Livre Arbítrio: Eu Escolho Você. escrita por MilaBravomila


Capítulo 53
Capítulo 53




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A dor era lacerante. A lâmina que entrou no coração de Gabbe, me atravessou também e, de alguma forma, me matou. Bom, já disseram uma vez que morrer por alguém que você ama talvez seja uma forma boa de morrer. No meu caso, eu tentei acabar com a pessoa que estava ferindo meus amigos e meu grande amor e, portanto, não fiquei triste em perder a vida por isso.
A morte era estranha, lenta e tranqüila. Conforme os milésimos de segundos foram passando, o tempo foi ficando cada vez mais lento. Eu vi a figura linda de Daniel voando em minha direção e o rastro de lágrimas que deixavam seus olhos formou um belo espetáculo, com as gotas suspensas no ar. Se fosse dia, certamente eu veria um mini arco-íris refletido nelas e seria lindo.
O corpo frio de Gabrielle estava caindo frente ao meu, com aquele objeto negro, lindo e fatal cravado em seu peito. Sem dúvida esse era um objeto sagrado, não que tudo que seja sagrado seja bom. Desde o momento em que toquei na espada, eu senti como se toda a maldade do mundo irradiasse direto pra mim e foi tão forte que parecia um choque. Era um objeto do Mal e talvez por isso, tenha me matado também, ou estava me matando, sei lá, porque eu ainda estava parada aqui, caindo, e Daniel ainda estava voando em minha direção, apesar de estar paralisado no ar.
Olhei ao meu redor. Tudo parecia estar suspenso no tempo, assim como Daniel, Gabbe e eu. Arriane estava retirando sua espada de dentro do corpo de um demônio e olhando em minha direção com olhos arregalados. De sua espada, as gotas do sangue negro da criatura saiam como respingos que, assim como as lágrimas de Daniel, estavam suspensas no ar, imóveis, contrariando todas as leis da física. Eu sorri.
Provavelmente eu estava ficando louca, mas a vontade de sorrir foi imensa. De repente, tudo ficou muito parado e tranqüilo e minha dor tinha desaparecido. Apesar de a cena ser verdadeiramente grotesca e violenta, os detalhes eram belos. Meus olhos passearam para o lado de Arriane e avistei Roland. Com suas belas asas ele afastava um demônio e com sua espada estava prestes a acertar outro. Os olhos dele estavam em Arriane, não em mim. Ele lutava ao lado dela e parecia querer protegê-la também, até mais do que a mim, eu diria. Isso fez meu sorriso se ampliar. Senti uma felicidade sem fim ao assistir à estática cena.
Virei-me para o outro lado e vi a figura familiar de Cameron. Assim como Daniel, ele estava fazendo um impulso com os pés no chão em minha direção e eu sabia que estava vindo pra mim. Bom, tentando, porque assim como tudo, estava perfeitamente congelado. Eu admirei seu cabelo negro revolto e tão contrastante com seus belos olhos verdes. Seus olhos me fizeram diminuir um pouco o sorriso, porque, assim como os de Daniel, pareciam desesperados. Ele estava assistindo eu me matar junto com Gabbe, era óbvio que estivesse assim.
Mas outra onda de alegria repentina me invadiu e eu simplesmente senti... felicidade. Era tão forte que explodia meu peito. Bom, a morte não era um acontecimento triste, afinal. Se eu
soubesse que todas as pessoas queridas que perdi durante a vida sentiram isso que estava sentindo agora, eu não teria chorado por elas, e sim com elas.
Foi então que eu senti. A mesma presença que me veio em sonho uma vez, há muito tempo. Foi na ocasião que eu sonhei com Daniel e Cameron em um lugar que eu julguei ser o Paraíso e foi essa presença que me impediu de atravessar o rio para alcançá-los.
- Luce – a voz mais absolutamente perfeita soou não em meus ouvidos, mas dentro de mim, e eu sabia que vinha dessa criatura divina.
A necessidade de olhar pra ela era urgente, como foi no sonho da outra vez, sendo que naquela ocasião eu não tinha conseguido. No meio de tudo estático e suspenso no tempo, eu me virei para a direção que eu sabia que o ser estava.
Eu levantei de minha torpe posição e virei já de pé. Bom, eu levantei e virei, não meu corpo. Era estranho, mas eu estava me vendo lá caindo de frente pra Gabbe com uma cara de dor, mas eu estava acima disso. Eu era eu, mas não fisicamente. Olhei para baixo, para tentar enxergar alguma coisa e o que eu vi era simplesmente uma forma minha diferente, espectral. Minhas mãos, pernas e braços estavam translúcidos e eu parecia não pesar nada.
Um fantasma, pensei, agora eu era um fantasma presa no espaço-tempo. Maravilha.
- Você está certa, de certo modo. – a voz soou dentro de mim novamente.
Eu levantei a vista e chorei – bom, se é que fantasmas pudessem chorar, mas a sensação era a mesma de estar chorando.
A alguns metros de mim, estava um ser que parecia feito de luz. Era alto, beirando os três metros, e tinha a forma humana. Uma coisa que me lembrou uma túnica muito branca vestia seu magro e longilíneo corpo e caía até o chão e eu não via as pernas ou os braços. A cabeça, única parte descoberta, brilhava tanto, que eu não podia ver nada definido em sua face, era apenas o contorno difuso de um humano normal, com feições finas. Dessa bola de luz que era sua cabeça pendia uma longa cabeleira também branca, lisa e resplandecente. E tinha asas. Não era um par de asas qualquer e tão pouco era apenas um único par de asas, mas eram três. Três pares de asas que saíam de trás daquele ser magnífico enchiam minha visão molhada com as lágrimas. O par de cima era o maior e tinha um reflexo dourado; o segundo par, um pouco abaixo do primeiro, era mediano e tinha um reflexo que tendia ao prata; o terceiro par, era da mesma impressionante envergadura do segundo, localizado um pouco abaixo deste, e era totalmente branco.
A voz me faltou a apenas as lágrimas rolam quentes em meu fantasmagórico rosto, mas a felicidade e a alegria que eu sentia eram inigualáveis.
- Eu estou morta? – perguntei depois do que me pareceu uma eternidade.
- Sim. – a voz linda como sinos soou dentro de mim – Está triste por isso?
- Não. – respondi imediatamente.
- Por quê?
- Porque eu fiz o que achei que era certo pra salvar Daniel e os outros, então, não estou triste por ter morrido.
Eu não vi, mas senti nitidamente que o ser a minha frente sorriu.
- Eu morri por ter usado a espada de Gabbe, não é? – perguntei curiosa. Agora seria o momento de obter minhas respostas.
- Sim. Você morreria apenas por ter tocado naquele objeto, mas a parte sagrada que existe dentro de você permitiu que seguisse em frente e terminasse com sua adversária. Mas está certa, o objeto a matou.
- É uma espada amaldiçoada? – perguntei.
- Aquele objeto carrega muito sofrimento, muita dor e ódio. Qualquer ser que o toque sem permissão de seu dono, irá encontrar um fim igualmente doloroso. Gabrielle a manuseava porque vendeu seu sangue e sua alma pra isso e tinha autorização, embora ainda lhe custasse muita dor fazê-lo.
- Eu não compreendo... ela fez tudo isso somente por vingança, só pra me matar?
- Gabrielle tomou sua decisão, Lucinda, e ela escolheu o caminho errado. A obsessão que ela sentia por Daniel a cegou de tal forma que nada mais no mundo a importava, nem o destino dela nem o destino de seus irmãos.
- Ela o amava. – eu disse me sentindo triste de repente.
- Não. O amor não destrói, Luce, nunca. Me diga, se Daniel se apaixonasse por outra pessoa e escolhesse viver longe de você com ela, o que você faria?
Eu senti um vazio imenso em meu peito apenas por ouvir tal possibilidade, mas ainda assim, a resposta me veio sem pensar.
- Eu o deixaria ir. – falei baixinho – Eu só desejo que ele seja feliz, estando comigo ou não... mesmo que isso me mate.
Senti o ser sorrir mais uma vez.
- Você vê, isso é o amor, não o que Gabrielle pensava que sentia.
Eu finalmente entendi. Meu coração apreciou fazê-lo.
- Você é um anjo especial também?
- Todos somos especiais, sem distinção.
- Mas é tão diferente... eu me sinto tão bem com você por perto, sinto tanta paz.
- Eu sou o que chamam de Serafim e tenho a missão de transmitir amor aos demais, por isso você sente paz em minha presença, pois essa é minha missão.
- Nossa... – foi tudo o que minha mente genial conseguiu dizer simplesmente na presença do anjo mais próximo a Deus.
Ficamos um tempo em silêncio e eu olhei a minha volta. Os anjos, os demônios, as árvores, os objetos, o vento, tudo ainda estava suspenso no ar, como se alguém tivesse apertado o botão de pause.
- O que acontece agora? Com a minha morte, o fragmento se perde no final das contas e os anjos vão acabar enfrentando o destino que tanto tentaram evitar.
Eu estava rodeada de tanto amor que era impossível me sentir triste, mas lembrar das conseqüências de meu ato impensado me fez sentir um pouco fria por dentro.
- Ainda não. – o ser respondeu em meu coração.
- Como assim? O que acontece agora? – perguntei com um fio de esperança na voz
- O destino das almas angelicais foi depositado em três almas humanas muito especiais e você é uma delas, Lucinda. Você não foi simplesmente morta, mas sua vida foi dada de bom grado em nome da salvação das pessoas que ama e isso traz recompensas.
- Recompensas?
- Sim. Agora é a hora em que você toma a decisão final. Existem diante de você dois caminhos. No primeiro, você continua seguindo o ciclo que surgiu desde o momento em que a escritura sagrada foi dividida entre os mortais, ou seja, você morre, sua alma segue em frente, e o pedaço do fragmento que habitava em você é transferido para outra alma digna que habita um corpo recém-nascido. Depois de um tempo, você renasce em outro corpo, em outro tempo, e tudo continua. O ciclo do fragmento, porém, continua com outro ser. O segundo caminho é uma escolha difícil a ser tomada. Pelo seu ato de amor uma brecha se abriu, única e magnífica. Você tem a opção de fazer todos os fragmentos se unirem novamente e a escritura sagrada retorna para às mãos do Criador, acabando de vez com a possibilidade da perdição de todos os anjos.
Eu ofeguei. Reunir as escrituras e fazer tudo ficar bem era a chance que eu tinha e tudo o que eu tinha que fazer era me sacrificar, tirar minha própria vida. Eu fiquei feliz.
- Bom, eu já morri mesmo, então os fragmentos se unirão e tudo volta ao seu lugar? – perguntei.
- Não. – a voz doce do ser ressoou em mim mais uma vez – A segunda escolha implica em um sacrifício muito maior do que apenas perder a vida, Lucinda.
- Um sacrifício maior?
- Sim. Me diga, qual é o seu maior tesouro, a coisa mais valiosa que existe pra você?
Dentro de mim eu soube o que teria que sacrificar e pela primeira vez desde que estive na presença deste ser celestial, eu chorei de tristeza.
- Me diga, Luce, o é mais importante pra você e que está acima de qualquer outra coisa?
- O amor de Daniel. – respondi de cabeça baixa, certa de que o que viria a seguir, me mataria mais uma vez. Continuei em voz baixa – Para que os fragmentos se reúnam mais uma vez eu tenho que sacrificar o amor de Daniel.
- Sim. – a voz soou mais uma vez.
Respirei fundo, mas era como se meus pulmões estivessem também estáticos, ou talvez fosse apenas tristeza mesmo. Lentamente fui em direção a Roland e Arriane, parados em suas posições. Lembrei de quando disputei um duelo de dança com ele e de quando ela entrou na igreja comigo como minha madrinha, no dia mais lindo de toda minha vida. Eu os agradeci mentalmente por tudo o que fizeram por mim.
Segui adiante e parei em frente a figura esbelta de Cameron. Com um suave toque em seus cabelos lhe disse mentalmente que o amava e que sempre o amaria. Nessa hora eu percebi que o que eu sentia por ele era uma amizade tão profunda, que ia além de qualquer vínculo de namorados ou amantes. Eu o senti como um irmão e o quis tão bem quanto alguém poderia desejar a uma pessoa muito querida.
- Volta pra sua velha vida, Cam. Eu aprendi muito com você e agora percebo qual era meu papel em sua vida. Quando você esteve comigo, eu vi o violeta brilhar em sua alma novamente. Você é bom, Cameron, e pode voltar pra seu caminho, e esse é o meu maior desejo.
Eu pronunciava as palavras com meu coração, não com minha boca, enquanto alisava seu sedoso cabelo negro como a noite com meus dedos fantasmagóricos.
Lentamente eu comecei a caminhar na direção de Daniel.
Quando me detive em frente a ele, não pude conter o choro. Eu estava feliz. Finalmente, eu tinha a chance de fazer a alma dele ser pura para sempre, sem ameaças, sem medos. Finalmente eu percebi que minha missão na vida não era ficar com ele e sim, protegê-lo.
Diante de sua figura linda eu peguei as lágrimas que estavam pairando no espaço ao seu lado e as que escorriam de seus olhos. Catei cada gotinha morna com as mãos e depois sequei seu rosto. Seus olhos violetas, que eu nunca mais veria, estavam diante de mim. Eu me pus nas pontas dos pés de beijei suavemente seus lábios pela última vez.
- Eu escolho você, sempre, meu anjo. – eu disse baixinho ainda com os lábios junto aos dele – Você não vai se lembrar de mim, mas eu quero que saiba que eu nunca, nunca vou deixar de amar você, não importa o que aconteça.
Eu respirei fundo e minha decisão já estava tomada. Caminhei de volta ao meu lugar original e encarei o Serafim, a figura mais bela que poderia ter visto, e desejei sinceramente poder lembrar disso depois, independente do que fosse acontecer comigo.
- Então eu escolho a segunda opção. Eu escolho salvá-los pra sempre.
Minha voz saiu alta e decidida e no meu íntimo a paz que sentia era plena. Finalmente eu tinha cumprido o meu propósito.
- Então que assim seja. – a voz do anjo de Deus soou bela e definitiva.


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Notas finais do capítulo

O prox cap é o Fim, o epílogo.

Espero que tenham curtido. Obrigada por chegar ateh aki.

Bj



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