Crazy escrita por Guardian


Capítulo 28
Lembrancinhas perturbadoras


Notas iniciais do capítulo

Gente, desta vez a culpa da demora não foi minha >///< Eu comecei o ano sem internet, e quando eu a consegui de volta, o site ficou travando meu computador. E então fiquei sem de novo até hoje à tarde... E eu juro que responderei aos reviews, só achei justo postar o capítulo logo antes que aconteça mais alguma coisa.



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– Parece que fazem semanas que não voltamos pra cá – comentei assim que se tornou possível ver a forma da construção da Wammy’s através da névoa que dominava as ruas da cidade desde cedo.

Estranho dizer isso, mas eu senti falta do orfanato.

– E sabe a melhor parte? – Mello falou sentado ao meu lado no banco traseiro do carro, e quando eu me virei para olhá-lo, como um sinal mudo de “Não, eu não sei. Qual a melhor parte?”, ele estava sorrindo. E não era um sorriso qualquer. Era um sorriso de vitória.



– Agora eu posso comer quanto chocolate eu quiser – foi o que eu falei, mas essa era apenas uma pequena parte da verdade. Sim, nada mais eficaz do que ser sequestrado por um “confiável” monitor e levar um tiro para deixar o Roger com pena de mim e cancelar o meu castigo.

Pois eu digo: eu prefiro encarar o sorriso bizarro do Corliss a passar mais um tempo desses sem chocolate.

Mas enfim, comer chocolate é muito bom, mas essa não é a melhor parte. Não, a melhor parte é comer chocolate bem na cara dos monitores, professores, e na da cozinheira do orfanato, já que todos eles pareceram ter achado uma ótima ideia essa do Roger. “Isso vai ensiná-lo”... Ah, fala sério!



– Tirando esse... “Incidente” – Roger hesitou um pouco ao dizer, provavelmente receoso de que nós estivéssemos traumatizados demais até para ouvir a menção de Alex Corliss.

Bom, no meu caso eu não diria “traumatizado” exatamente. Só que a partir de hoje, se algum monitor ou professor tentar se aproximar de mim com conversas de apoio ou algo do tipo, eu vou tratar de ficar bem longe do sujeito.

–... Eu espero que você tenha aprendido algo, Mello – finalizou, olhando para o loiro ao meu lado pelo espelho retrovisor.

Estávamos os três no banco traseiro, com Matt e eu sentados nas pontas e Mello entre nós. Não havia muita escolha, o meio era o lugar que tinha mais espaço para não incomodar a perna machucada dele.

Não era preciso olhar para o lado para saber como era a expressão que Mello fez com essa frase.



Claro, Mello com certeza aprendeu uma lição muito importante com esse castigo insano. Duas, até.

Primeiro, quando for bater em alguém, ter certeza de que os machucados podem ser escondidos sob a roupa.

E segundo, ser ameaçador o bastante para a pessoa sequer pensar em dizer algo a alguém.

Sábios ensinamentos.

O carro estacionou no portão de entrada.

Matt desceu do carro e ajudou Mello a fazer o mesmo, entregando-lhe o par de muletas que tinha vindo no banco da frente o caminho todo. Eu também já não precisava da ajuda de ninguém para andar. Só não podia ir muito rápido, mas afora isso, tudo bem.



Mal entramos na casa e não precisamos dar nem dois passos para encontrar praticamente todos lá. Assim, todos mesmo. Pela expressão deles, todos eles estavam aparentemente ansiosos pela nossa volta.

Até o garoto que eu tinha socado na sermana passada, a causa da minha abstinência, estava lá. Sorrindo.

Não vou vou dizer que não gostei da recepção, mas... Seria melhor se eu não estivesse apoiado naquelas muletas de metal que além de me manter de pé, faziam o belíssimo trabalho de deixar meus pobres braços doloridos.



Era como se aquele pesadelo todo agora fosse algo bem distante. Longe o bastante para não conseguir nos alcançar mais, como algo que acabou tornando-se apenas uma dolorosa lembrança. Uma lembrança que nunca cicatrizaria por completo, verdade, mas que ainda assim poderia ficar guardada bem lá no fundo, intocada.

Apenas um pesadelo.

Um pesadelo do qual já havíamos acordado.

Nunca gostei de estar rodeado por tantas pessoas, mesmo que de maneira contraditória, eu não gostasse da solidão, tampouco. Mas agora, não me importei tanto com isso. Na verdade, não me importei nem um pouco.

Eu estava feliz por ter voltado.


~M~N~M~


– É bom te ver rindo – foi o comentário do Mello enquanto andávamos devagar em direção ao nosso quarto, depois de toda a comoção que o pessoal fez com a nossa volta.

– Do que está falando? Não é como se eu mantivesse uma cara mal-humorada 19h por dia como certas pessoas – falei sorrindo e olhando para ele pelo canto do olho, divertido. Mas claro que ele não ficou irritado com minha brincadeira.

Pelo contrário. Ele riu.

– Dezenove?

– É né. Todos precisam de algumas horas de sono de vez em quando.

Passamos algum tempo, umas duas horas talvez, na sala de jantar, apenas conversando, rindo, falando qualquer tipo de coisas inúteis que vinham à cabeça, e o mais importante: comendo. Sabem o que dizem de comida de hospital? Bom, não é totalmente certo, mas também está longe de estar errado.

Todos pareciam ter esquecido. Esquecido que o Mello já provavelmente tinha feito à praticamente metade deles, esquecido que eu estou com os jogos de uns seis garotos ou mais sem devolver há meses, esquecido que normalmente o Near não fala com quase nenhum deles. Tudo foi simplesmente... Deixado de lado por algumas horas.

Acho que era mais do que justo.

Claro que a recomendação médica era “direto para a cama assim que chegarem em casa”, mas quem liga? Roger nos deixou em paz também, então pronto.

– Vamos logo – Mello começou a tentar ir mais rápido, e então indicou com um gesto de cabeça suas tão necessárias muletas – Eu odeio essas coisas!

Já que as mãos dele estavam ocupadas, fui eu quem abriu a porta do quarto. Sorri involuntariamente.

Tudo estava exatamente igual ao dia que eu saí para a cidade para fazer o bendito trabalho de história. Gavetas faltando, abajures quebrados, portas pendendo. Tudo estava com deveria estar.

Menos...



O quarto parecia do mesmo jeito de antes. Acho bom mesmo que ninguém tenha entrado aqui e mexido em algo enquanto estávamos fora.

Assim que fechou a porta e olhou ao redor com um sorriso mínimo de satisfação, Matt estacou no lugar. Estranhei, claro. Mas antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ele andou até sua cama e se abaixou sobre o travesseiro.

Estranho.

Mas mesmo suspeitando que havia algo errado, o imitei e fui para a minha própria cama, deixando as muletas apoiadas ali e sentando no colchão.

Porque eu tinha visto algo.

Um brilho vermelho me chamou a atenção, e eu fui até ele.

Um único bombom em cima do meu travesseiro.

Eu conhecia aquele bombom.

E foi isso que me assustou.

Parecia que eu tinha voltado para a última semana, quando eu encontrei aquele monitor na cozinha, comendo sozinho, no primeiro dia do meu castigo. Para o momento que ele falou comigo pela primeira vez, e principalmente, para o momento que ele me ofereceu aquele bombom. O bombom que me fez decidir seguir com aquela ordem ridícula do Roger até o fim. O bombom de embrulho laminado vermelho idêntico ao que eu tinha em mãos agora.

Quase que mecanicamente, levantei o rosto e olhei para Matt. Aposto que a expressão dele era praticamente um reflexo da minha no momento.

Porque ele também tinha algo nas mãos.



Não... Não podia ser... Tinha acabado... Tinha que ter acabado!

Em cima do meu travesseiro, perfeitamente destacado por cima da fronha branca, tinha um pedaço de pano preto.

Apenas isso.

Mas não precisava de mais nada.

Eu reconhecia aquilo. Como poderia não reconhecer? Talvez nem fosse a mesma, mas não importava se era ou se era só parecida. Eu lembrava.

A venda preta que aquele cara colocou em mim quando começou a...

Virei para olhar para Mello e ele parecia estar na mesma confusão e temor que eu.



– Near – nós dois acabamos falando ao mesmo tempo, em pouco mais do que um sussurro.

Se tinha algo relacionado a ele esperando por nós aqui, então Near também...

Sem perder tempo pensando, me levantei da cama e saí mancando e quase derubando aquelas porcarias de muletas. Matt veio junto.



Eu nem dava atenção para o meu machucado que começava a arder com o esforço que eu não deveria estar fazendo.

Eu não queria ficar sozinho.

Eu tinha que encontrar eles.

Logo que entrei no meu quarto percebi que tinha algo estranho, errado. Não era preciso ser um gênio para perceber que um pedaço quebrado de madeira não deveria estar em cima da sua cama.

Eu não sabia exatamente o que aquilo significava a princípio, mas assim que eu fechei meus dedos em volta daquela madeira, olhando-a melhor, me veio uma sensação de que eu conhecia aquilo de algum lugar. Mas da onde?

Olhei para o quarto sem levantar, tentando encontrar algo mais que não deveria estar ali. Não havia nada mais. Meu quarto nunca teve muitas coisas, para início de conversa. Cama, guardarroupa, alguns brinquedos jogados, escrivaninha, cadeira... Cadeira?

Aquela possibilidade veio como um lampejo na minha mente. Não seria possível que...

Andei devagar até minha cadeira, e me abaixei ao alcançá-la. Passei o pedaço que segurava para a mão esquerda e com a direita, fechei minha mão em volta de uma das pernas de madeira.

Será que... Será que podia ser a... Cadeira que o Mello quebrou?

Receio. Suspeita. Medo.

E era por isso que eu andava rápido (ou ao menos tentava) pelos corredores.


Nós não precisamos ir até o quarto do Near, nós o encontramos na metade do caminho. Ofegante, com os olhos levemente arregalados e assustados, e segurando um... Pedaço de madeira?

O que era aquilo?



– Near, o que é isso? – Matt perguntou um pouco sem fôlego, apontando para a coisa que Near segurava.

O pirralho não respondeu para ele. Ao invés disso, ele se dirigiu a mim, mais ofegante do que qualquer um de nós.

– Me... Mello, isso... – ele me estendeu o que parecia ser um pedaço de madeira velha.

– Estava no seu quarto? – perguntei sem entender o que aquilo deveria ser.

Ele respirou fundo umas duas vezes antes de conseguir falar direito.



– Você não acha que isso se parece muito com a perna de uma cadeira velha de madeira, provavelmente apodrecida por passar tanto tempo em um local abandonado, e que foi recentemente quebrada com dois ou três golpes?

Do que é que ele estava falando afinal?

Mas pelo jeito eu fui o único que não entendeu, porque Mello fez a mesma expressão de quando encontrou aquele bombom.



Pedaço de uma cadeira. Venda. Bombom.

Como aquele... Como ele conseguiu...

Senti um suor frio escorrer pelo meu rosto, e instintivamente dei um passo mancado para mais perto dos dois, deixando meus apoios firmes embaixo das axilas e segurando com cada mão o braço de um deles. Sentí-los perto, seguros. Olhei nervoso ao redor.

Eu temia ver em um canto próximo, os cabelos negros, o sorriso, o brilho doentio dos olhos verdes. Ouvir a voz calma e gélida. Sentir o aroma doce.

Acho que todos nós.



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Notas finais do capítulo

Consegui surpreender alguém? :3
Bom, o próximo será oficialmente o último, mas...
Eu queria perguntar: o que vocês achariam de uma continuação? É que enquanto escrevia esse capítulo, me vieram algumas ideias e até pensei em como o Near deixar de ser forever alone e... Vocês gostariam? Ou acham que só essa fic já basta? A escolha é de vocês, então por favor digam no review ~