O céu anunciava ao se alaranjar que em breve o pôr-do-sol chegaria. Algumas gotículas de água da chuva da manhã que restavam pela grama refletiam o brilho ainda existente da luz. E, em meio a isso, dois garotos de 5 e 7 anos corriam pela grama do quintal em círculos.

— Está com você! – Disse Nicolas encostando a ponta do dedo no ombro do irmão enquanto corria rapidamente na direção contrária, mesmo sendo o mais novo possuía pernas ágeis que raramente se cansavam mesmo após horas brincando de pega-pega. Bernardo respirou fundo para tentar recuperar o fôlego e voltou a correr na direção de Nicolas. Estava quase alcançando-o quando ouviram uma voz os chamando da cozinha.

— Meninos, venham se arrumar, está começando a escurecer e daqui a pouco as visitas vão chegar! 

— Certo, mamãe – Eles falaram juntos enquanto tiravam os tênis para não sujar a casa. Isabelle deu um beijo na testa de cada um e foi separar a roupa que eles iam usar depois do banho. A comida do jantar já estava pronta, ela foi revisar se faltava algo nos quartos dos hóspedes. Na realidade na casa em que morava havia quatro quartos, um para ela e o marido, e um de cada filho, ou seja, havia apenas um quarto de hóspedes propriamente dito. Porém, para acomodar todos os visitantes os seus meninos iam dormir no mesmo quarto e ela dormiria no quarto do outro filho.

Os meninos saíram do banho e ela os ajudou a se vestirem, penteou seus cabelos e passou um pouco de perfume neles. “Não entendo porque estou tão nervosa”, Isabelle pensava. Essas visitas anuais ocorriam há tanto tempo e sempre eram repletas de felicidade.

— Podemos assistir TV mamãe? – Nicolas perguntou

— Pode sim, querido – Ela respondeu

— Mãe, que horas o papai chega? – Bernardo falou

— Ele já deve estar chegando, o trabalho hoje foi um pouco mais puxado. – Os meninos assentiram e se deitaram no tapete da sala para assistir desenho animado. Isabelle pôs a mesa e foi tomar banho, se arrumou e desceu. A porta da casa abriu.

— Papai! Papai! – Os meninos se levantaram e foram até ele correndo.

— Oi crianças, como estão? – Filipe disse enquanto abraçava os dois. Ele se levantou e foi em direção de Isabelle, deu-lhe um beijo na bochecha. – Você está linda.

— Obrigada, está tudo certo por aqui, vá se arrumar, eles já devem estar chegando. – Ele deixou a maleta no hall de entrada e foi tomar banho. Filipe trabalhava para a empresa IMH, foi uma decisão fácil para ele, não queria que ninguém mais passasse pelo que eles tinham passado tantos anos atrás. Ele ajudou a fazer várias melhorias e a empresa tinha sido bastante aprimorada desde aquela época. Isabelle tinha se formado em arquitetura e urbanismo em São Paulo e agora trabalhava como Designer de interiores em sua casa em Lisboa. Sua irmã Ana ainda morava em São Paulo, tem uma filha chamada Regina e trabalha como psiquiatra. Uma vez por ano ela passa duas semanas no Brasil com a família, seus pais sempre ficam animados por verem os netos reunidos. Sua cunhada Elisa, a irmã de Filipe, tinha se formado em administração e estava começando a cuidar dos negócios do pai. Dos irmãos mais velhos dele tinha poucas notícias, apenas sabia que alguns tinham começado a trabalhar e outros se sustentavam com o dinheiro da mãe e do novo padrasto. Algumas coisas nunca mudam, mas em compensação outras se transformam completamente.

A campainha tocou. Isabelle abriu a porta e lá estavam Rosa, Lorenzo e sua filha de 6 anos Bianca.

— Entrem, entrem! – Ela falou sorrindo. Rosa deu um abraço demorado nela. Rosa agora trabalhava como artista e seus quadros eram bastante conhecidos na Espanha e seu marido era advogado.

— Quanto tempo minha amiga! Como estão? – Rosa perguntou. Depois do que passaram todos haviam estudado a fundo as línguas dos seus novos conhecidos e há muito tempo eram fluentes. Podiam se comunicar em inglês, espanhol ou português com facilidade.

— Tudo está ótimo! – Isabelle disse. Filipe desceu as escadas e cumprimentou todos, ele agradeceu o vinho que Lorenzo trouxe. Os quatro se sentaram a mesa e começaram a conversar para colocar as notícias em dia. Bernardo e Nicolas chamaram Bianca para brincar, eles se conheciam desde sempre e eram bons amigos.

A campainha tocou novamente.

Dessa vez Filipe se levantou para atender, Tyler havia chegado com Alice e Michael, seu filho de dez anos. Ele os recebeu com bastante entusiasmo. Mesmo sendo o mais velho das crianças Michael sempre adorava brincar com elas e logo abraçou todos seus amiguinhos.

Tyler e Alice se juntaram à mesa. Isabelle serviu o jantar com a ajuda de Filipe e encheu as taças de vinho de todos.

— Senti tanto a falta de vocês! – Tyler disse. Ele agora era professor de inglês em uma universidade em Nova York e Alice tinha se formado em administração e começado sua própria pequena empresa. – As crianças estão crescendo cada vez mais rápido. – Ele se lembrou rapidamente de quando sua irmã Mary era criança, ela agora era formada em psicologia. “Como os tempos passam rápido”, pensou.

— Também senti muito a falta de vocês. Ano que vem vamos para Barcelona! – Rosa disse empolgada. O reencontro anual dos quatro, e agora com agregados, acontecia em revezamentos. A cada ano eles iam para a casa de um dos quatro ou dos três depois que Isabelle e Filipe se casaram. Todos os quatro se conheciam há vinte anos e aquela experiência única os uniu como nada mais o faria.

Os adultos já estavam na sobremesa enquanto compartilhavam histórias e novidades. As crianças comeram e rapidamente voltaram para suas brincadeiras. Eles agora estavam brincando de faz-de-conta onde estavam em um reino encantado.

— Eu, princesa Bianca, digo que fui roubada! – Bianca disse fazendo trejeitos. Os meninos sorriam e continuaram a cena.

— É nosso dever como cavalheiros ajuda-la nessa missão! – Disse Bernardo. – Vou chamar o Mago para se unir a nós.

— Eu sou o mago e estou aqui para auxiliar vocês nessa busca – Michael disse e todos riram. Eles continuaram brincando por um bom tempo.

O português olhou as crianças se divertindo, depois seus olhos foram em direção à Belle, ele se sentia o homem mais feliz do mundo por poder chamá-la de esposa. Ele observou Tyler e Rosa, admirava o quanto eles tinham crescido, não só fisicamente, mas emocionalmente também. Filipe então deu um beijo na testa de Belle, enxugou uma tímida lágrima de felicidade que percorria pela própria bochecha e sorriu.