Batendo nas Portas do Inferno escrita por KAlexander


Capítulo 11
Capítulo 5 - Ilusão Negra (Parte 2)




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A chuva caíra finalmente. A água desabava ensurdecedora pelas ruas constantemente iluminadas pelos relâmpagos. No interior seco do carro, eu mal podia enxergar o que se passava através do pára-brisa.

Tamborilando os dedos no volante, eu tentava quase inutilmente fitar o pequeno atelier musical no lado oposto da rua. Havia um estranho peso em meu peito desde o momento em que estacionei o Mustang... Isto se dera há quase uma hora atrás.

Suspirei. Passei os dedos em meu cabelo com demasiada lentidão, afastando-os do rosto apenas para que eles voltassem à sua antiga posição. O que diabos eu ainda estava fazendo ali... Por que não me movia? Por que não tomava uma posição mais agressiva? Afinal, ele estava à uma distância extremamente tentadora... Eu sabia... eu sentia... Embora o interior do estúdio estivesse completamente às escuras, ele estava lá. E eu queria encontrá-lo...

Sousuke. Ele estava dentro do estúdio de música que eu olhava fixamente de dentro do carro.

A verdade era que eu estava me dirigindo ao seu apartamento após minha conversa com Christian; contudo, eu sempre tive uma pequena curiosidade abafada para conhecer aquele ambiente inevitavelmente atrativo que deveria ser o estúdio musical daquele garoto encantador. Ele se encontrava no caminho para o apartamento, mais próximo do que eu imaginava, na verdade. Então ali, felizmente, eu parara... Não precisei mais do que alguns segundos para captar sua presença naquele lugar.

Mas agora... eu me encontrava num dilema. O que eu estava pensando em fazer? O que eu diria? Até porque eu tinha receio da reação que o garoto teria ao me ver... Correr, gritar, pedir por socorro ou uma tentativa de homicídio são mais comuns. Não seria realmente uma surpresa se ele o fizesse. Mas, ainda assim, eu não estava certo de que poderia lidar com algo desta magnitude. Pelo menos, não se tratando daquele garoto.

Mais um suspiro. Desta vez não cansado. Aborrecido. Inegavelmente frustrado. Então, por algum motivo, a imagem de Christian se infiltrou em minha mente. Um Christian irritantemente risonho e incrédulo. Ah, aquela simples imagem zombeteira foi o suficiente para me retirar do estupor consciente no banco do carro. 

Abri a porta com violência apenas para ser recebido pela chuva grossa e ensurdecedora que assolava a rua impiedosamente. Os insignificantes segundos que levei para alcançar a entrada do estúdio foram suficientes para que os pingos gelados me atingissem. Eles escorriam por meu cabelo quando parei sob a reduzida área coberta. O vento gelado açoitava meu rosto e transformava a rua num borrão esbranquiçado. Me voltei para a porta de vidro fumê; girei a maçaneta. Aberta.

A primeira coisa que pude notar quando entrei no estúdio foi um som. Algo muito suave e baixo para que eu pudesse identificar a princípio. O ruído do aguaceiro que desabava através das portas fora abafado e eu podia, finalmente, me concentrar naquele ambiente.

Uma recepção singela, algumas poltronas macias, onde os alunos poderiam esperar pelo início de suas aulas. Mesmo que simples, havia uma aura que demonstrava bom gosto por parte de seu proprietário. Talvez algo na combinação das cores ou na disposição dos adornos...

Continuei a explorar o lugar. Com passos silenciosos no assoalho de madeira, atravessei o espaço até um pequeno corredor. Havia uma escada em espiral no final, portanto ignorei as portas em sua extensão e a alcancei. Enquanto subia os degraus, o som que eu captara ao entrar se tornou mais nítido, moldando uma forma musical vagarosa. Solitária...

Experimentei uma vez mais a sensação que o monstro sempre carrega em si... Ser o intruso... O ladrão imerso em sombras que toma para si o que lhe é oportuno... Aquele sentimento ácido, aquela angústia, parecia se espalhar por meu corpo, ferindo meu coração... Foi quando finalmente percebi.

Eu não queria ser o monstro. Não para Sousuke. Não para ele... Jamais...

Piano. Este era o instrumento que dava os contornos lúgubres da melodia que vibrava. E, juntamente com a triste harmonia, um aroma acre, que se desprendia de uma das salas com que me deparei ao chegar ao primeiro andar.

Tão próximo... Uma vaga percepção de realidade era tudo o que eu sentia. Não havia nada genuinamente concreto através das paredes que contornavam aquele atelier. Não naquele momento.

Meus sentidos se confundiam de uma forma tão sedutora que minha ansiedade era como uma aura ao meu redor. O perfume doce daquele sangue, mais desejado que qualquer outro que eu já houvesse experimentado, me desafiava a prosseguir. O som cadenciado de sua respiração profunda, vindo da sala mais distante, me abraçava com grilhões inquebrantáveis, arrastando-me para aquela passagem. Não havia libertação... E eu não a cobiçava.

Passos lentos. Um coração acelerado se misturando à outro, vagaroso. Seria o meu? Impossível. O som estava elevando sua altura, assim como a melodia triste. Ah... Eu precisava me concentrar.

Estava diante da porta. Entreaberta, apenas um vão do qual a luz noturna respingava no chão do corredor. Com as pontas dos dedos, eu a empurrei... E entrei.

Envolto em fumaça, aquela fumaça branca, fantasmagórica, translúcida e acre, rodopiando ao redor daquela silhueta reduzida... Línguas de serpentes subindo sem pressa em direção ao nada, se perdendo pelo ar estagnado, abarcado pela fragrância que o consumia... Me consumia.

Pequena criatura, tão mortal e tão inteiramente frágil naquele canto desprotegido... Linda criatura... Naquela parede alta, de pintura branca e imaculada, ele estava encostado. Uma perna estendida pelo assoalho escuro, a outra dobrada; seu braço estava caído ao lado do corpo enquanto ele erguia a outra mão para recolher o cigarro em seus lábios úmidos, equilibrando-o entre os dedos delicados. A respiração era quente e compassada, como que umedecida pelo sangue em seu corpo, ironicamente inerte e palpitante.

Lindos olhos aqueles que subiram para fitar a fumaça que saía por sua boca. Um azul tão doce, como o céu no início de um fim de tarde... Sorri, surpreendendo-me por ainda lembrar tal acontecimento.

Havia uma solitária garrafa próxima a ele. Vazia. E um piano. Ele estava ali, um daqueles enormes pianos de meia-calda, negro, com um grande e gracioso animal adormecido na sala. Contudo, a música vinha de um pequenino rádio portátil num canto escuro. E ela prosseguia, a melodia, assim como a chuva; eu via o borrão que a água produzia através do vidro, englobado pelos caixilhos dourados das portas duplas. A claridade branco-prateada se projetava em quadrados de luz no assoalho. Não havia móveis.

Ele não notara minha presença. E eu me perguntava onde estaria sua mente naquele instante... O que estaria visualizando? O que aqueles olhos perdidos no teto alto estariam de fato sonhando... O que guardavam? E, então, minha percepção de realidade tomou-me. Era minha chance de finalmente descobrir, de desvendar aquela alma que tanto me atraía, me mantendo ao seu redor como se fosse uma chama vívida e eu, uma mariposa flutuando de encontro ao seu calor.

Vagarosamente, adentrei no aposento, meus passos tão incertos como nunca o haviam sido desde meus dias de mortal. Enquanto me aproximava, fui inundado pelos detalhes que apenas aquela proximidade me permitia ter. Ele era adorável, assim como minha mente havia registrado em nosso primeiro encontro. Os cabelos de um intenso castanho-escuro eram lisos, porém cheios, as pontas repicadas se tornando minimamente rebeldes. Os traços de seu rosto eram absurdamente suaves; a pele como o leite estava corada por um atraente matiz róseo. Criança em corpo de homem.

Então, quando estava tão perto que poderia tocá-lo se apenas me reclinasse minimamente, ele ergueu os olhos embriagados para minha figura alta. Por um demorado segundo ele me estudou com pacífico interesse. Um segundo que fez meu coração disparar numa ansiedade terrível... Não havia medo ou espanto, somente um lampejo de curiosidade em seus olhos inteligentes, apesar de sua expressão permanecer distante e alheia.

Então, como se aquele meu temor houvesse sido pronunciado, ele me coroou com aquele gesto. Um sorriso. De reconhecimento e compreensão. Um leve arquear de lábios, desprovido de qualquer significado primário de felicidade.

Foi quando eu soube... Eu havia rompido a Regra de Ouro, definitivamente. E não mais haveria retorno. Entretanto, as palavras seguintes, que saíram daqueles lábios cheios e tenros, com seu tom inacreditavelmente sarcástico, foram as verdadeiras algozes do meu coração...

– Ah... você. Eu estive esperando por você... Anjo da morte... Vai me levar desta vez?


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora em postar. Um pequeno bloqueio literário XD... Mas voltarei a atualizar com frequência a partir de agora.^^



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