Oculto escrita por Hyuuga Bia


Capítulo 1
Vontade parcialmente saciada


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoinhas, essa é minha primeira fanfic de Hellsing.


Essa fanfic faz parte do #DiadoPost; O tema da fic por mim escolhido é: N°15 Vontade.


Em um momento da fic, coloquei uma letra de música; se quiser ouvir a música enquanto lê, aqui está um link seguro e livre de vírus: http://www.4shared.com/audio/CU7OYxu1/legio_urbana_-_eu_amo_mais_voc.html.


Sem mais enrolação, espero sinceramente que vocês gostem da fic *cruzo os dedos*


Boa leitura!

Bjos,
Bia.



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Celas caminhava a passos lentos e arrastados pelos corredores da mansão Hellsing, a caminhada era reflexo de todo o desânimo que lhe assolava, em especial, naquele dia.

Nem mesmo ver os sorrisos de escárnio nos rostos dos novos membros do batalhão da Hellsing transfigurarem-se em expressões de pura surpresa ao ver a real força da instrutora -que eles achavam que estaria melhor cuidando de crianças- a animou.

Por quê?

Porque nenhum deles era merecedor de sua resposta timidamente engraçada; e os comentários maliciosos e debochados soaram tão sem graça, que respondê-los seria perda de tempo.

A verdade era que depois daquilo parte da sua alegria havia sumido como se algo a tivesse tomado de assalto, e era isso, afinal.

Ele havia ido, para sempre, e sem permissão havia lhe roubado sorrisos, suspiros furtivos... beijos, que não mais seriam devolvidos.

Nunca mais.

Balançou a cabeça numa tentativa de afastar aqueles pensamentos. O que ela estava fazendo? Se chegasse perto de seu mestre enquanto estivesse com o francês na cabeça, com certeza seria um ótimo motivo pra que Alucard zombasse dela por pelo menos uma semana!

Desceu calmamente os degraus da escada que dava acesso a masmorra onde Alucard quase sempre estava; tomando cuidado para concentrar os pensamentos em qualquer assunto ou coisa que não possuísse ligação -direta ou indireta- com Capitão Pip Bernadotte!

- Mestre? -Celas chamou anunciando sua presença, mesmo sabendo que Alucard já lhe tinha percebido há muito.

- O que quer, policial?

Ela atravessou o cômodo, finalmente chegando até o mestre recostado em sua cadeira de espaldar alto.

- O relatório, sobre o novo batalhão do quartel general...

- E então? -Celas que até então mantinha o olhar em um ponto fixo do lugar, ao ouvir a pergunta de Alucard, voltou sua atenção a ele.

- Como sempre, eles fizeram aquelas piadinhas idiotas sobre mim -deu de ombros, ignorando a sobrancelha arqueada do vampiro- bem, eles são disciplinados e sua agilidade no campo de batalha é muito boa; conseguiram desviar das armadilhas colocadas, com pouca dificuldade e também acertaram cem por cento dos alvos que foram postos em pontos estratégicos.

- E sobre o batalhão -ainda fitando Celas, Alucard tomou em mãos o cálice e a garrafa de vinho que havia em sua mesa, colocou um pouco do líquido rubro no cálice tomando um gole logo em seguida- o que é que você achou deles?  

Ante a pergunta que mostrava o interesse repentino de seu mestre sobre pessoas que ele considerava inúteis, Celas franziu o cenho.

- Bem...eles são...er...normais? -a resposta deveria ter soado com convicção, mas a pergunta era tão ridícula que Celas acabou se questionando se aquela seria a resposta que Alucard gostaria de receber.

- Quer dizer então que não há nenhum francês abusado entre eles? -Alucard perguntou em tom zombeteiro, e só então Celas entendeu qual o motivo da pergunta anterior.

O Nosferatu não estava interessado sobre como era a personalidade dos novos membros do batalhão da Hellsing, só usou aquilo como pretexto para uma eventual brincadeira sobre a ausência de Bernadotte.

A vampira soltou um grunhido irritado.

A falta que o francês fazia pra ela, era tão notável assim?

Ainda com o olhar e sorriso cínico de Alucard sobre si, Celas girou nos calcanhares, concluindo que se o relatório já havia sido feito e comunicado não haveria mais nada para fazer ali! Já estava subindo o penúltimo degrau da escada quando a voz grave de Alucard soou alta o bastante para que Celas ouvisse.

- Tola! Tentar esconder os sentimentos não vai melhorar sua situação.

- Eu sei, mas mostrá-los pra todo mundo não ajuda muito também...

Alucard viu Celas sumir pelo corredor, enquanto sustentava uma linha de raciocínio que mantinha há muito: o quanto humanos eram...interessantes.    

Mais de trinta anos depois e aquele sonho quase nunca a deixava; provavelmente Celas só não sonhava com aquele dia quando estava realmente ferrada no sono; coisa que raramente acontecia; Já que mesmo com a rotina exaustiva de treinamento do QG da Hellsing ela não se cansava, mesmo porque era uma vampira e vampiros não se cansam, não suam e não reclamam por exaustão.

Mas será que eles sentiam saudade?

Quer dizer, será que assim como ela, eles sentiam falta de algo que perderam e que sabem nunca mais vão poder recuperar?

Seu mestre tinha Integra, por mais que os dois jurassem não se importarem um com o outro, o que até o novo mordomo da mulher -que morre de medo de ambos e não ousa contrariá-los- sabe que não é verdade! Ainda assim, ela não podia ignorar a dúvida que pairava em seu pensamento, há algo que Alucard sente por ter perdido?

Celas suspirou resignada, aquilo não importava, no fim das contas, ele não voltaria de forma alguma.

Ele não voltaria...

Não estaria mais com ela...

Aquilo era um fato inexorável.

Foi com esse pensamento que Celas adormeceu, dentro de seu caixão frio, escuro e lúgubre assim como seus sonhos, aos poucos, se tornaram.

Ela só não sabia que alguns sonhos se realizam, nem sempre da forma que queremos, mas acontecem.    

Celas se remexia dentro do caixão; e seus olhos mesmo fechados, se movimentavam com rapidez; arfava, não por necessidade, mas pela circunstância em questão.

Tinha caído novamente naquela técnica da vampira maldita e momentos do passado que com muito custo ela tentou esquecer, vinham à tona. Logo, a vista da morte de seus pais se fez presente na mente feminina, e, por conseguinte, a visão de sua mãe sendo violentada.

Mas aquilo era uma ilusão, uma...ilusão...AQUILO ERA UMA ILUSÃO!

Como confirmação, ouviu a voz maldosa da vampira lhe dizer a mesma coisa; um braço decepado, e um sorriso extremamente maligno se formava nos lábios de sua oponente; a imagem de seus olhos sendo feridos não era uma ilusão, a foice de ponta afiada e cabo longo agora presa em suas costas não era uma ilusão.

Capitão Pip Bernadotte lhe salvando daquele monstro não era uma ilusão.

E infelizmente, vê-lo morrer em seus braços, logo depois que ele lhe roubou o bendito beijo -que ela por vezes sonhou secretamente- também não era uma ilusão.

E ao rever aquilo, o choro saiu incontido, sofrido...

E ele não era mais parte do sonho.

Nesse momento Celas já havia acordado, a parte de madeira que fechava o caixão estava aberta e disposta ao seu lado; sua respiração descompassada e os olhos que lacrimejavam, eram fruto de seu desespero.

O sonho veio, como ela já imaginava. O companheiro de anos não teve motivos para deixá-la naquela noite...

- Mau sonho?

O tom de voz divertido e estranhamente familiar se fez presente na mente de Celas e ela não pôde evitar o sobressalto ao ouvir a tal voz.

- Master? -Pediu já se punindo mentalmente e imaginando o que seria de sua vida após Alucard ter essa visão.

-Te dou mais uma chance porque dessa vez você errou feio, menininha.

Se seu coração ainda funcionasse, Celas tinha certeza que nesse instante ele teria falho uma batida; sua respiração -mesmo que não necessária- cessou por completo; seus olhos tremeluziram.

Será que ainda estaria naquele maldito sonho? E que agora sua imaginação o teria prolongado, trazendo momentos que ela gostaria que acontecessem?

Mas aquela voz não lhe parecia fruto de um sonho.

-C-capitão...ca-pitão Bernadotte? -Celas murmurou num fio de voz- é você? -Nessa hora ela tinha certeza que seu coração estaria batendo freneticamente e ela correria sérios riscos de ter um infarto!

A voz em sua mente riu debochada e aos poucos a imagem que Celas guardou com tanto carinho em suas lembranças, surgiu.

-E a resposta está -Bernadotte hesitou por um instante, sorrindo largamente- certa! Parabéns, brotinho, pena que não posso te dar um beijo como presente!

-Oh meu Deus, eu..eu...EU NÃO ACREDITO NISSO! ISSO NÃO PODE ESTAR ACONTECENDO! EU ESTOU SONHANDO, EU...EU TO SONHANDO SÓ PODE! -Celas pareceu ignorar a resposta que recebeu do homem de longos cabelos castanho claros. Não foi sua intenção. Aquilo era tão bom e ao mesmo tempo tão surreal que ela tinha quase certeza não estar acontecendo!

-HEY IDIOTA! EU TO MORTO, MAS NÃO TO SURDO!

Ao ouvir isso, Celas que andava de um lado para o outro, frenética, parou bruscamente quase caindo no processo.

-D-desculpe...-era estranho pedir desculpas pra uma pessoa que só existia em sua mente, principalmente quando essa pessoa que está morta diz que não é surda...-mas é que mortos não ouvem, não é mesmo?

- Okay, mas tecnicamente eu estou vivo dentro de você, dá pra sacar?

- Humpf, não me trate como se eu fosse uma criança!

- Mas -Bernadotte sorriu de canto, Celas percebeu uma mão do rapaz ir em direção ao bolso da calça, em seguida, à blusa- você é uma criança! Você é a minha menininha. -Sentenciou antes de puxar um maço de cigarros e dali, e depois pegar um cigarro apenas; rapidamente Bernadotte acendeu o isqueiro levando-o até o canto da boca, onde o cigarro estava; cigarro aceso e no instante seguinte o rapaz o tragava longamente, sentindo o prazer incomensurável que aquilo lhe dava- não sei como um dia eu pude viver sem isso. -expeliu a fumaça lentamente, aproveitando cada pequeno momento daquilo.

Celas olhava aquela cena, atônita.

Depois de trinta anos, ele resolveu aparecer, assim do nada?

Aquilo realmente não era um sonho?

-Com tantos sonhos pra ter, você por acaso escolheria sonhar em me ver fumando um cigarro? -Bernadotte respondeu ao pensamento de Celas.

É.

Não era um sonho.

E ela não podia ignorar aquela coisa quente e gostosa que se remexia internamente ao repassar em sua mente as palavras dele: ‘você é a minha menininha’. Sim! Ela podia sentir algo bom com isso, vampiros não são tão frios assim, no fim das contas.

- Só pra constar, eu ainda estou aqui -Bernadotte informou fazendo Celas corar; ele podia ver tudo o que ela pensava!- e por que é que você ainda não reclamou do meu cigarro!

-De repente, o moreno sentiu falta de Celas ralhando consigo.

A loira deu de ombros.

- Eu não me importo mais -Bernadotte arqueou as duas sobrancelhas ao ouvir aquelas palavras- o mestre diz que é porque eu bebi o seu sangue e então um pouco da sua personalidade se misturou à minha. -Era impressão sua, ou Bernadotte sentiu uma ponta de orgulho no tom de voz feminino?- Ele diz que no geral isso foi bom. No geral -Celas enfatizou as duas últimas palavras e ao continuar, sorriu ligeiramente constrangida- porque ele diz que preferia quando eu não falava um monte de palavrões!

A última frase dita por Celas fez com que o francês estourasse em uma gargalhada.

Então quer dizer que seu brotinho agora falava palavrões e gostava de cigarro? Mas que menina mais charmosa!

-Eu não gosto de cigarro! Apenas fico indiferente a ele.

-Mas o que é que está acontecendo aqui? -uma voz grave se fez presente na mente de Celas- Policial, está falando sozinha?

-Não mestre, o..o Capitão Bernadotte... ele está aqui -Celas apontava para própria cabeça- capitão, fale com ele! -Celas pediu esperando uma resposta, que não veio. -Seu idiota o que acho que está fazendo? -Celas ralhou, mesmo assim não recebeu resposta. Seus olhos vermelhos se estreitaram e mesmo ‘escondido’, Bernadotte pôde ver que Celas tinha uma mão na cintura- PIP BERNADOTTE APAREÇA A-GO-RA!

Tão logo a loira ordenou, a imagem do soldado se fez presente em sua mente, e pra sua surpresa a de Alucard também.

Pronto.

Quando Celas acreditava que nada podia torná-la menos humana do que já era, dois homens se enfiavam dentro de sua cabeça só pra provar o contrário!

Ela pôde ver Alucard e Bernadotte se encarando, Alucard com a expressão intrigada e Bernadotte, por sua vez, levemente receoso. Mesmo depois de morto, estar frente a frente com Alucard com certeza não era uma das coisas mais legais a se fazer...

-O que é que você está fazendo aqui?

-Ela me chamou. -Bernadotte respondeu a pergunta do vampiro prontamente, sustentando o olhar de Alucard. Aquele homem lhe dava medo, verdade, mas ele já estava morto mesmo, não havia o que temer.

-Quem disse que eu te chamei?

-Quando você pensa em mim, você me chama, sacou? -Bernadotte piscou para Celas, que bufou.

-Mentira! Eu sempre pensei em você todos os dias e você nunca veio -a mágoa na voz de Celas não passou despercebida a nenhum dos homens. Bernadotte a olhou com ternura e também desaprovação; Alucard, por sua vez, arqueou as duas sobrancelhas antes de sorrir enviesado. 

Aquela era uma ‘festa’ realmente incrível, mas, ele não estava disposto a participar. Mesmo porque a festa era particular...e esse particular definitivamente não o incluía.

Sem despedir-se, o vampiro saiu da mente feminina, desejando que sua serva aproveitasse aquele momento...

E ela aproveitaria.

Tudo o que pudesse, até o último momento.

Daquele sonho incompleto que lhe acontecia no momento, ela tiraria tudo o que podia.    

Depois dessa ventania o temporal

Fez da nossa vida um mundo desigual

Qual é a tua? O teu segredo?

Diz como eu vou decifrar?

    

Era simplesmente inacreditável e incrivelmente insana a forma como as coisas entre ela e Bernadotte aconteceram.

Tudo.

Desde o começo.

O encontro deles na mansão; a amizade que se concretizou; a necessidade de estarem juntos -que eles tentavam esconder e não admitiam-.

As brincadeiras tolas, as conversas triviais e até mesmo a satisfação em provocar o riso do outro.

Tudo se tornou tão necessário para eles e o sentimento bom que os tomava quando estavam juntos, fazia a presença -dele para ela e dela para ele- cada vez mais imperativa sobre ambos.

Como um vício, que nenhum dos dois ousou largar, em momento algum. Não porque vícios são difíceis de largar, mas porque eles não queriam largá-lo!

E de repente tudo aquilo acabou, sem aviso prévio, sem perguntar se podia, sem sequer importar-se com o que tal ato influenciaria para ela, quais conseqüências lhe traria, eles foram separados.

E para ela, aquilo doeu.

Doeu o fato de separar-se de alguém que conheceu por tão pouco tempo, mas que mesmo assim se tornou tão importante...    

Minha verdade é absurda no plural

Mas pra mim honestamente isso é normal

Na minha onda, teu oceano

Me ensina como navegar    

-Eu perdi meus pais, meus amigos, meu mestre por um bom tempo, e perdi você -Celas falou com pesar, sentando-se ao chão frio do seu quarto- muitas vezes eu chorei por isso, me perguntei o por que de ter que passar por tal sofrimento, odiei Deus e até odiei a mim por não conseguir salvá-los, nunca. -Celas cerrou os punhos com aquele pensamento; ela poderia ter ajudado! Ela poderia ter salvado ao menos Bernadotte, se não tivesse caído pela segunda vez naquela técnica ridícula; a loira sentiu um nó se formar em sua garganta e uma ponta de culpa invadir seu peito, tragou um pouco de ar, procurando acalmar-se antes de continuar- E daí eu percebi que chorar não ia adiantar nada, não ia trazer ninguém de volta, tampouco me faria mais forte. -Bernadotte engoliu em seco, a verdade era que quando tomou a iniciativa de se fazer -mais uma vez- presente na mente daquela menina, não imaginou que de repente ela lhe contaria sua vida; e sinceramente, ele nunca fora um bom ouvinte. Ele era bom em empunhar armas, em apreciar bebidas e cigarros, em jogar cartas, em lutar em campos de batalhas, mas não em ouvir problemas dos outros. Sua impaciência era prova de que ele nunca seria um bom psicólogo ou qualquer merda do tipo, entretanto -assim como um dia ele precisou-, Bernadotte percebeu que Celas precisava falar, e ele decidiu ouvi-la. Ao ver tal pensamento de Pip, Celas continuou, grata- E era engraçado porque quando eu tinha esses pensamentos, vinham algumas imagens na minha cabeça. Imagens do mestre lutando; da paciência que o Walter tinha comigo e suas imagens de quando você insistia em me pirraçar e eu fazia o mesmo -Celas riu-se enquanto lembrava com carinho- e aquilo soava como uma bronca, tipo 'Celas larga de ser chorona e nem pense em desistir!', porque foi isso que eu sempre vi em vocês e principalmente em você, Capitão Bernadotte -o rapaz surpreendeu-se ao sentir a firmeza nas palavras de Celas ao pronunciar seu nome; e aos poucos o semblante masculino suavizava-se; o olhar que o soldado lançou para a loira possuía uma mescla de carinho e sarcasmo; era irônico que logo ele passava algo tão importante para ela- você não desistiu em momento algum naquele dia e -a sensação e os sintomas que antecediam um choro novamente tomaram conta de Celas, e dessa vez ela não conseguiu contê-lo, nesse momento uma lágrima de sangue solitária rolou pela face feminina- mesmo depois de cair, você ainda deu um jeito de me beijar.  

-Tsc, o fato de você ter deixado sua guarda baixa não significa que eu seja forte.  

-Mas o fato é que mesmo fatalmente ferido você não desistiu de me roubar um beijo, e não desistiu de me salvar...você nunca desistiu.-Celas retrucou enquanto limpava com o dorso da mão a lágrima agora quase seca, em seu rosto.        

Eu amo mais você do que eu

Eu amo mais você do que eu    

Bernadotte estreitou os olhos, os orbes verdes sempre tão firmes, falharam por um momento.  

-Você é mesmo uma criança adorável, ma pauvre belle...    

À tardinha as coisas mudam sem parar

E a gente fala muito por falar

Mas de repente a gente sente

Que tudo sobrou no olhar    

Os momentos fluíam calmamente, tão naturais quanto um rio que deságua pro mar.

Já era madrugada e Celas mantinha-se deitada sobre a grama fresca e bem cuidada do jardim da mansão, observava a lua enquanto conversava com Bernadotte muitas vezes sem proferir uma só palavra; esse era o lado bom de conversar com alguém que estava em sua mente, ao menos ninguém conseguiria se intrometer na conversa; exceto é claro um certo vampiro sanguinário que resolveu não mais aparecer.

Aquele pensamento despertou certa curiosidade em Bernadotte, que não foi contida.

-Como foi que você o conheceu? Quer dizer, você sabia da existência do Alucard, da Integra e tal?

-Lógico que não! Acha que eu cheguei aqui e me ofereci pra ser uma vampira e fazer parte do QG da Hellsing? -Celas ironizou; aos poucos ela fez com que as lembranças daquele dia voltassem e Bernadotte as viu com clareza. 

Ele nunca parou para imaginar como a loira havia sido transformada.

Tinha vontade de perguntar, mas nunca teve certeza se deveria, enfim, ao ver todas aquelas lembranças ele concluiu que provavelmente tomaria a mesma decisão que Celas tomou.

Celas era incrível e ele já sabia disso; e o fato dela ter aceitado ser mordida por um cara que tinha matado todos os monstros daquele vilarejo em questão de minutos e ter atirado a sangue frio contra ela, a fim de matar um vampiro, fez com que a impressão que ele tinha sobre ela tanto de sua força quanto de sua ingenuidade apenas se confirmasse ainda mais.

-Capitão Bernadotte? -Celas chamou e ao perceber a atenção do francês sobre si desviou o olhar, receosa; Bem, ela também tinha o direito de lhe perguntar alguma coisa, certo?- como foi que você se tornou Capitão, por que decidiu isso?

-Eu não decidi, fui obrigado -Bernadotte deu de ombros; ao perceber que o cigarro que fumava estava ao fim, levou a mão até o maço pegando mais um- minha família toda fez parte do Wild Geese, e comigo não seria diferente -afastou alguns fios de sua franja que insistiam em lhe cair frente aos olhos e continuou- no começo eu não queria e eu irritei muito aquele velho por isso -Ele sorriu com as lembranças de seu avô ralhando consigo, dizendo que o Wild Geese era o legado de sua família e não deixaria que o neto acabasse com isso- mas no fim eu acabei gostando. Acontece que eu nunca gostei daqueles filmes aonde os mocinhos chegavam montados num cavalo bonito, pra salvar a donzela. Eu me identificava mesmo, com os filmes em que os caras que enchiam a cara num bar e tinham como companhia a mulher doida que preferia sair correndo atrás deles empunhando um revolver se os visse cantando outra garota, ao invés de ficar chorando e ir contar pras amiguinhas o quanto lhe doía ser traída. Eu sempre gostei de aventuras, então juntei o útil ao agradável. 

Ele riu e Celas também.

-Quer dizer que eu sou a mulher doida que sairia atrás de você tentando te matar?

-Oh não, mon amour, você não precisaria disso. Porque tudo o que eu queria iria estar em casa me esperando, e eu realmente seria muito burro se quisesse olhar para outra mulher. -Bernadotte piscou para Celas e em seguida lhe mandou um beijo.

Celas corou violentamente, mas não pode conter um sorriso de satisfação que persistiu querer brincar em seus lábios. Ele estava surpreendendo-a ultimamente, e...ela gostava disso!    

Penso infinitamente sem parar

A verdade é transparente no mirar

Da tua retina, minha menina

Me diz como não te amar?    

Um silêncio profundo se formou, e naquele instante a mente dos dois estava povoada pelo mesmo pensamento: como seria se Bernadotte não tivesse morrido? Como é que eles estariam vivendo?

Bem, Celas com certeza não teria aqueles pesadelos horríveis à noite, e não sentiria uma ponta de inveja ao ver a irritação que a presença constante de Alucard trazia a Integra, a irritação e -ironicamente- a paz de tê-lo por perto.

E Pip com certeza aproveitaria tudo o que pudesse de Celas e com Celas.

Tomaria os lábios feminino quantas vezes quisesse, brincaria com sua ingenuidade e sorriria involuntariamente ao ver o sorriso doce ou uma besteira sair daquela boca bem desenhada...

Estranhando o fato de que Celas ainda não havia se manifestado, Bernadotte a fitou e ao ver os orbes vermelhos estreitos e o semblante feminino levemente melancólico, não foi necessário perguntar o que ela estava pensando.

A menos que aquela história absurda de reencarnação que lhe contaram certa vez fosse verdadeira, e Bernadotte realmente não acreditava naquilo, um relacionamento entre os dois aconteceria apenas em pensamento, em sonhos secretos, e que como bons segredos, nunca seriam revelados.

Ambos foram tirados de seus devaneios tristes ao ver Celas bocejando; quando olhou para o céu a garota percebeu a coloração mesclada entre laranja e vermelho e algumas nuvens dissipando-se lentamente dando espaço ao azul que provavelmente o tomaria durante o dia acompanhado de um sol quente e forte.

-Já está na sua hora, brotinho.

-Mas, eu posso -Celas tentou interpelar, mas foi cortada.

-Você não dura mais cinco minutos acordada, e eu realmente não estou a fim de ver você torrando aqui...

Os lábios da vampira formaram uma linha fina em sinal de desaprovação; mas só agora ela notou a ardência nos olhos, e a vontade de coçá-los -infelizmente- foi maior do que a de fazer Bernadotte acreditar que ela não precisava dormir.

Suspirou derrotada; a expressão firme de Bernadotte também não deu brechas para que ela protestasse.

Apoiou os cotovelos na grama fofa do jardim e num impulso rápido, se levantou rumando até seu quarto.    

O caixão já estava aberto e ela realmente não tinha vontade nenhuma de entrar lá; sua noite havia sido tão boa que vê-la terminar e ser conivente com isso era praticamente um sacrilégio!

-Eu tenho controle do seu corpo também -Bernadotte falou em tom de aviso- se você continuar se comportando como uma criancinha mimada eu vou fazer você dormir aqui mesmo!

-Aff! -Bendito francês maravilhoso que tomava conta dela, sem nenhuma permissão!

Bernadotte riu com o pensamento de Celas.

-Eu sei que sou irresistível, mas agora você realmente tem que dormir.

Celas adentrou o caixão com certa relutância; mas somente o fato de estar deitada lá e completamente enclausurada fez com que o sono lhe abatesse de forma injusta! As pálpebras pesaram e logo ela mal conseguia abrir os olhos, a sensação de conforto a tomava completamente; Celas bocejou longa e sonoramente.

-Você vai estar aqui amanhã? -Celas indagou sonolenta. -Se você quiser. -Bernadotte respondeu em tom desinteressado; a verdade era que ele nunca mostraria o quanto queria estar com ela todos os dias, porque não sabia se isso realmente poderia acontecer- É só você me ordenar. Hey! -Bernadotte exclamou ao lembrar-se de uma coisa- Sabia que eu sou seu servo; se você bebeu meu sangue, então você é minha mestra. Mas de que adianta ter um servo morto, né?! -Seu tom de voz saiu menos divertido do que Bernadotte gostaria, os cantos de seus lábios se repuxaram em um sorriso fraco.

-Se você é meu servo devia me tratar como tal -Celas deu um meio sorriso, já estava quase inconsciente- ai de mim se tentasse mandar...no..sono de my master...    

Eu amo mais você do que eu

Eu amo mais você do que eu    

A última coisa que Celas ouviu antes de cair em sono profundo foi a risada sonora de Bernadotte, a risada debochada do qual ela tanto sentia falta.

Daquele que era puro orgulho, escárnio e ainda assim...amor, da forma dele, mas era amor; mesmo que ele não admitisse.

Bernadotte fitou por longos momentos o semblante sereno de Celas, desejando que ao menos naquele dia ela não tivesse os pesadelos que a machucavam. 

Pro inferno o responsável pelo sono dela, por lhe dar aqueles momentos ruins.

Pro inferno qualquer um que tentasse algo contra ela.

Pro inferno aquele que a abandonasse.

E que ela tivesse plena certeza...

Ele sempre estaria ali, cuidando dela, vigiando-a!

Mesmo que apenas em seu inconsciente...


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Notas finais do capítulo

A música tema da fic é 'Eu amo mais você' e foi cantada pelo Renato Russo, mas é originalmente da banda Catedral.Gostou? Então, dedinhos no teclado e bora deixar uma review :B