Batendo nas Portas do Inferno escrita por KAlexander


Capítulo 5
Capítulo 2 - Obsessão Ruim (Parte 1)




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Sousuke. Sousuke Sakai. Este era o seu nome.

Após minha interessante conversa com Christian naquela noite insólita decidi finalmente o que tinha de fazer. Em meu íntimo eu sempre soube o que queria fazer, mas, quase inconscientemente, eu me negava a aceitar os fatos.

Eu queria encontrar o garoto novamente. Por quê? Bem... até hoje eu me faço esta pergunta. Nunca faltaram hipóteses para isto, mas um motivo real que pudesse explicar minha estranha obsessão por aquele jovem mortal... nunca o encontrei.

Contudo, a partir do momento em que meu objetivo estava traçado, foi extremamente simples alcançá-lo. Eu lera o nome do rapaz em seus documentos pouco antes de torná-lo minha vítima. Não era um nome comum, e, por apreciá-lo tanto, eu não o esqueceria facilmente. A única coisa que precisei fazer para descobrir tudo sobre sua vida foi fazer uma ligação para meu advogado – além de administrador de meus bens – e informar seu nome.

Em um tempo que pude considerar recorde fui recebido por todas as informações necessárias, e desnecessárias, diga-se de passagem, sobre o garoto. Sousuke Sakai era um jovem de 25 anos que morava só em um pequeno apartamento em Los Angeles. Tenho de confessar que sua idade me surpreendeu; ele mal me parecia ter saído da adolescência. Ele nascera no Japão, mas seu pai falecera quando ele ainda era muito pequeno, portanto se mudara para os Estados Unidos com sua mãe americana. Os dois lados de sua família pertenciam à classe média alta, sendo assim ele sempre tivera uma vida relativamente fácil. Não era o tipo de pessoa que já conhecera algum tipo de sofrimento financeiro, por menor que fosse.

Desde pequeno tivera um gosto especial para música, o que começara a estudar pouco depois que aprendera a ler. Sua infância e adolescência foram realmente promissoras. Inteligência e beleza acima da média – sua descendência oriental parecia se destacar entre os outros garotos, despertando o interesse das garotas. Com notas altas e perícia extremada em piano, violino e violoncelo não foi uma grande surpresa que fosse aceito na Julliard* quando terminou o último ano do colegial.

Porém, mesmo com suas qualidades e habilidades – que não eram poucas – ele parecia querer uma vida simples e tranquila. Após terminar seus estudos na Universidade Sousuke montou um pequeno estúdio de música, onde lecionava agora. Ele havia sido chamado para fazer parte de três orquestras, devido ao seu ótimo currículo e indicações de seus ex-professores. Ingressou em uma delas pelo intervalo de quase um ano, mas, por algum motivo, voltou atrás em sua decisão, regressando ao seu querido estúdio.

Este foi basicamente o resumo de sua vida à que tive acesso. O suficiente para que eu pudesse conhecê-lo um pouco melhor, mas não para que eu soubesse como abordá-lo. Até que uma ideia boba, porém óbvia e melhor do que qualquer outra que houvesse se passado por minha mente, surgiu. Juntamente com todas essas informações recebi também o endereço tanto do estúdio de música quanto do de seu apartamento em um bairro de classe média no centro da cidade. Eu precisava saber tudo sobre ele, portanto, o que poderia ser melhor do que conhecer sua rotina? Este seria o segundo passo para finalmente me aproximar de Sousuke, porém... Cada passo que eu dava em direção à ele, era uma passo para quebrar de vez minha Regra de Ouro.

Desde o início soube que o final não seria feliz, fosse para mim, fosse para Sousuke. Pois esta é uma verdade universalmente conhecida, de acordo com as palavras de Jane Austen*, a partir do segundo em que o caminho de um humano cruza com o caminho de um filho da noite esteja certo de que este segundo não terá mais o direito de escolha sobre a única coisa que lhe pertencia verdadeiramente. Sua vida. Como um tornado tocando a terra, ela é frágil demais para suportar sua intensidade, sua força devastadora. Por mais encantador e belo que possa ser jamais trará nenhum bem por onde passa. Pelo contrário; seu rastro é sempre destrutivo, medonho, aterrorizante.

Mas apenas deixei estes pensamentos sôfregos em um compartimento fechado de meu cérebro, isolando-os da euforia que me tomara na noite em que me decidi por espionar Sousuke. Sim, espionar.

Acordei extremamente cedo aquela noite, a tempo de estacar na janela de meu quarto e contemplar o final do crepúsculo. Ao longe, no horizonte, o céu estava tingido de um adorável rosa-alaranjado esmaecido, o máximo que eu poderia ver dos resquícios da luz do sol implacável sem me desfazer em cinzas inomináveis. Enquanto erguia meus olhos para o alto, onde as estrelas começavam a surgir como pontos de prata salpicando a noite que chegava, pensei nisto como sendo nossa única maldição. Eu adorava ser um vampiro. Eu era bom nisto, e considerava minha condição uma benção, diferentemente da maior parte de meus semelhantes. Mas para tudo há um preço a ser pago. E este era o nosso. Abdicar das horas de luz para assombrar a noite infinita e gloriosa.

Podia sentir o calor que abraçava a casa após um dia inteiro sob o sol. Até mesmo seu cheiro estava ali. O cheiro do calor nos objetos... Anormalmente nostálgico. Há muito eu não sentia algo assim. Não era natural, digo, para mim. Não era próprio. Mordi o interior de minha bochecha antes de desviar o olhar e dar as costas à janela. Não precisamos de banhos ou qualquer outra necessidade básica humana e banal, mas é algo que gosto de experimentar. A água quente em minha pele fria, o corpo submerso e anestesiado, um relaxamento fácil e delicioso de se obter. Saí do banheiro segundos depois, ouvindo a água batendo no mármore. Voltei ao quarto e me encaminhei à estante onde empilhava meus CD’s. Não sou um verdadeiro conservador quando o assunto é música. Música é música, não importa o lugar do globo em que se está.

Mas, ainda assim, me peguei divagando sobre como os anos 70 haviam sido bons para o mundo musical. Comecei a me despir no banheiro quando uma de minhas faixas favoritas iniciou no estéreo em meu quarto, a melodia serena me acompanhando.

Uma vez dentro da água esqueci completamente o rumo de meus pensamentos. Poderia ter adormecido ali se não fosse por meu compromisso. Uma visita surpresa ao meu jovem virtuose.  Saí da acolhedora banheira de mármore negro, assim como quase tudo no banheiro raramente utilizado. Nu, me dirigi ao quarto. A brisa de primavera entrava pelas janelas e circundava minha pele úmida, deixando uma sensação de refrescancia enquanto escolhia roupas comuns e leves para aquela noite quente. Nós, vampiros, geralmente usamos peças que estejam, de alguma forma, ligadas à época em que fomos transformados, mas, particularmente, nunca me importei muito com este tipo de clichê.

Enquanto me vestia, observei meu reflexo de relance no espelho alto de moldura dourada no canto. Não sou realmente pretensioso, mas tinha de admitir que aquele aspecto imortal sempre me fora muito útil. Eu estava desnudo da cintura para cima, os músculos marcados sob a pele pálida e característica à mostra; felizmente, eu estava me alimentando com frequência, portanto era uma palidez quase inexistente. Eu era mais pálido que a maior parte dos humanos, mas nada que se pudesse considerar anormal. Eu possuía traços graciosamente angulosos, lábios bem delineados. Detalhes extremamente úteis na caçada. Detalhes dos quais eu me aproveitava descaradamente para seduzir minhas vítimas. Até mesmo daqueles que eu não deveria me utilizar, particularidades próprias de um vampiro que eu deveria encobrir; os olhos eram umas destas particularidades. Olhos de vampiro; são ligeiramente mais brilhantes que os dos humanos, especialmente quando se está em estado avançado de inanição, além de serem expressivos demais. Com esta característica é extremamente fácil incitar os frágeis mortais a perpetrar qualquer coisa que podemos desejar.

Estava terminando de abotoar a camisa quando ouvi os passos leves de Christian no quarto ao lado. Minutos depois eu estava saindo do aposento. Assim que fechei a porta Christian saiu de seu próprio quarto e parou a minha frente.

– Boa-noite – disse com um leve sorriso. Seus olhos me percorreram de cima a baixo, levemente interessados. Não havia nada de incomum em minha aparência; eu estava usando um colete por cima da camisa, e botas de camurça. Eu tinha o costume de usar anéis na mão direita sempre que saía para qualquer lugar, como naquele momento. Christian sabia destes pequenos detalhes, afinal, convivera comigo por tempo demais para conhecê-los. Mas, ainda assim, algo o estava perturbando; voltou seus olhos curiosos para meu rosto antes de se aproximar e, sem formalidades, segurar uma mecha de meu cabelo que caía em meu rosto entre seus dedos: – Você tomou banho? – Indagou um tanto quanto incrédulo ao cheirar os fios úmidos.

– Sim. – Afirmei simplesmente, me afastando e contornando-o. Caminhei pelo corredor até a escada ouvindo seus passos enquanto me seguia.

– Por que diabos? – Perguntou, rindo ironicamente, divertindo-se com algo que eu não conseguia compreender.

– Não é da sua conta, Christian – respondi num tom indiferente, embora estivesse começando a ficar irritado, ao descer as escadas aos pulos.

– Nossa, é assim que trata seus hóspedes? – Quis saber, falsamente ofendido.

– Não. É assim que trato você. – O olhei por sobre o ombro com um sorriso irônico que era típico dele; parado no alto da escada, Christian apenas ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços. Eu não podia perder meu tempo com ele aquela noite. Não aquela noite. Já havia me atrasado o suficiente, portanto andei apressadamente até a porta quando ouvi, mais uma vez, a voz de Christian:

– Se for caçar posso acompanhá-lo?

– Até poderia, mas não vou caçar esta noite. – Respondi erguendo a mão para a maçaneta da porta.

Eu estava disposto a ignorar qualquer outro comentário ou pergunta petulante que pudesse vir daquele meu pupilo arrogante, mas desta vez suas palavras tiveram força o suficiente para me fazer estacar onde eu estava. Minha mão parou no ar, antes que pudesse chegar à maçaneta, quando o som de sua voz séria e clara alcançou meus ouvidos.

– Vai encontrar o garoto, Cloud?

Me virei lentamente para encontrá-lo a alguns metros de distância. Havia um ar de vitória em sua expressão, mas seus olhos escuros permaneciam compenetrados, com a mesma maturidade que eu vira na última noite em que havíamos conversado. Não foi preciso que eu respondesse sua pergunta. A tensão que eu transmitia era minha sentença.

– Não posso interferir em sua vida, mas, por favor, me ouça desta vez. – Ele andou até mim e parou a uma distância considerável. Suas pálpebras se fecharam, como se estivesse tomando coragem para falar, os cílios longos produzindo sombras amorfas em seu rosto. Quando abriu os olhos as palavras saíram decididas, porém brandas. Me pareceu um conselho mais do que qualquer outra coisa. – Lembre-se de como foi transformado. Lembre-se do que Alec lhe causou. Não faça nada antes de ter certeza de que quer assumir as consequências. Não se esqueça disto.

Eu o fitei com desconfiança, meus olhos se estreitando para sua figura tranquila. Mais uma vez, Christian estava me surpreendendo. Minha expressão se suavizou, e não pude deixar de sorrir. Me voltei novamente para a porta e girei a maçaneta. E, sem voltar a encará-lo, murmurei:

– Obrigado, Christian.

E saí para a noite cálida e imprevisível.


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Notas finais do capítulo

*Julliard: Universidade de Arte estadunidense internacionalmente reconhecida por seus altos padrões de ensino e dificuldade extrema para ingressar na mesma;
*Jane Austen: Renomada escritora inglesa do século XVIII. Entre suas obras mais famosas, destaca-se "Orgulho e Preconceito"; Cloud faz alusão ao livro citando a frase inicial da narrativa, muito famosa entre estudiosos: " É uma verdade universalmente conhecida[...]".



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