Batendo nas Portas do Inferno escrita por KAlexander


Capítulo 7
Capítulo 3 - Rainha Matadora




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Bem... eu não estava completamente sozinho por quase cinquenta anos. Eu não possuía uma companhia fixa e contínua, porém, sempre pude contar com as visitas esporádicas de Sophia. Não que eu a convidasse. Não. Absolutamente não. Sophia era absurdamente abusada. Eu estava tão acostumado com aquele tipo de atitude que nem ao menos me dei ao trabalho de questioná-la. Aquilo se tornara rotineiro para mim. Saía para caçar e, quando voltava, lá estava ela, acomodada em minha casa como se fosse mais dela do que minha. Onde quer que eu estivesse! Mesmo que eu me decidisse por viver no local mais remoto e desabitado de toda a extensão do globo eu tinha plena certeza de que ela me encontraría. Sophia não havia aceitado os fatos...

Eu a abandonara. Sim, no sentido mais real e palpável. Uma bela noite eu simplesmente apanhara meus bens mais importantes e a deixara sem nem ao menos um aviso. Assim como o havia feito com Alec antes, diferindo apenas no que eu sentia por ambos. Eu abominava Alec, eu o queria morto. E, se encontrasse por acaso seu corpo morto diante de mim, estou certo de que sorriria para ele como jamais fizera com um cadáver. Eu tinha respeito pelos mortos – especialmente por minhas vítimas -, mas, se não possuía respeito por Alec vivo, imaginá-lo morto... Contudo, o que realmente importa é que o Cloud de cinquenta anos atrás amava Sophia incondicionalmente. Naquela época Christian já partira para o mundo como qualquer jovem impulsivo e louco para se redescobrir como imortal. Eu estava novamente só quando a conheci.

Lembro-me de como sua personalidade me encantou... Sophia era a vampira mais impressionante que eu já conhecera em todos os meus anos de escuridão. Mesmo agora isto não deixava de ser uma verdade. Sophia era deslumbrante, de uma inteligência e sagacidade intimidantes que me conquistaram quase imediatamente. E, diferentemente de qualquer outro imortal, a não ser o próprio Alec, era dona de uma força assombrosa e eu frequentemente me questionava sobre sua idade real. Ela nunca me contara seu passado com detalhes e era óbvio para mim que não me contaria, pelo menos não tão cedo.

Sophia não confiava em ninguém para se revelar, a ponto de se expor daquele modo. Como um animal selvagem, ela convivia em perfeita comunhão com o isolamento. Sempre alerta, a guarda preparada para qualquer ataque minimamente ofensivo que pudesse receber. Uma sobrevivente perfeita, com o melhor do rústico e da sofisticação unidos em comunhão naquela personalidade arrebatadora. Este era o toque principal para sua postura tão singularmente sedutora. Este foi o motivo principal de meu amor quase espontâneo.

Este foi, infelizmente, o motivo principal de nossa separação.

Esse seu lado selvagem, feroz, ultrapassava os limites do que eu podia considerar e relevar de suas atitudes. Sophia era uma caçadora, assim como eu, mas não uma mera caçadora. Sophia era uma assassina, calculista e fria quando se tratava de mortais. Ela jamais retirava uma vida somente para se alimentar. Cada caçada, cada homicídio era sagrado. Vê-la se alimentar era um espetáculo macabro; era como compor a plateia de seu Circo dos Horrores particular.

Incontáveis vezes havia chegado em nossa casa e contemplado, contra a vontade, a morte de adolescentes, criaturas terrivelmente indefesas que mal haviam deixado a infância, suplicando por clemência enquanto eu observava, aterrado, Sophia torturando-os lentamente, provocando a agonia, mas impedindo os gritos... Eles não podiam mais ser produzidos sem o instrumento de fala... Eles apenas podiam se retorcer como porcos no abatedouro enquanto ruídos roucos, às vezes mais horríveis e agourentos que seus gritos, se desprendiam de suas gargantas. Contudo, suas expressões eram mais comoventes do que qualquer outra ação. Olhos arregalados com o mais puro pânico, as lágrimas descendo por suas faces contorcidas pelo desespero, misturadas ao sangue que encharcava e se grudava à pele lívida de pavor... Cada passo que Sophia dava, cada mínimo movimento que ela produzia era o suficiente para que suas vítimas desatassem a se torcer, mesmo amarradas, numa inútil tentativa de se libertar, ao mesmo tempo em que choravam convulsivamente, tossiam e olhavam para minha figura entorpecida, como se Sophia fosse a personificação do demônio e eu fosse um potencial anjo salvador...

Eu não podia suportar aquilo. Eu não podia presenciar as chacinas e permanecer ali, indolente enquanto aqueles que deveriam ser nossos companheiros na eternidade, que nos forneciam vida e conhecimento, agonizavam diante de meus olhos. Eu provocava mortes frequentemente, sim. Era um fato. Todavia jamais tratava inocentes como se fossem gado em meus braços.

Sempre me pegava correndo daquelas cenas infernais, me afastando do sorriso assombrosamente brando de Sophia e, sobretudo, daqueles pobres mortais indefesos pelos quais eu não podia interceder. Ah, mas ela sempre me procurava em seguida; procurava-me para tocar minha mão com seus dedos quentes com o sangue fresco e dizer, com sua voz mais aveludada e compreensiva:

– Você tem uma perspectiva diferente da morte, Cloud. Diferentemente de todos com quem já estive. Você ama os humanos por nos oferecerem suas vidas. Mesmo que os mate, você tem respeito por eles. Mais do que isto, você os ama... E não tem ideia de como isto é incomum para mim... É por isso que o amo.

– Isto tudo é realmente necessário, Sophia? – Eu a questionava, virando o rosto para encarar seus olhos inteligentes e tolerantes. Minha voz sempre era um espelho de minha alma e eu a ouvia, o tom baixo e carregado de incredulidade. As imagens dos jovens sempre atormentavam meus pensamentos e eu suspirava com a dor que isso provocava em meu espírito turbulento.

  Ela deixava escapar um riso muito curto e a complacência a abandonava por um segundo para dar lugar a um olhar duro, fruto de lembranças que me eram desconhecidas. Eu costumava acreditar que muitas de suas atitudes eram apenas reflexos de seu passado, mas não podia afirmar.

 – Eu o amo, Cloud, contudo não sou como você. Jamais poderei ser. Preciso que aceite isto em mim. Eu não vou abandoná-lo, portanto preciso que compreenda o que sou. Eu o quero exatamente como você é. Por que não pode retribuir fazendo o mesmo por mim?

Sua tristeza ao pronunciar estas últimas palavras era evidente. Tristeza por eu não ter a capacidade de compreendê-la como ela me compreendia. Eu me culpava por isso, por ver a aflição em seu rosto delicado e ter a consciência de que era o causador. Eu queria confortá-la e, por mais que a dor que ela infligia aos humanos me atingisse diretamente, eu me vi puxando-a para perto e abraçando-a com ternura, envolvendo seu corpo em meus braços com todo o amor que podia transmitir. O calor de seu corpo estava sendo conduzido para o meu, gélido, proporcionando uma sensação deliciosa de união. Sophia se encolhia em meu peito enquanto eu afagava seu cabelo com lentidão. Meus olhos se fecharam ao sentir o perfume doce que emanava dos fios ondulados.  Apenas comigo. Sophia não se desarmava com mais ninguém... apenas em minha presença. Eu me enchia de uma felicidade casta por poder desfrutar daquela Sophia que se escondia por detrás da máscara de invencibilidade e crueldade. Lembro-me que aquele momento foi o último em que estive em sua companhia em tamanha intimidade antes de abandoná-la. E, talvez, eu soubesse disso, pois foi como uma... verdadeira despedida.

Eu afastei seu rosto de meu peito para encontrar uma lágrima vermelha escorrendo por sua pele rosada. Não chore, querida, não chore esta noite, eu dizia num sussurro tranquilizador para aqueles olhos com o brilho e a luz da manhã. Ainda segurando seu rosto magoado, me curvei para beijar a lágrima rubra que escorria vagarosamente. Com os lábios úmidos daquele sangue quente toquei sua boca pequena com suavidade. Eu a amava tanto... Aquele beijo evoluiu, tornou-se intenso enquanto, ainda unidos, nos movíamos até a cama, nos entregando ao amor inigualável e sombrio que nos vinculava. Nos braços um do outro, naquilo que chamávamos amor carnal, compartilhamos uma pequena centelha do laço que nos conectava e estava muito acima do sexo. Entre suspiros e palavras sussurradas nós nos amamos, desfrutando do desejo incontido... Diferentemente de todas as outras vezes durante aqueles curtos dez anos que haviam se passado em nossa união, havia algo a mais naquela noite fatídica.

Estávamos ambos dizendo adeus. E a despedida sempre é mais dolorosa do que podemos imaginar até o momento em que a vemos se aproximando. O laço estava sendo desatado, sem compaixão ou piedade. E, juntamente com a paixão, a dor estava sendo uma companheira em cada beijo, em cada toque sôfrego... O amanhã não importava. Aquela noite era a guardiã de nossa última união. A guardiã dos amantes.

No crepúsculo seguinte eu estava partindo com um peso em minha alma e em meu coração. Porém, mesmo que o sofrimento me perseguisse com suas mãos impiedosas, eu acreditava que Sophia ficaria bem algum dia. Ela era uma sobrevivente, afinal. Por mais que me amasse, continuaria sem mim, seguiria seu próprio caminho em direção as Portas do Inferno. Todos nós traçamos nossas próprias trilhas ao longo da eternidade, entretanto todas levam a somente um único destino. As Portas do Inferno. Elas um dia se abririam para nós. É o que esperamos... é o que ansiamos... É o que mais tememos...

Mas eu não estava certo no final das contas. Constatei isso quando, meses depois, já em outro continente, comecei a sentir algo me espreitando por onde quer que eu fosse. A criatura jamais fora hostil, mas a partir do momento em que algo desconhecido está me perseguindo eu tenho o direito – e, especialmente, o dever – de assumir uma postura pouco entusiástica. Digamos que essa postura equivale a agarrar o desgraçado pelo pescoço e tirar algumas satisfações, diga-se de passagem. A única chateação é quando o que eu considerava ser um miserável filho da mãe é nada mais do que uma charmosa e doce vampira com uma força superior a minha. Ah... Lá estava ela novamente. Sophia. Rindo de mim e de meu susto ao tentar confrontá-la.

 – Eu o avisei, Cloud – disse ela inocentemente. – Não tenho intenções de abandoná-lo. Nem agora... nem nunca.

****

Para meu infeliz azar, Sophia estava falando sério. Desde então ela se recusava a me abandonar por muito tempo. Por vezes anos se passavam, porém ela sempre retornava, pronta a me fazer companhia contra a minha vontade. E, mesmo que sua presença me enfurecesse constantemente, eu não tinha coragem de mandá-la embora. Sou um covarde, admito. Contudo minha atitude ao deixá-la daquele modo bruto e insensível era a causadora de minha fraqueza diante dela. Sempre que eu fitava Sophia nos olhos, quando simplesmente surgia em minha casa, eu me lembrava daquela noite, em como a havíamos passado juntos, me lembrava da tristeza pungente em seu rosto ao dizer aquelas palavras angustiadas. A culpa sempre se apresentava pontualmente e todas as forças que eu unia para mandá-la embora se desvaneciam perante seus olhos claros.

Como naquele momento.

Já fazia algum tempo que ela não me visitava. Eu estava estranhando o fato havia quase um ano. Já havia se passado quase meia década desde seu último aparecimento. Vê-la ali novamente era quase... natural. Sem que eu dissesse nada ou a convidasse para sentar, ela me deu as costas e se aconchegou em minha cama, cruzando as pernas. Eu sempre a admirava, afinal, Sophia era uma das criaturas mais belas que eu já conhecera em toda minha vida – e minha morte, diga-se de passagem. Sua pele, mesmo com a transformação, sempre possuíra um leve tom dourado, como se ainda em vida houvesse se exposto ao sol frequentemente. Um lindo rosto redondo finalizado por lábios em forma de coração. Ela usava um vestido justo vermelho, acima dos joelhos. Ah... um deleite para meus olhos.

– Ora, ora – disse com um sorriso suave, me acompanhando com os olhos enquanto eu caminhava até a poltrona defronte a janela e me sentava. – Não posso me ausentar por nem ao menos um segundo que você já procura substitutos.

Permaneci em silêncio. Eu deixaria que falasse e reclamasse o quanto pudesse e aguentasse. Não valia a pena argumentar com Sophia há realmente muito tempo.

– Christian... ele é o pupilo de quem já me falou, não? – Perguntou com curiosidade; ela e Christian nunca haviam sido devidamente apresentados. Tecnicamente, ele nem ao menos sabia da existência de Sophia. Seria melhor que ela permanece no anonimato; afinal, o que pode acontecer quando dois tigres solitários e ferozes se encontram em um mesmo território? Sinceramente eu não queria saber.

– Sim, é ele. – Respondi apenas.

– Hum... – ela pareceu refletir por um instante, mordendo o lábio. – Ele resolveu, de repente, se mudar para cá? Pelo que eu sei ele não gosta muito de sua companhia, por ter se afastado por tanto tempo.

– Christian não está se mudando – rebati um tanto quanto seco. – Ele só está de... passagem.

Eu sabia disto. Mais cedo ou mais tarde ele partiria novamente. Mas pronunciar isto apenas confirmava o que eu já sentia havia algum tempo. A ausência de Christian em minha vida apenas aumentaria minha tristeza e, talvez por ter essa consciência, eu estava tratando de procurar alguém que pudesse me acompanhar durante minhas noites de enfado causadas pela solidão. Eu realmente sentiria falta daquele meu pupilo barulhento, petulante e despreocupado.

 – Como você – resolvi alfinetar com um sorriso irônico. – Logo irá embora e vai me deixar em paz, exatamente como gosto de estar.

Não era verdade, naturalmente. Mas não pude me conter. Sophia ergueu uma sobrancelha com o comentário, me encarando como se eu a estivesse provocando com alguma brincadeira de mal gosto – o que eu, de fato, estava fazendo propositalmente. Por algum motivo ela ficava ainda mais bela irritada e eu jamais perdia a oportunidade de importuná-la.

Ri baixinho quando ela cruzou os braços e empinou o queixo, arrogante como era.  Isto geralmente era um prenúncio de suas saídas sempre bruscas, mas daquela vez ela não se moveu.

– Ele pode não estar se mudando para cá, mas aquele garoto, aquela criança, com certeza o fará em breve. – Comentou ela com a sugestão de um sorriso em seus lábios. – Sousuke.

Não respondi imediatamente. Preso entre a surpresa e a irritação por estar bisbilhotando em minha vida apenas perguntei, mantendo a voz controlada:

– Como sabe sobre ele?

– Também sei observar os outros quando me convém. Mas isto não é importante – disse com um gesto das mãos delicadas que sugeria que questões assim não eram de suma importância. Eu discordava. – O importante é que você vai transformá-lo.

– De onde tirou isto? – Perguntei, minhas palavras ponteadas pela impaciência.

– Não foi uma pergunta, Cloud – devolveu ela com um sorriso audaz. O sorriso que usava quando tinha total certeza sobre algo. O sorriso de vitória que eu odiava.

Suspirei de aborrecimento. Desviei o olhar de sua figura alta em minha cama. Um vento forte atravessou a janela subitamente, erguendo as cortinas ao meu lado, que dançaram no ar de bom grado. Era um vento úmido, o que me deu a certeza de que logo choveria.

Quando voltei a encarar Sophia refleti sobre como ela podia ser tão extremamente irritante quando bem queria. E esse era um dos motivos para que eu a quisesse a distância a partir do momento em que declarou que não me abandonaria tão facilmente. Antes daquele incidente ela sempre havia se mostrado compreensiva e delicada... ao menos comigo. Porém, durante os últimos cinquenta anos algo em sua personalidade misteriosa havia despertado; era um lado até então completamente desconhecido para mim, aquela Sophia que adorava me aborrecer sempre que fosse possível. Provavelmente ela pretendia me castigar pelo resto da eternidade por tê-la deixado. Foi quando percebi que, pior do que uma mulher rejeitada é uma vampira secular rejeitada.

Eu cometera muitos erros, entretanto, me envolver com Sophia fora o mais terrível. Christian tinha toda a razão. Erros cometidos por imortais eram igualmente imortais. Não se devia cometê-los se não houvesse certeza de que se poderia arcar com as consequências. E lá estava eu, fitando uma das consequências tranquilamente sentada em minha cama.

– Claro que ele virá a contragosto. Mas quando o transformá-lo ele precisará de seu conhecimento. – Sugeriu ela. – Assim como você fez com Alec. Você não pretende matar a mãe do garoto também, não é? Afinal, ele já é órfão de pai. – Sophia soltou um riso agudo antes de continuar: - E pensar que você repudiava meus modos com humanos.

– Eu repudio seus modos com humanos – a corrigi imediatamente. – Isso não mudou com os anos, Sophia.

– Então continua sendo o mesmo tolo, amante de mortais nojentos? – Indagou igualmente tranquila. – Antes eu o amava por isso, mesmo que não compreendesse seus sentimentos. Mas quando resolveu me deixar por essas criaturas sujas... Tudo o que posso sentir por você agora é desprezo, Cloud.

Suas palavras atingiram seu propósito inicial. Surpreenderam-me, mas, acima de tudo, me feriram intensamente. Talvez pela milésima vez em anos eu estivesse sentindo a culpa me abater com mãos de ferro em brasa. Eram sempre implacáveis, mas fora diferente naquela noite. Sophia estava expondo minha culpa pela primeira vez. Eu sentia o rancor mascarado em cada palavra dura. Que ela gritasse, esbravejasse, me golpeasse; tudo isso eu podia aceitar e receber com naturalidade. Todavia ela falava calmamente, medindo as palavras embora estivessem carregadas com aversão e, o que destruiu meu equilíbrio já abalado em sua presença, ódio. A raiva iluminava suas feições imponentes e aquilo eu não podia suportar. Seu olhar cheio de superioridade, mas ainda assim machucado por feridas antigas e incicatrizáveis, me magoavam mais do que minha própria culpa, com a qual eu convivia e carregava como um carma por meio século.

A tensão se fez presente em minha postura desconfortável na poltrona de couro. Eu não conseguia mais encarar a profundidade de seus olhos intimidantes.

Um silêncio pesaroso se apossou do ambiente e eu não fui capaz de quebrá-lo.  Vi a movimentação quando ela se levantou de minha cama. Ouvi seu suspiro pesado. Algo que soava como arrependimento. Não... Absurdo, adverti imediatamente.

Sophia andou pelo quarto até se postar diante de mim. Senti seus dedos macios e frios deslizarem por meu rosto. Tinha o conhecimento de seu olhar potente sobre mim, desolado como estava. Ela se inclinou, obrigando minha alma desamparada e se afogar naqueles olhos incompreensivelmente calorosos. Eu estava me perdendo na dor do prazer que me invadia ao me perder em seu olhar resplandecente. Pensei que estivesse me poupando quando fechou as pálpebras de cílios lindamente curvos. Estarrecido, fechei os meus também; aquela escuridão momentânea sempre vinha em meu auxílio quando meus pensamentos se voltavam uns contra os outros. Ou como naquele momento, em que não havia pensamento algum para preencher meu cérebro atônito.

Então seus lábios sedosos tocaram os meus, pressionando-os em um carinho que lhe parecia necessário, urgente. Afastou-os apenas para percorrer o caminho até meu ouvido através de minha pele arrepiada e sussurrar com sua voz ressonante e clara:

– Não pense que é livre Cloud. Vou estar ao seu lado até o inferno se abrir para nós... Ou para nenhum nós.

Silêncio. Silêncio e um quarto vazio foram tudo o que encontrei ao abrir os olhos. O clarão de um relâmpago invadiu a semiescuridão do aposento, seguido por um estrondo. A tempestade viera uma vez mais, veloz e implacável com sua força devastadora. E, como de costume, deixara para trás de si marcas mais profundas do que podia imaginar.


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