Isso era um tanto cruel. Eu gostaria muito de pular na minha cama, enfiar a cara no travesseiro e chorar até ter dificuldades para respirar. Por muito tempo, eu me recusei a fazer amigos em Franklin principalmente por que tinha medo de que, de alguma forma, eu tivesse que me separar deles como tive de me seperar dos meus amigos de Boston. Eu não queria sentir tudo aquilo de novo, sentir que eu ia simplesmente desaparecer e a vida deles ia continuar perfeitamente bem sem mim, sem que eles notassem a minha ausencia depois de algum tempo. Contudo, eu deixei que as minhas defesas caíssem e fui ser uma garota comum, com alguns amigos mais próximos. 

E justo quando eu estava disposta a esquecer tudo e voltar à minha segura e não-dolorosa rotina sem vida social, surge a  minha ex-melhor amiga e meu ex-namorado. Simplesmente assim. Chego em casa e de repente Tiara pula em mim enquanto um rapaz loiro sorria para mim da varanda da minha casa. Tiara e Ryan. Os dois de Boston de quem eu mais sentia falta. 

Tiara, baixinha, cheia de curvas, um sorriso gigante no rosto e os longos cabelos rebeldes formando uma aura de cachos ao redor do seu rosto. Ryan parecendo menos bonito do que era aos doze anos, mas com um sorriso largo nos lábios e os cabelos loiros cortados bem curtos. Tiara ainda me apertava com força, gritando alegremente que precisávamos conversar sobre tantas coisas que não podiam ser faladas por telefone e msn. Assim que ela me soltou, Ryan abriu os braços e, agindo no piloto automático, tropecei na direção dele e simplesmente pulei os degraus da escada, abraçando-o com força.

- Ryan! Ryan! Tiara! - balbuciei, sem conseguir dizer nada a lém do nome deles. - Vocês... Aqui.. Tiara! 

Eu virei-me para Tiara que ainda estava parada ao lado de Josh ligeiramente lacrimejanto ao me ver abraçando Ryan. Como aquilo parecia para ela? Seus dois melhores amigos ali outra vez? A minha vontade de chorar passou completamente e passei a não sentir absolutamente nada. Havia sido anestesiada. Pendurada no pescoço de Ryan como um tipo de bicho de pelúcia gigante, voltei-me para Tiara.

- O que diabos vocês estão fazendo aqui? Eu quase morri justo agora...

- Sua mãe nos convidou. - afirmou ela, sorridente, enxugando uma lágrima. - Vamos passar uma semana aqui em Franklin. Cara, eu nem acredito que a minha mãe me deixou faltar uma semana de aulas. Mille, que merda é essa que você tá usando? Está horrível.

- Olha só quem fala! O que é esse decote, você vai fazer ponto na esquina?

- O que há com seu cabelo? Resolveu virar a rapunzel?

- Sua horrorosa, como ousa falar do meu cabelo!

- Pra mim, as duas estão lindas. - interrompeu Ryan. 

Ele sabia que quando Tiara e eu começávamos a criticar uma a outra, podíamos passar horas nos insultanto. Aquilo me encheu de nostalgia. Eu estava quase sorrindo quando meu olhar se voltou para Josh. Ele estava fazendo algum tipo de dancinha estranha com as mãos e foi como eu percebi que ele tinha ficado chateado por ser ignorado. Ao ver que eu estava olhando, ele parou de mexer as mãos e lançou um olhar mal humorado a Ryan. 

- Ah!  - balbuciei - J-Josh. Tiara, Ryan, este é o Josh. Josh. Essa ao seu lado é a Tiara. E esse é o Ryan. - apresentei, sem soltar Ryan. 

- Uh, encantada, senhor. - Tiara sorriu, o que me fez querer bater nela e mandá-la sorrir sedutoramente para outro cara. Talvez eu batesse nela de qualquer jeito. A gente ia acabar se estapeando em algum momento mesmo. 

- Igualmente. - ele respondeu sem muita vontade. - Ei, Lud, você está entregue, eu vou pra casa. Acho que estou certo em supor que você não vai trabalhar hoje. 

- Cubra meu turno, eu imploro. - falei, sem pensar. - Eu fico te devendo, então por favor? 

- Tanto faz. Eu vou cobrar.

E, enfiando as mãos nos bolsos, ele saiu andando sem sequer me olhar outra vez.

- Ele parece meio chateado com alguma coisa. - Ryan ergueu as sobrancelhas.

- Imagina, ele deve estar de mau humor por que o namorado dele está paquerando a minha vizinha.

Eu não queria falar sobre Josh ou sobre qualquer um dos moradores de Franklin. Mas Tiara queria falar, ah, como queria. Ainda na varanda ela me reportou sobre a vida de todas as pessos de Boston que eu conhecia e também algumas que eu não conhecia. Meus ouvidos começaram a doer antes que eu chegasse à sala de estar, onde minha mãe esperava com um sorriso largo.

- Surpresa? - ela perguntou.

- Se estou surpresa? Eu quase morri justo agora, mulher! 

- Eu achei que você fosse gostar de rever Tiara e Ryan depois de um tempo, você tem andado tão desanimada que nem mesmo Josh eu tenho visto ultimamente.

Claro, mamãe. E o melhor remédio para a minha solidão é jogar sal na minha ferida, trazendo de volta temporariamente meus antigos amigos, para que eu sentisse ainda mais falta deles quando fossem embora e me deixassem sozinha outra vez. Eu não gostava de adiar a dor. Eu preferia senti-la de uma vez para deixar pra lá o quando antes. Só mais dois anos naquela droga de cidade e eu me mandaria para uma faculdade do outro lado do país, onde estaria livre pra não pensar mais naquilo tudo. Não era como se eu tivesse passando por problemas de verdade como... Como a minha casa pegar fogo ou pegar câncer. Era algo puramente emocionato e totalmente esquecível.
Eu espero. 

- Por que vocês não vão para o quarto? - perguntou mamãe parecendo um tanto animada demais.  - Daqui a pouco vai ser hora do jantar. Você não tem que trabalhar hoje, tem Lud?

- Josh pegou meu horário. - falei, sem emoção nenhuma.

Era muito surreal estar com Tiara e Ryan depois de tanto tempo. Eu não acreditei enquanto subíamos as escadas e entrávamos no meu quarto bagunçado. Tiara reclamou da bagunça e tudo que Ryan fez foi apanhar Mouche do chão e começar a acariciar sua cabeça. Mouche não se importou com um estranho estar lhe dando carinho, pois o estranho realmente tinha muito jeito com animais, embora parecesse pouco a vontade no quarto da sua ex-namoradinha de infância. 

O desconforto não durou nada. Logo Tiara estava largada na minha cama e eu, Ryan e Mouche estávamos no chão com alguns dos meus travesseiros. Mouche saltou para o meu colo enquanto conversávamos. Nós ainda gostávamos das mesmas coisas, nós ainda tínhamos muito assunto. Não houve um só minuto de silêncio.

Sempre foi fácil, sempre foi natural ser amiga deles dois. Tiara e eu costumávamos achar os mesmos artistas bonitos, havíamos lido os mesmos livros e gostávamos do mesmo tipo de história. Ryan ainda ouvia as mesmas bandas que eu, inclusive as que eu começara a gostar depois que viera para Franklin. 

Eu percebi que, inconscientemente os estava comparando a - Argh! - Gretchen e Josh. Não havia um dia em que Josh não tentasse enfiar na minha cabeça que eu estava escutando o tipo errado de rock - quando eu sabia que era ele quem estava, com todas aquelas bandas estranhas sem melodia que apenas gritavam e faziam barulho com as guitarras. Gretchen sempre estava numa de roupas, cabelo e maquiagem. Ela se importava muito com a aparência e tentava fazer com que todos ao seu redor seguissem o seu exemplo. Fora um bizarro gosto por mangás que retratavam lindos garotos se pegando, Gretchen e eu não tínhamos absolutamente nada em comum.

Apesar disso, também nunca faltavam assunto para nós. Estávamos sempre conversando sobre as coisas mais aleatórias e eu acabava me divertindo. Não fazia a menor idéia do porquê. 

Depois a hora do jantar, Tiara estava nos brindando com uma imitação de Marcie McFinn dançando em cima da mesa na festa de 15 anos da irmã mais nova de Ryan quando a Hare hare yuukai começou a tocar alto em algum ponto do quarto. Não é brincadeira. Hare hare yuukai, a música de encerramento de Suzumiya Haruhi no yuutsu. Senti meu rosto corar enquanto revirava a minha mochila até encontrar a fonte da música alegre: Meu celular. 

Vá em frente e atire um tomate em mim se você nunca tiver tido como toque de celular uma música alegre e constrangedora. Embora atirar um tomate em mim provavelmente será a ultima coisa que você fará, considerando meu mau humor naquele momento. Eu amaldiçoava quem quer que estivesse me ligando naquele momento, pois, embora adorasse Haruhi, eu não era o tipo que saía por aí admitindo que dança Hare Hare Yukai. Estraga a minha imagem de antipática que é a única coisa que evita que aquelas posers da minha escola se aproximem de mim. O nome no identificado de chamadas dizia "Idiota das batatas". Não pergunte de onde saiu ESTE apelido. Tem algo a ver com anime e uma estranha acusação de fetiche por salsicha. 

- Por que você não vai se pegar com o seu companheiro de quarto no lugar de ligar para as pessoas a essa hora, Josh?

Insinuar um possível relacionamento além da amizade entre Ryan e Josh era mais do que um hábito entre Gretchen e eu. Na verdade, não apenas Josh e Ryan, depois que começamos a ler yaoi passamos a ver coisas gays em todo canto. Acho que a maldade está nos olhos de quem vê, de qualquer modo.

- O que? Bem que ele queria, mas não é muito a minha praia.

- Ryan? - perguntei num tom de voz que dizia com clareza "Você vai morrer, amiguinho."

- Ei Lud. 

- O que voce quer?

- O telefone da sua vizinha.

Desliguei na cara dele. Ele desistiu da Gretchen MUITO rápido depois que conheceu a Rachel.

- Quem era? - perguntou Tiara, interessada.

- O estúpido do Ryan. - Olhei para o outro Ryan na minha frente, começando a ficar confusa com essa história de mesmo nome. - Para que não se misture com você, doravante vamos chamá-lo de amante secreto do Josh. - acrescentei em tom malicioso.

- Sei. - Tiara riu. - Esse Josh é o cara que veio com você da escola, né? Ele é mesmo gay?

- Não. Eu acho. Pra quê você quer saber? - Por que eu perguntei isso tão na defensiva?

- Ele seria um desperdício e tanto.

- Não falem disso na minha frente, por favor - Gemeu Ryan fazedo uma careta. 

Estávamos rindo da expressão dele e o chamando de criança quando pela segunda vez o som do meu celular tocando encheu o quarto. Atendi logo que começou a tocar e já cumprimentei irritada:

- Não vou te dar o telefone da Rachel, seu puto, pare de dar em cima das minhas ami... - Me interrompi.

Rachel não é minha amiga. É só minha vizinha. E Gretchen, que era quem o Ryan-melhor-amigo-do-Josh paquerava antes, também não era mais minha amiga e nem nunca fora. Ele nunca realmente estivera dando em cima de uma amiga minha.

- Ei, eu empresto o celular para o Ryan um segundo e sou atendido desse jeito?

- Josh. - dessa vez, minha voz saiu num suspiro derrotado. Nem eu mesma estava entendo o meu humor. Algo estava me incomodando e eu sentia a necessidade de ser antipática com tudo e todos.

- Ei, está tudo bem?

- É. O que você quer?

- Ah, desculpe. - a voz dele se tornou ácida. - Estou interrompendo seus preciosos momentos com seus antigos amigos?

- É você está, sim.

- Desculpe se sou um amigo novo e sem importância.

- Você é idiota? Do que está falando? E pode dizer logo pra que ligou!?

- Ei, você anda impossível. Pode me dizer o que há de errado?

Eu estou com saudades de Gretchen mesmo ela tendo me traído como numa história de filme americano clichê. Está me machucando ver Tiara e Ryan por que não estou tão feliz quanto achei que estaria. Estou irritada com meu relacionamento com você e não tenho coragem de resolver isso de uma vez por todas por que sou uma garota patética com medo de levar um fora.

- Não, não posso.

Silêncio.

- Acho que você não precisa mais desabafar comigo agora que os seus amigos de verdade estão aí.

- Isso na sua voz é ciúme?

Mais silêncio.

- Ah, cala a boca. Ei, Ryan! - ele gritou longe do telefone - Se continuar fazendo isso, eu vou até aí te bater!

Eu ri baixinho, quase amargamente. Então notei que Tiara e Ryan me olhavam atentamente, ela de boca aberta e ele com um sorriso abertamente malicioso. Merda. 

- Então... Josh... Você ligou por... ?

- Não lembro. - ele falou simplesmente. Ao fundo, ouvi o Ryan-melhor-amigo-do-Josh gemer algo que soou como "Você deu pra trás! Não acredito!"

- A gente se fala segunda na escola então.

- Lud... -ele começou. Eu pude ver na minha mente sua boca abrindo e fechando sem dizer nada. Meu coração acelerou por um instante, mas no instante seguinte um bip discreto no meu celular me informou que ele tinha desligado. Frustrada, atirei o celular na cama.

- O que foi isso? - perguntou Tiara ligeiramente boquiaberta.

- Nem me pergunte. - suspirei. - Estamos meio que brigados.

- Você não parece muito feliz com isso.

- Quem fica feliz de brigar com os amigos, T? 

- Amigos? - repetiu o-meu-Ryan erguendo as sobrancelhas.

Qual é! Eu já estava por aqui de pessoas me confundindo com a namorada do Josh. Meu precipício por ele era tão óbvio assim? Ele sentia alguma coisa de volta? Então por que não tomava a droga de uma atitude? Eu andara agindo feito doida, eu o tinha beijado, pelo amor de Deus! Eu só podia pensar numa explicação para a falta de interesse por parte dele: Ele não gosta de mim como eu gosto dele. Tão frustrante que eu ri alto.

- Amigos, Ryan. - falei.

Depois de algumas horas, a exaustão da viagem pegou meus amigos e eles adormeceram nos colchões extras que minha mãe enfiara no meu quarto, empurrando tudo o que antes estava espalhando no chão para baixo da minha cama. Eu não estava com sono. Meu relógio biológico estava acostumado a dormir no sábado apenas depois das duas da manhã. Não que eu costumasse ir a festas com muita frequência. Eu apenas ficava muito tempo no telefone... Ou assistindo filmes de terror na casa de alguém, geralmente Gretchen ou Heather. Olhei pela janela do meu quarto que dava para a frente da rua. Na janela logo a minha frente pude distinguir as formas de Rachel e sua irmã Ayla assistindo alguma coisa na televisão. Eu apostaria que estavam vendo Harry Potter.

De repente, meu estômago saltou de um jeito desconfortável e eu precisei de chocolate. Esfreguei meu rosto com as duas mãos sentindo meu desconforto aumentar. Tudo o que eu tinha feito com a minha frustração e mau humor até então tinha sido descontar nos outros e rir de mim mesma. Acho que não sou capaz de ser gentil comigo mesma, assim como não sou capaz de ser gentil com os outros. 

Pensei que o andar de baixo estaria vazio considerando a hora tardia, mas não: Minha mãe estava na sala vendo alguns episódios reprisados de Friends. Ao me ver ali, ela não falou nada. Apenas apontou para o lugar vazio no sofá ao lado dela,como se soubesse que eu ia descer à meia noite e estivesse me esperando. Sem questionar, fui me sentar ao lado dela. Mamãe me envolveu em seus braços e continuou a assistir. Ficamos em silêncio por longos minutos. 

- O que foi isso, mãe? - perguntei por fim. - Tiara e Ryan de repente?

- Não está feliz com a surpresa?

- Parece um pouco cruel me dar de volta temporariamente o que eu mais sinto falta em Boston.

- Desculpe, querida. - ela franziu o cenho. - Não queria magoar você.

- Não magoou. Só me conte o que foi isso.

- Não... Não tem que ser temporariamente, Ludmille.

Afastei-me da minha mãe quando ela disse isso. Meu cérebro tentou assimilar o que ela queria dizer com aquilo. Contudo... Não podia ser. Podia?

- Mãe? 

- Eu quero voltar para Boston, amor. As coisas não estão muito fáceis em Franklin e eu sinto falta da nossa cidade natal. E eu queria ver se você ainda sente saudades... Ou prefere ficar aqui. 

Eu não consegui falar nada. Tudo o que eu havia desejado nos últimos três anos era ouvir aquelas palavras. Antes de conhecer Josh e ficar amiga de Gretchen e essas coisas. Mas no fim, eu estava apaixonada por Josh, mesmo ele demonstrando estar muito desesperado para me dar um fora e acabar logo com as minhas esperanças. Minha amizade com Gretchen e os outros não era verdadeira.

- Pense nisso, filha. Depois você me procura e me diz o que acha a respeito. - Dizendo isso, minha mãe levantou e caminhou para o hall. Eu agarrei o pulso dela.

- Vamos, mãe. Eu quero voltar a morar em Boston.