     - Mas agora é sério, eu realmente não sei o que fazer – falei.

     - E você acha que nós sabemos? Só viemos aqui para fugir da fúria de Zeus – Afrodite disse como se fosse óbvio.

     - Anfitrite vai me matar, psicopata do jeito que é...

     - Poseidon, você ainda liga praquela sua mulherzinha sem sal e chata? Faça-me o favor, não é! – gritou Afrodite fula da vida.

     - Pitchucos meus, eu tive uma ideia – disse Hera, com os olhinhos brilhando.

     - Acho que está passando muito tempo com essa maluca aí.

     - Ei!

     - Enfim, é o seguinte: nem todos, tirando e Zeus, sabem a verdade, apenas alguns deuses menores, mas não vem ao caso... e se vocês ficassem juntos aqui no Acampamento? Já que Anfitrite não vai sair do posto de rainha e Athena não vai conseguir assumir isso no Olimpo, de tempos em tempos vocês vem aqui para se verem, entenderam?

     - Eu entendi, mas quem disse que eu vou aguentar vir ‘de tempos em tempos’? – disse Poseidon.

[...] E eu estou beijando você

[...] E se você começar a cair, eu prometo que cairei junto com você

[...] Se você desmoronar, eu desmorono também

Quando você estiver sozinho, eu estarei com você

Eu vejo você pra baixo, mas eu não vou desistir agora

Eu vou lutar por você esta noite [...]

     - Bom, querem saber? Façam o que acharem melhor. Afinal, eu não tenho ideias boas pra esse tipo de coisa – Hera disse.

     - Afrodite?

     - Não olhem para mim, esses dias eu tenho estado pra baixo.

     - Se esse for o seu ‘pra baixo’ não quero nem ver quando estiver ‘pra cima’ – eu falei rindo.

     - Jane! Sean! – era a voz de Percy – Venham! Caça à bandeira!

     - Mas Quíron não avisou nada – falei.

     - Surpresa! – ele disse, anfando de tanto correr – E quem são vocês?

     - Bella, filha de Hera.

     - Alicia, filha de Afrodite.

     - Mais novatas? Isso daqui tá parecendo a casa da mãe Joana – ele disse e depois sorriu – Queria só ver a cara da Zeus...

     Raios cortaram o céu? Quem disse SIM, acertou!

     - O que estão fazendo? – Poseidon perguntou assim que Percy já tinha ido.

     - Fugindo de Zeus, o que mais seria? – Afrodite disse.

     - Bom, poderia ser ‘fazer mais filhos’, que tal? – Hera disse sarcástica, e sim, mais trovões.

Esse jogo vai ser bem escorregadio, se é que me entendem.