Mutação Oculta escrita por Athenaie


Capítulo 1
Capítulo 1




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Havia uma década que os vampiros se tinham revelado ao mundo, transformando um dos mais antigos mitos da humanidade em facto real e comprovado. Dez anos passados e a maioria da população deste país ainda não se tinha habituado à ideia que os vampiros realmente existiam, sempre viveram entre nós e principalmente que não eram perigosos. Essa foi uma das informações mais veiculadas pelos mesmos em todas as suas aparições na comunicação social. ‘’Não precisam temer-nos. Também nós evoluímos e já não somos os predadores de outras épocas. Queremos ser membros activos e participativos da sociedade, cidadãos cumpridores das leis.’’
Quando lhes foi perguntado em que consistia a sua alimentação, disseram possuir bancos de sangue privados, para quem qualquer humano poderia doar sangue e ser bem remunerado por isso. Seria desses bancos de sangue que provinha exclusivamente a sua fonte de alimentação. Já nenhum vampiro que se preze, morderá um humano – garantiram.
Havia, claro, um sem número de questões sem explicação aparente. Porquê agora ao fim de milénios de existência camuflada, vivendo nas sombras tomaram a decisão de se expor dessa forma? Confiaram assim tanto na tolerância dos humanos para avançar com esta decisão? Se há coisa que os humanos não têm, naturalmente, é tolerância. Somos animais territoriais e intolerantes à diferença. Neste novo milénio podemos estar mais refinados mas a nossa essência está lá, e volta e meia vem ao de cima.
Com o passar dos anos entendemos que a decisão de se revelarem não tinha sido unânime. Havia vampiros que eram contra a toda esta aparição e consequente branqueamento das suas reais capacidades e poderes. Sentiam que tinham perdido com o negócio. Se por um lado podiam agora ser cidadãos com direitos e deveres, não precisando de se esconder pelo negro da noite, por outro lado esta constante tentativa de os aparentar como dóceis, era quase insuportável. ‘’Sou um predador, não um cão domesticado!’’ – Ouvi uma vez um vampiro rosnar a um humano que lhe pediu um autografo à porta de um bar.
Estávamos agora numa encruzilhada no tempo. Enquanto os líderes de uma recentemente criada associação internacional dos direitos dos vampiros fazia regularmente campanha na comunicação social pela tolerância, sempre apresentando provas e números em como os seus sócios eram um exemplo de cidadania, no dia-a-dia, o que se via nas ruas é que os vampiros não gostavam assim tanto de nós nem pareciam minimamente interessados em socializar connosco. Havia clubes para vampiros, bares para vampiros e hotéis para vampiros. Restaurantes para vampiros não existiam pelo motivo óbvio.
Já pelo lado dos humanos, a maioria olhava desconfiada para estes agora conhecidos habitantes deste planeta e até havia aqueles que pura e simplesmente deixaram de sair à noite. A minha amiga Leonor era uma delas. A noite passou a ser exclusivamente em casa com a família e de inverno quando anoitecia mais cedo, apressava-se a regressar a casa e trancar todas as portas e janelas. Essa modernice dos vampiros não era para ela.
Eu, sinceramente, não tinha opinião formada sobre os vampiros. Nunca fui pessoa de julgar antecipadamente por conceitos pré-concebidos e na realidade nestes dez anos não podia dizer que tivesse conhecido muitos para poder opinar com fundamento. Às vezes cruzava-me com eles num bar ou no trânsito. Entrei numa ou outra loja de conveniência gerida por um vampiro e nunca fui mal tratada ou mesmo atacada. Pareciam-me pouco simpáticos ou pouco à-vontade, não tenho a certeza. Certo que nunca deixei de ir aqui ou ali a altas horas da noite porque poderia ser atacada por um vampiro. Se afinal eles sempre existiram, só porque agora sabemos que eles existem é que os devemos temer?
No entanto havia quem os adorasse e quase idolatrasse. Os mortos-vivos, os imortais, faziam parte do imaginário humano há séculos. Agora com eles por aí, aparentemente tão acessíveis o que não falta são pessoas dispostas a tudo para virar vampiro e poder viver para sempre, ou virar um predador sanguinário e drenar o sangue do patrão que o inferniza há anos. Apesar disso, os vampiros não pareciam assim tão disponíveis para aumentar a sua própria população e quando muito estes fans levavam para mostrar a marca de duas presas no pescoço. Nada que os transformasse para sua tristeza. Apesar de se afirmar que os vampiros não mordiam humanos, bastava frequentar os sítios certos para saber que isso não era verdade.
Eles mordiam sim, apenas não matavam, pelo menos não havia corpos que comprovassem isso mesmo. O mito que um humano mordido seria transformado em vampiro também se veio a saber ser falso. Um humano só seria transformado se totalmente drenado e o vampiro lhe desse a beber sangue dele.
Recentemente já não era só a possibilidade de imortalidade que atraia alguns humanos. A curiosidade de ter sexo com um vampiro era agora quase uma obsessão para alguns. É compreensível que assim seja. Se pensarmos que são criaturas fortes, poderosas, que transpiram sexo por todos os poros do seu corpo, incansáveis e tiveram anos e anos de aprendizagem na sua técnica é motivo mais do que suficiente para ficar a pensar no assunto. No entanto podíamos com facilidade pensar o inverso, que com o desprezo que eles aparentam por nós que seriamos apenas um objecto nas mãos de um ser gelado, insensível e que nos podia matar em segundos.
Apesar de tudo isto, havia sites na internet onde as pessoas se ofereciam aos vampiros desejosos de ter uma noite de sexo selvagem com os poderosos imortais. Uma vez ou outra por curiosidade passei os olhos por alguns desses sites e achei no mínimo degradante a forma como as pessoas se ofereciam. Não pelo sexo propriamente, que nunca fui pudica a esse ponto e acho que dois desconhecidos podem ter sexo apenas pelo sexo mas deve existir pelo menos uma atracção e não o simples facto de que um deles é vampiro.
Havia ainda outro pormenor que fervilhava na mente de alguns. A ideia que se bebessem sangue de vampiro ficariam mais fortes e que a sua resistência aumentaria exponencialmente. Na realidade o que se sabia é que quem bebia sangue de vampiro experimentava sensações iguais às de uma droga alucinogénea. Com o passar do tempo começaram a desaparecer alguns vampiros e o consequente tráfico de sangue ultrapassou em muito o tráfico das chamadas drogas pesadas. A polícia lida mal com o assunto. Se por um lado quer acabar com este trafico e consumo pois volta e meia alguém se atira para a frente dum carro sob o efeito da droga, pensando estar imortal, por outro lado nota-se que a ideia de que havendo quem vá matando uns vampiros para lhe roubar o sangue é na realidade serviço publico. Exterminar os predadores da raça humana.

Pensando bem, nós os humanos nunca lidámos bem com a ideia que não somos a espécie dominante. Ao longo da nossa história são inúmeros os casos de caça desregrada a uma determinada espécie de predador após o ataque a um humano.
Lobos, crocodilos, leões, ursos, tubarões, todos tem sido vistos como ‘’maus’’, como espécies a dizimar, pois matam humanos para comer. Sempre achei isto tudo uma hipocrisia. Eles matam para comer e nós matamos para quê? Pelo prazer da caça ou da pesca? E então quando nos matamos uns aos outros em guerras movidas pela necessidade de poder, por ódios raciais, religiosos ou pelo controlo de petróleo e diamantes? Nós não somos melhores que os vampiros. Pelo menos eles não parecem interessados em meter-nos em enormes campos de concentração onde se poderiam ir alimentando aos poucos. Ao longo da nossa historia sempre nos deixaram viver em paz e foram caçando uma vitima aqui outra acolá à medida que precisavam de se alimentar.

Eles podem ser predadores mas nós somos um vírus! Multiplicamo-nos até à exaustão e consumimos todos os recursos do planeta, até não haver mais nada disponível e então morreremos porque matamos o nosso hospedeiro – A Terra!
Normalmente é a caminho do trabalho que me ponho a pensar em todas estas questões existenciais, filosóficas, políticas e religiosas. Da minha casa ao trabalho levo hora e meia no trânsito. Sem ninguém sentado ao meu lado, não me sobra muito mais que pensar para mim ou ouvir as notícias de trânsito no rádio.
O meu nome é Alexandra Martins, (Alex para os amigos – apesar da conotação masculina da abreviatura), sou uma portuguesa de 33 anos, sou solteira e vivo nos dos arredores da capital, onde trabalho numa multinacional impessoal onde tenho como responsabilidade a gestão de um dos muitos departamentos da empresa.
Apesar de estar solteira e sem nenhuma relação amorosa neste momento não sou uma mulher solitária. Tive a minha quota de relações amorosas que não deram certo sempre pelo mesmo motivo: os meus horários demasiado ocupados. Não sou uma workaolica mas uma mulher que trabalha num mundo de homens acaba sempre por ter que trabalhar mais para ser sequer considerada como igual. Depois de duas ou três relações que foram ao charco sempre porque estou pouco presente, resolvi tirar férias de homens. Quando o ‘’mal’’ está decididamente em mim, é melhor parar e deixar de me atirar de cabeça. Stand-by era agora o meu estado oficial. O que tiver que ser meu às minhas mãos vem parar, sempre pensei. Enquanto isso não acontece, vou trabalhando, saindo com amigos e vivendo uma vida normal sem adicionar o stress duma relação condenada à partida aos já meus já muitos stresses.
Trabalho, vou ao ginásio e há sempre um amigo ou amiga disponível para ir beber um café, meter a fofoca em dia como costumo dizer. A vida não é só sexo e/ou amor. Há mais e pretendo viver o que há para viver. Sem frustrações, sem problemas.

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