O Velho escrita por Diego Lobo


Capítulo 1
O velho


Notas iniciais do capítulo

*Não betada



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O velho

O senhor odiava o cheiro daquela pracinha, não consegui entender como os jovens apreciavam tanta fritura. O calor era enorme, seus olhos cansados quase não podiam ver o ponto de ônibus a sua frente, o asfalto de alguma forma parecia esquentar mais todo aquele ambiente infernal. Ao menos ele tinha certeza de que era o lugar certo, assim dizia o papel que ele guardara no bloco.

Tropeçando no chão de pedras soltas, ele se aproximou do ponto, estreitando seus olhos para a numeração do ônibus parados, com suas mãos enrugadas ele jogou seus cabelos brancos, bagunçados pela ventania de muito tempo atrás, de forma que ficassem colados para trás. Era o ônibus certo concluiu para si mesmo, não havia muitas pessoas entrando pela porta então teria que ser rápido, cambaleando até o ônibus ele deu uma rápida olhada para os passageiros.

A luz do sol batia no vidro deixando-o irritado e com dor de cabeça, seguiu para frente apressado e parou de repente. Seus olhos balançavam perdidos, o ronco do motor do ônibus machucava seus ouvidos, não sabia o que estava fazendo ali naquele lugar. Onde estava? Percorreu com a cabeça todo o lugar, iluminado demais mal podia abrir os olhos.

Sua testa suava fria, ele rangia os dentes levando às mãos a cabeça. No ponto de ônibus, pessoas sentadas não prestaram atenção no velho senhor parado de frente ao ônibus, então quando o veiculo fechou a porta e começou a partir, levaram um susto ao vê-lo gritar.

— NÃO! — berrou com a voz rouca e chorosa, mas o ônibus não parou.

Algumas pessoas levantaram e foram ao seu auxilio, as pernas do homem balançavam sem força, até que finalmente cederam. A cena assustou as pessoas em volta, o velho estendia uma das mãos aos céus e a outro agarrava seus cabelos, soltava um gemido triste.

— O que foi senhor? — disse uma mulher na faixa dos trinta anos, ela tinha um uniforme laranja de supermercado e um coque na cabeça.

Ele rangia os dentes em um nervosismo apertando sua cabeça com força, como se ela fosse explodir a qualquer momento. A mulher insistia em chamá-lo enquanto um homem forte veio ajudar.

— O que houve? — falou o homem preocupado, ambos tentavam levantar o velho.

— Ele não me responde — disse a mulher aflita — O que o senhor tem?

— Você esta passando mal? — perguntou o homem com a voz firme, o velho balançava a cabeça em sofrimento. Não conseguia se lembrar de nada, como chegara naquele lugar.

— O senhor perdeu o ônibus? — perguntou a mulher quando os dois finalmente conseguiram levantá-lo.

— Eu não me lembro... — disse em um guinchado.

— Qual é o seu nome? Tem alguém com que o senhor possa chamar?

O velho abria os olhos, mas não conseguia enxergar nada, estava tudo branco, as vozes insistiam em lhe machucar.

— Eu não me lembro... — disse ainda gemendo.

A mulher olhou para o homem procurando alguma resposta do que fazer, mas esse deu de ombros.

— Vamos sentar ali na sombra para o senhor descansar, quer um pouco de água? — o velho não respondeu, mas foi levado ao banco mesmo assim.

Os que estavam ali sentados reviraram os olhos e pularam os bancos para longe. Uma mulher mais idosa com um pano na cabeça esticou o corpo para tentar escutar.

— Aqui esta! — disse a moça do coque na cabeça lhe entregando o copo, precisou pegar a mão do senhor para que bebesse.

Ela se ajoelhou na sua frente segurando a mão do senhor.

— Mas o senhor não consegue lembrar nem do nome? — aquilo chamou a atenção de mais algumas pessoas, alguns jovens que acabaram de sair da escola viravam para ver a cena. O velho começava a chorar balançando a cabeça negativamente.

— Mas eu vi esse homem indo pegar o ônibus agora pouco! — falou a velha com o pano na cabeça, era uma italiana forte e parecia estar disposta a entrar no assunto.

— Eu também vi! — falou uma criança que estava ali perto, sua mãe lhe deu um aperto por trás, odiando o fato que o filho estava se metendo.

A mulher do coque falava com os que se aproximavam.

— Ele não se lembra do nome, nem de ninguém que pode ajudá-lo... — recebeu em resposta um coro de suspiros e balanços negativos de cabeça — O senhor não lembra o numero de nenhum parente nem nada?

Ele apoiou a cabeça em uma das mãos e soltou um gemido alto.

— Eu não consigo lembrar de nada! — disse sem olhar para a platéia — Eu não consigo enxergar...

A última fala ninguém conseguiu escutar, pois foi seguida de um choro, a mulher se aproximou.

— O que o senhor disse?

— Eu não consigo enxergar nada! — repetiu com a voz engasgada.

A mulher apertou os lábios, a cena lhe partia o coração, sua mão apertou a do senhor.

— Alguém conhece um numero que possa ligar para ajudar ele? —perguntou a todos.

Um senhor careca chegou de mansinho e perguntou o que estava acontecendo.

— Esse senhor não consegue enxergar nem se lembrar de nada — falou uma mulher de cabelos loiros inclinando alguns centímetros sua cabeça, desejando não perder nenhum segundo a cena.

A mulher do coque viu o seu ônibus passar e suspirou imaginando que chegaria bastante atrasada no trabalho, mas como poderia deixar aquele senhor nessa situação?

— O que eu faço? Ajude-me, por favor! — dizia o velho em suplicio.

— Eu me chamo Martha e eu vou ficar bem aqui com o senhor ok? — ela balançou a mão do homem e sorriu — Não vou te deixar sozinho não, pode deixar que agente vai buscar ajuda!

O homem forte desligou seu celular e balançou a cabeça em desânimo.

— Disseram que não podem fazer nada... — ele havia ligado pra polícia, tinha certeza que havia um numero especifico para esse tipo de coisa, mas ninguém parecia saber.

— Esses ordinários! — resmungou a velha italiana, atraiu a atenção com sua voz grossa — Não fazem nada a respeito, nunca ajudam em nada!

— Olha nos bolsos dele, deve ter algum numero de telefone! — falou alguém na platéia.

— Senhor? — chamou Martha — Senhor, tem alguma coisa nos seus bolsos? Eu posso ver?

O velho cobria o rosto com as mãos, ainda apoiando sua cabeça, mas teve forças para assentir. Então Martha procurou no bolso esquerdo e todos em sua volta exclamaram surpresos.

— Nossa! Quanto dinheiro! — falou o garotinho com a mãe.

Era um rolo de notas, Martha não se preocupou em contar e sim em olhar no outro bolso. Ela apanhou um pedaço de papel.

Praça sol Nascente – 082

— O que é 082? — perguntou o homem forte se inclinando pra ler, a letra era um tanto garranchada e o papel estava manchado.

— Eu acho que isso ai é numero de ônibus — falou o velho careca encontrando finalmente um lugar para se sentar, já que um ônibus parara e algumas pessoas levantaram.

— Esse é o numero do ônibus que o senhor ia pegar? — tentou a mulher do coque — 082?

— Acho que é sim... — falou o homem forte — Alguém sabe pra onde o 082 vai?

— Eu pego esse ônibus! — falou um jovem uniformizado, a garota que estava com ele virou o rosto impaciente, o rapaz a ignorou — Ele vai para o “Porto Celeste”, é onde eu moro!

— E você já viu esse senhor alguma vez? — perguntou Martha esperançosa.

As pessoas cochichavam que “posto Celeste” era um lugar bem longe dali, um bairro um tanto humilde.

O jovem ignorou as chamadinhas silenciosas de sua namorada, não suportava mais a atitude desumana da garota, ele lhe deu as costas e olhou bem para o velho sentado. Usava roupas cinza, seu nariz era engraçado e seus olhos eram bem azuis.

— Desculpe... Acho que nunca o vi — falou sem jeito, em seguida se aproximou dele.

— Se estava escrito no papel ele não deve ter ido nesse lugar ainda, talvez seja a primeira vez... — falou a italiana.

— Não posso mandá-lo pra lá... Quem garante que é esse o lugar? — falou Martha olhando para o idoso.

— Pode ser algum lugar no caminho... É complicado — falou o senhor careca.

— Mas pra que tanto dinheiro meu deus? — perguntou a velha italiana olhando o rolo de notas altas.

O homem forte ficou de joelhos ao lado de Martha.

— Pode ser o dinheiro da aposentadoria ou algo do tipo... — ele cochichou no ouvido de Martha.

— Se ao menos tivesse algum papel, um recibo do banco... —ela disse.

O jovem olhou em volta da praça e disse:

— Tem um banco aqui pertinho, eu posso dar uma passada lá e perguntar se eles o conhecem!

— É uma boa idéia, mas vamos ter que levá-lo até o banco? — perguntou Martha aflita, pensando no sacrifício que seria para ele andar nessas condições.

— Não precisa — falou a namorada do jovem de repente.

CLICK

— Leva com você... — ela tirou uma foto do senhor com seu celular, tirou de bem perto para que fosse visível o rosto.

O rapaz olhou para a garota, ela sorriu sem jeito.

— Eu já volto gente! — e dizendo assim ele saiu correndo em direção ao banco.

O som das pessoas conversando iam sumindo aos poucos para o velho, sua respiração se acalmava, e de alguma forma o branco passou para um negro reconfortante.

Balançava em sua cadeira velha, deveria ser, pois o rangido era infernal. Inclinou o rosto aos céus sentindo a brisa daquele dia maravilhoso, seus olhos lacrimejaram. Como adorava o campo, o vento tocando sua pele cansada da vida era o reconforto de tanta luta, da guerra assustadora, dos amigos que se foram.

— Vovô! — falou a voz feminina de uma criança.

Ela era um ponto colorido na imensidão de menta que era o campo. Girava alegremente com os braços estendidos sentindo as folhas a sua volta, a superfície tão única que era cada uma, outras escorregadias umas ásperas, algumas ainda molhadas devido à chuva.

Saltitava ao seu encontro feliz, seus cabelos caramelo reluziam no sol.

— O que o senhor disse? — perguntou Martha com a voz carinhosa, como se fosse uma criança sentada a sua frente. Sua perna já dolorida por estar ajoelhada a sua frente.

— Minha neta... — ele falou com a voz fraca.

— Sua neta? — ela perguntou com energia olhando para todos, alguns eram rostos conhecidos, mas muitos que estavam ali já subiram em seus respectivos ônibus, trocando a platéia por outra aos poucos.

— Minha neta.. — repetiu.

— Pode ser que ela ajude, será que ele não sabe o nome dela? — perguntou a italiana, um homem magro e alto a par da situação se aproximou.

— O senhor não sabe para onde estava indo?

O velho balançou a cabeça em negativa, sua visão aos poucos ia retornando.  O jovem voltou se assustando de inicio com tantas pessoas reunidas, sua namorada o olhava com o mesmo olhar esperançoso do restante.

— Um cara do banco disse que ele se chama Ruphert! — disse ofegante — Ele já foi naquele banco algumas vezes, pedia informação, mas ele não sabe mais nada...

Martha ainda segurava na mão do senhor.

— Senhor Ruphert, tente se lembrar pra onde o senhor estava indo.

Ruphert balançou a cabeça novamente em negativa, seu corpo exausto demais, o homem forte colocou a mão no ombro de Martha.

— Eu preciso ir... Desculpe — falou sentindo a dor no peito, mas suas meninas já estavam a sua espera em casa, teria que fazer o almoço ainda e levá-las pra escola.

A mulher do coque suspirou e simulou um sorriso, sabia que seu chefe não era nem um pouco compreensivo com atrasos, não que ela tivesse esse costume, pelo contrario, Martha sempre chegara no horário. O calor aumentava.

Ela retirou sua jaqueta que fazia parte do uniforme, deixando amostra sua blusa branca com rendinhas.

— O senhor quer mais água, eu posso buscar mais? — perguntou ela.

O jovem sentou ao lado do velho senhor colocando a mão nos ombros dele, sua namorada sentou ali perto. A italiana começou a resmungar:

— Alguém tem fazer alguma coisa, isso é muito triste de se ver — falou, seguida por cochichos de pessoas — Antigamente quando gente velha como eu se perdia sempre tinha um guarda disposto a ajudar, agora você não vê nenhum!

Uma mulher de cabelos rebeldes e um vestido preto que descia até seus tornozelos olhou a situação.

— O que houve? — perguntou com uma voz fina.

A namorada do rapaz explicou toda a situação, enquanto o velho soltava mais uma exclamação de dor por não conseguir se lembrar de nada.

— Ah! Isso não tem jeito não minha gente — falou a mulher em alta voz­— Minha avó tem a mesma coisa, quando começa a perder a memória assim é difícil de fazer lembrar de novo...

— Mas não da pra deixar ele sozinho aqui ... — falou Martha um tanto baixo, a italiana concordou, mas algumas pessoas passaram a falar de casos parecidos que presenciaram e que de fato não teve solução.

— Gente assim é ajudada uma vez, duas vezes, mas depois se perde novamente! A família abandona, já vi acontecer... — A mulher cruzou os braços olhando para uma senhora de óculos que concordava com ela.

— Eu não vou deixá-lo sozinho não, pode acontecer alguma coisa, ele pode se machucar!

Mas no fundo ela sentia uma pontada de vontade de liberá-lo, precisava muito do emprego, a vida estava difícil para todos. Ruphert deixava a cabeça cair aos poucos, como se estivesse se entregando ao um transe hipnótico, novamente as vozes desapareciam aos poucos.

A menininha corria alegra em sua direção, o capim alto abria caminho para correria, até que a pequena tropeça e cai com violência no chão. O velho levanta de sua cadeira as pressas se apoiando a onde pôde para descer a pequena escadaria que dava na grama. Ele corre de braços abertos, como se pudesse alcançá-la de longe, a pequena mergulhada no verde com seus cabelos caramelos espalhados.

Quando ela levantou a cabeçinha rindo, ele respirou aliviado, caindo de joelhos para socorrer a neta.

— Meus sapatinhos arrebentaram! — ela exibiu os minúsculos sapatinhos cor de rosa que já mal lhe cabiam, a sola se desprendera.

— Minha querida você não pode usar esse sapatos, estão velhos demais!

A menininha de rosto arredondado fez um beicinho.

— Sãos os únicos que eu tenho vovô!

Ele suspirou passando a mão na cabeça da criança.

— Se sua mãe cabeça dura ao menos aceitasse minha ajuda...

A mulher de preto continuava a pregar o que ela achava sobre a situação.

— Vocês velhos tem que prestar mais atenção, não podem simplesmente achar que conseguem sair sozinhos por ai! —ela falava alto demais.

A italiana a olhou torto.

— E devemos fazer o que? Sentar nas nossas cadeiras de balanço e esperar a morte chegar como bons cidadãos? — disse ela com a voz rouca e nervosa.

— Você prefere sair por ai vagando sem rumo? — avançou a mulher de cabelos desgrenhados — Já não temos mendigos o suficiente?

Muitos concordavam e cochichavam ainda mais, o jovem olhava aflito para sua namorada como se parecesse não haver mais jeito. Martha se inclinou na direção do velho senhor e perguntou baixinho.

— Tente se lembrar Ruphert... — ela estreitava os olhos como se sentisse sua aflição, o homem velho se esforçava o máximo que podia, mas cada vez fazia menos sentido estar naquele lugar tão barulhento e quente.

— Minha neta... — repetia o velho.

— O senhor fica falado nela... É alguém que pode te ajudar? — disse a mulher balançando as mãos do senhor com delicadeza, mas não podia esconder sua hesitação.

Pela primeira vez o homem sorriu, os olhos claros se encheram de lagrimas.

— Ela é tão pequena com aqueles sapatos velhos, se a mãe me deixasse comprar novos...

Martha suspirou. Tratava-se então de uma criança, e mesmo assim o jeito que o velho falava, não parecia estar lúcido, era como se estivesse preso a alguma recordação. Era algo que só ele poderia ver, ela nada podia fazer, não havia informação alguma que a ajudasse a ao menos encaminhá-lo para algum lugar.

— Mulher, você pretende ficar ai com ele até quando? Vai perder todo o seu dia tentando ajudá-lo, mas não vai dar em nada! — falou a de preto, ela lhe apontava o dedo ossudo como se lhe lançasse alguma maldição — Não tem jeito, a família largou, não é nossa a responsabilidade!

As mãos de Martha aos poucos afrouxavam, os dedos deslizavam da mão enrugada do velho, ela aceitava o fato de que nada poderia fazer pelo velho homem.

— Senhor guarda aqui! — gritou à mulher de vestido negro, todos olharam imediatamente para o homem de farda, ele olhou com desconfiança para a pequena multidão que se aglomerou no ponto de ônibus. A velha italiana balançava a cabeça tristemente.

— Já vi o que acontece quando os guardas de farda de hoje em dia levam os idosos em situação parecida — ela forçava o queixo em uma careta e concordava consigo mesma — Largam no primeiro asilo que encontram pela frente!

Martha sentiu outro aperto no coração, a mulher de cabelos bagunçados foi de encontro ao homem guarda de nariz torto, explicando a situação, do seu jeito escandaloso. O homem olhava para a multidão e para o velho, ele balançou a cabeça e avançou devagar.

— Vamos dar espaço! — falou o homem impaciente — Senhora pode deixar que eu assumo daqui, vamos senhor!

Quando Martha soltou as mãos do velho ele imediatamente a agarrou novamente, com a força que tinha. Apertava a mão da mulher, de olhos fechados franzindo a testa.

— Pelo amor de deus não me deixa sozinho minha filha, por favor! — disse com a voz chorosa.

— Senhor Ruphert, o guarda vai ajudar, eu não posso fazer mais nada, tenho que ir trabalhar... Eu sinto muito mesmo! — O velho soltou lentamente a mão da mulher, imediatamente o guarda colocou seu braço nas costas do homem e o ajudou a se levantar.

Aos poucos as pessoas se espalhavam pelo ponto, e Martha finalmente se levantou, sentindo uma forte dor nas costas. A mulher de preto estava satisfeita e simplesmente foi embora, a mão de Martha estava quente e ela se sentia péssima, olhava pra rua evitando o olhar do senhor que aos poucos deixava o local com o guarda.

 Seu ônibus chegara bem na hora, varias pessoas faziam fila pra entrar.

— Pode emprestar um trocado pra essa velha esquecida? — perguntou a velha italiana, que já estava remexendo na bolsa há tempos, provavelmente sem sucesso em encontrar o que procurava.

— Claro! De quanto precisa? — Martha se sentiu bem em ajudar ao menos alguém — Mas a senhora não precisa pagar...

— Oh querida, não é pra mim é pra minha netinha! — incrivelmente Martha não havia reparado na garotinha de cabelos negros ao lado da mulher, provavelmente estava sentada em algum lugar do ponto.

— Aqui esta mocinha! — ela entregou o dinheiro para a criança que deu uma risada.

— O que foi Helga? — perguntou a italiana nervosa.

— Dinheiro colorido! — falou a pequena sorrindo, exibindo a nota manchada com varias cores.

— Mas vejam só! — a velha apertava seus olhos para olhar a nota, Martha não entendeu porque a nota estava manchada. Até que olhou suas mãos.

Estava com manchas coloridas na palma da mão, muitas cores variadas em borrões, ela cheirou rapidamente, aquilo era tinta forte.

— Mas como... — foi quando concluiu o que havia acontecido.

 Olhou para os lados desesperada, assustando a criança e a velha. Ela sorriu aliviada quando viu o velho e o guarda ainda esperando o sinal fechar para que atravessarem.

— ESPEREM! — gritou, todos do ponto olharam intrigados, o jovem que subia em seu ônibus com a namorada desceu imediatamente quando viu Martha chamar varias vezes o guarda.

Novamente a multidão se formou, o guarda voltou zangado guiando o velho homem.

— Esperem, por favor! — ela correu ao encontro do senhor, apanhando as mãos do homem, abrindo um sorriso de surpresa.

— O senhor pinta? Senhor Ruphert? — ela o encarava com esperança — Você sabe pintar?

O homem exibia as mãos coloridas, seus dedos escurecidos com uma camada grossa de tinta.

— Eu... Eu não sei — disse confuso, ele já podia enxergar o rosto de Martha, a mulher que ficou ao seu lado durante esse tempo de aflição.

— Minha senhora, pode deixar que eu cuido..

— Alguém tem papel, e lápis ou tinta, qualquer coisa! — perguntou a mulher carregada de esperança, interrompendo o guarda.

— Pode usa meu caderno! — falou o jovem vindo em sua direção, já com a mão na mochila ele pescou um caderno e abriu em uma pagina em branco.

— Eu tenho canetas coloridas! — a namorada do rapaz lhe entregou um estojo de cor rosa.

— Sente aqui senhor Ruphert! — ela tirou o idoso das mãos do guarda — Quero que o senhor se concentre bem na sua neta, e a desenhe... Sei que consegue.

“Mas ele sabe mesmo pintar?” diziam as vozes próximas a eles, o guarda resmungava bastante, mas Martha não ligava. Entregou uma caneta qualquer para o velho, ele a segurou de maneira insegura, não parecia saber o que fazer com ela.

Martha apertava os dedos nervosamente, pedia para deus que o fizesse se lembrar, que ele fosse mesmo um pintor e conseguisse. Mas nada aconteceu durante um minuto ou dois.

— Vamos senhor Ruphert, você sabe... — ela apertava os olhos, ele a encarou, admirando sua determinação em ajudá-lo. Molhou os lábios, não tinha idéia de como desenhar, não possuía nenhuma lembrança sobre pintar.

Mas mesmo assim ele fechou os olhos com tristeza, seguiu-se um couro de lamentações, as pessoas faziam feições desanimadas, e o guarda pôs a mão no ombro do velho senhor.

Ruphert, sim, lembrava de sua neta, tão pequenina e sorridente, seu rosto redondo, cabelos castanhos e dourados pelo sol, seu vestidinho engomado. Sua netinha querida...

— Olhem! — exclamou o rapaz.

A mão de Ruphert girou a caneta desleixada e se pôs firme no papel com a ponta no lugar, e como se tivesse vida própria começou a rabiscar com energia, ele de olhos abertos se concentrava em cada movimento. Os olhos verdes como o campo que ela tanto gostava de brincar, seu rosto delicado ganhava a suavidade dos traços, mas o cabelo caramelo tinha um reforça e uma deliciosa junção de luz e sombra.

A multidão completamente concentrada junto ao senhor, torcendo, admirando o incrível talento, até mesmo o guarda congelara quando o lápis começara a imortalizar a criança no papel. Ruphert pescava outras canetas, e borrava algumas partes, mas não ficava feio aos olhos, parecia algo como um estilo próprio. O desenho estava pronto.

— Eu a conheço! — disse o jovem completamente empolgado — Ela mora no “Porto Celeste”, não muito longe da minha rua!

— Você tem certeza? — perguntou o guarda serio, o jovem concordou.

— Esta muito igual! — a namorada o beijou no rosto e o abraçou feliz, todos pareciam muito empolgados.

Martha o encarava com um sorriso no rosto, as lagrimas surgindo, o velho ofegava cansado e retribuiu o sorriso.

— Muito bem senhor Ruphert! — falou ela ainda sorrindo.

O guarda pediu para que as pessoas fossem embora, mas a multidão queria se despedir do velho Ruphert, que subia com dificuldade o ônibus 082, acompanhado de Martha, essa fizera questão de levá-lo. O jovem adolescente sentou na cadeira à frente e lançou um sorriso para os dois, o veiculo começou a andar e as pessoas lhe davam “tchauzinhos”.

O velho fechou os olhos, retornando mais uma vez ao campo verde.

Sua neta sentada no seu colo, brincava com a gola de sua blusa, suja de tinta. A criança descalça cantarolava baixinho, e Ruphert balançava de leve com ela na sua cadeira.

— Vovô... Promete que um dia você vai me visitar? Mesmo a mamãe não deixando...

O velho a olhou com um sorriso sincero, mas sem deixar de suspirar pensando na dor de cabeça que seria, e disse:

— Eu prometo querida.


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Notas finais do capítulo

Bem.. espero que tenham gostado! Esta bem simples, mas acho que ficou legal