Saga Sillentya: Espelho do Destino escrita por Sunshine girl


Capítulo 9
VIII - Entre o Céu e o Inferno


Notas iniciais do capítulo

E mais uma vez eu retorno...


Capítulo com uma grande surpresa no final! Preparem-se para uma grande reviravolta!


Boa leitura!!!



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Capítulo VIII – Entre o Céu e o Inferno

“Você levou embora a sua confiança,

Você é um fantasma assombrando o coração dela

Passado e presente são apenas um na sua cabeça

Você é um fantasma assombrando o coração dela”.

“Pegue minha mão quando eu vagar por aí,

Tudo da minha vida eu dei a você

Pegue minha mão quando eu vagar por aí,

Tudo do meu amor eu dei a você”.

(Within Temptation featuring Evanescence – Restless)    

Despertei, sentindo um leve roçar de lábios em meu ombro. Sorri, espreguiçando-me, lentamente, relutando em abrir os olhos, pelo menos ainda, desejando desfrutar o máximo que podia daquele momento.

Os dedos dele ainda brincavam com a alça fina de minha blusa, ora afastando-a, ora trazendo-a de volta. O calor de seu corpo aquecia-me como os raios suaves do sol pela manhã, exatamente como o sol que devia brilhar do lado de fora.

- Acordei você? – sussurrou ele ao pé do meu ouvido, a voz macia e suave como a de um anjo.

- Não. – menti, e ele riu um pouco, não acreditando nem um pouquinho em mim. Virei-me para ele, encontrando seus olhos castanhos e abrasadores, sorri, vendo que todos os seus ferimentos da batalha do dia anterior estavam cicatrizados.

Observei seu semblante sereno, e um alívio imensurável dominou-me, sufocando os meus temores diante das lembranças perturbadoras do sonho que tive na noite passada, quando ele me deixava mais uma vez, sozinha na escuridão.

Tratei de sepultá-las no fundo de minha mente. Eu não queria remoer mais nosso passado, havia dito a mim mesma que me levantaria e seguiria em frente, mas... Parecia tão difícil para eu esquecer os últimos meses, esquecer o que houve no dia anterior, esquecer do olhar acusatório e ultrajado de Christian e de suas palavras frias como gelo...

Aidan captou minha mudança de estado de espírito, tocou meu rosto, dispersando meus pensamentos sombrios. Seus olhos agora estavam sérios e temerosos.

- Você está bem? – perguntou-me ele, e eu assenti, sem pensar duas vezes, embora algo dentro de mim gritasse ao fundo que havia algo de errado ali, entre nós, a outra se regozijava por tê-lo ao meu lado mais uma vez, e esta tratou de sufocar todos os meus temores, pelo menos por enquanto.

Desviei o olhar, fitando meus dedos enquanto eles traçavam leves círculos no lençol de seda. Não queria encarar seus olhos quando lhe fizesse aquela pergunta. Eu não queria lhe passar a impressão de que não confiava nele, ou que não acreditava em cada uma de suas palavras, mas aquela sensação estranha, como se eu estivesse me esquecendo de algo ainda me assolava, corroia-me por dentro, lentamente, e envenenava meu coração com suposições estúpidas e absurdas.

- Aidan? – eu o chamei, ainda com o olhar fixo em meus dedos, brincando com o lençol.

- O que foi? – respondeu-me ele, a voz séria, suspirei, eu definitivamente havia quebrado qualquer clima entre nós dois.

- Se... Se eu lhe fizesse uma pergunta, você seria... sincero comigo?

Ele não me respondeu de imediato, e seu corpo enrijeceu ao lado do meu. Sua reação só atenuou minha desconfiança. Embora eu estivesse disposta a confiar inteiramente nele, no fundo eu também sabia que havia algo que ele ainda escondia de mim. Um segredo muito mais obscuro, lacrado às sete chaves em seu coração, um que ele não estava disposto a partilhar comigo.

Ele rolou no colchão, cruzando os braços atrás da cabeça e fitando o teto anguloso, senti que ele estava afastando-se de mim novamente.

- Aidan? – eu o chamei mais uma vez, mas seus olhos não encontraram os meus. Sentei-me no colchão, alarmada, curvando-me sobre seu corpo, repousando a palma de minha mão em seu rosto, fazendo-me encará-lo – Por favor?

Seus olhos tornaram a fugir dos meus, e mesmo que ele finalmente tenha assentido, eu senti que ele estava hesitante, relutante.

Decidi despejar aquilo que estava entalado em minha garganta de uma vez por todas.

- Agora que eu sei de tudo, quero dizer, sei tudo sobre a minha verdadeira origem, não resta mais nenhum segredo entre nós, não é?

Ele girou sua face, deixando que seus olhos recaíssem sobre meu semblante tenso e preocupado. Ele retirou uma de suas mãos – cruzadas atrás de sua cabeça – e afagou meu rosto, contornando meu perfil com a ponta de seus dedos.

Sua mão deslizou até minha clavícula, acariciando-a suavemente, até que ele endireitou-se no colchão, apoiando-se no antebraço, seu rosto estava a centímetros dos meus.

- Não, não resta... – sussurrou ele, curvando sua face para depositar um beijo em meu ombro. Estranhamente suas palavras não causaram alívio em mim. Eu sabia que havia algo de muito errado ali, algo dentro de mim gritava que algo não estava certo, mas Aidan não me permitiu concluir pensamento algum, seus dedos puxaram o elástico que prendia meus cabelos, esparramando-os sobre meus ombros e minhas costas, entrelaçando-se neles, enquanto seus lábios ainda exploravam a pele de meu ombro – agora desnudo.

Tentei limpar minha mente, clareá-la, produzir algum pensamento coerente, que fizesse algum sentido, mas ele sempre conseguia me domar dessa forma, sempre conseguia me calar com seus lábios e com suas carícias, tratando de dissipar todas as minhas suspeitas, todas as minhas inquietações. De certa forma, era como um grande vendaval que varria toda a minha mente, deixava-a oca, incoerente.

Àquela altura eu nem mesmo me lembrava do que estávamos conversando. Àquela altura eu nem mesmo me lembrava de como respirar corretamente. Quando dei por mim, meu corpo já repousava no colchão novamente, e ele esparramava-se sobre mim, seus lábios buscavam, afoitos, pelos meus.

Ele afastou-se, sua mão agarrada a minha cintura, os olhos brilhantes e intensos.

- Darei algum tempo a você, te espero lá embaixo... – sussurrou ele em meus lábios, e levantou-se, cruzando o quarto e desaparecendo de minha vista após fechar a porta.

Permaneci, ofegante e imóvel, por mais alguns segundos, antes que a realidade batesse a minha porta. Levantei-me em um rompante, irrompendo na suíte do quarto, livrando-me das roupas e adentrando debaixo da água quente e reconfortante do chuveiro.

Escovei os dentes, sequei os cabelos e os penteei, vestindo roupas limpas e depois já cruzava o longo corredor, procurando, desesperada, por Aidan. Eu sabia que ele não seria louco o suficiente para entrar no caminho de Christian, mas eu temia verdadeiramente pela reação de Christian, e qualquer motivo, por mais fútil que possa ser, poderia iniciar uma batalha como a de ontem entre os dois.

Apressei o passo quando as lembranças do dia anterior tornaram-se mais nítidas em minha mente. Não sei ao certo porque segui para lá, mas minhas pernas moviam-se por conta própria, e quando despertei, já batia na porta do escritório de Lucius.

Três leves e tímidas batidas, e depois Lucius já escancarava a porta estreita, um sorriso enorme nos lábios, os olhos azuis turquesa incrivelmente afoitos, e ele já me pedia para entrar.

Cruzei os braços, e recusei seu pedido para me sentar, não pretendia prolongar muito a nossa conversa. Sabia que ele tinha algo mais importante para fazer do que acalmar os meus nervos, mas eu queria tentar, de qualquer forma.

Contei a ele sobre uma maneira de mantermos Aidan e Christian sobre esse mesmo teto, sem que ele desabe sobre nossas cabeças, ou um dos dois acabe mortalmente ferido. Não comuniquei sobre a decisão de Aidan, pelo menos não ainda, achei melhor que ele mesmo contasse.

Lucius logo tratou de me acalmar, disse que havia conversado com Christian ainda na noite passada e o convencera a evitar um confronto direto, pelo menos por enquanto – pois ele se mostrara determinado a levar o plano de vingança adiante.

- Sabe onde ele está agora? – perguntei a Lucius, algo se revirava em meu estômago com a espera por sua resposta, mas ele deu de ombros e murmurou algo sobre ele estar na garagem, lustrando seu “brinquedinho”.

Murmurei algo parecido com um obrigado, abri a porta e desci as escadas em um rompante, irrompendo no jardim verdejante, apertando os olhos imediatamente pelo sol dourado e intenso, brilhando acima de mim, o céu azul e límpido e a brisa suave que soprava com gentileza em meu rosto.

Caminhei pela grama úmida, os braços cruzados, o coração martelando no peito, os dedos cravados no tecido de minha blusa, até que o encontrei.

Christian usava uma pesada jaqueta de couro, mesmo com o dia lindo e o clima agradável. Ele lustrava uma máquina da morte, negra, fatal e veloz, e parecia muito concentrado no que fazia, ou pelo menos aparentava, eu sabia que ele já tinha notado minha presença ali, ele não queria era reconhecer que eu tivera a audácia de procurá-lo.

Estaquei a uma boa distância, dando-lhe um pouco de espaço e privacidade. Ele parou com sua tarefa, endireitou sua postura e fitou-me por longos segundos, sem nada dizer.

O silêncio incomodava-me, e logo me fez desviar o olhar, envergonhada por minha atitude ontem. Envergonhada por tudo o que eu fiz a ele. Por tudo o que eu lhe causei. Por tantos meses eu me calei, não disse o que verdadeiramente ele significava para mim, o quanto prezava nossa amizade. Acho que havia chegado a hora de contar tudo a ele.

- Christian, eu sei que, provavelmente, você deve me odiar agora, e não posso culpá-lo, muito menos lhe tirar a razão, mas quero que saiba que... – suspirei, cerrando os olhos lentamente – Que eu sinto muito... Por tudo, juro, eu nunca deveria ter feito o que fiz. Errei tanto com você e espero, sinceramente, que você possa me perd...

- Que eu possa te perdoar? – ele interrompeu-me, completando minha frase antes mesmo que eu mesma sequer tivesse chance de fazer isso.

Tornei a fitá-lo, demorando-me nos olhos azuis, escuros e intensos, pelo menos ele não mais exalavam a fúria e a amargura de outrora.

- Sim... – sussurrei, mordendo o lábio inferior, com os nervos aos frangalhos.

Então, para meu espanto, ele sorriu de canto, como sempre costumava sorrir. Esticou sua mão até meu rosto, ajeitando uma mecha de meu cabelo que se remexia ao sabor do vento, colocando-a atrás de minha orelha.

- Não guardo rancor algum de você, Agatha. Peço desculpas, antes, pelo meu comportamento rude... ontem. Meus atos inconseqüentes quase custaram a sua vida, sinto muito.

- Não! – eu exclamei, querendo contornar a moto e confortá-lo de alguma maneira – Você não tem que se desculpar por nada! Eu é que cometi erros! Christian, eu sinto tanto... Por favor, desculpe-me se eu o magoei.

Ele riu sem humor, atirou o pano que usava para limpar a moto no gramado verdejante e pegou-me pelos ombros, olhando-me com seriedade, seus lábios proferindo palavras sinceras.

- Pare de se culpar por isso. Não quero vê-la remoendo o que aconteceu, ou o que deixou de acontecer, tudo bem? Então tire isso da cabeça, o que houve no passado entre mim e... – ele cerrou os olhos, sacudindo a cabeça com repugnância – entre mim e Aidan não teve nada a ver com você.

Baixei os olhos, um pouco menos sobrecarregada. Pelo visto, Christian estava disposto a esquecer o que houve ontem, mas...

- Christian... Bom, eu estava... Estava pensando se você não poderia...

Inspirei, buscando forças para adentrar naquele assunto tão delicado. Mas não conseguia. O que havia comigo? Christian soltou meus ombros e caminhou até o grande portão de grades negras de ferro, escancarou-o, depois tornou até mim, montou na moto reluzente e fez um gesto com a cabeça, indicando a garupa.

- Suba. – pediu ele, os olhos apertados contra os raios de sol. Observei a garupa da máquina veloz e mortífera e estremeci. Eu já havia andado de moto com ele, uma vez, mas esse não era o verdadeiro motivo de minha hesitação.

Girei o tronco a fim de vislumbrar a grandiosa fachada da mansão. Observei as janelas acortinadas, e uma delas chamou minha atenção, estava levemente afastada, revelando um semblante muito, muito perturbado por minha proximidade de Christian e da moto.

Engoli em seco, minhas mãos estavam pegajosas e frias. Sequei-as na calça, tornando a fitar a face serena, e com um certo toque de ironia nas feições tão bem compostas de Christian, e entreabri os lábios.

- Desculpe, não posso...

Ele crispou os lábios, desviando o olhar, e arriou os ombros, mas eu podia sentir a tensão que emanava de seus músculos, escondidos sob a jaqueta pesada.

- Qual é o problema, Agatha? Ele não permiti que você se divirta um pouquinho? Ou tem medo de que eu não a traga inteira de volta? Qual é, suba aí, eu prometo que será apenas uma volta, além do mais, temos assuntos pendentes a tratar.

Meu estômago dava voltas, eu podia sentir o olhar furioso de Aidan, partindo da janela, fuzilando Christian, e calculei quanto tempo demoraria para que ele mesmo descesse até o jardim e resolvesse impedir que o irmão me levasse em uma máquina da morte como aquela para um passeio pela cidade, sozinhos...

- Não posso. – tornei a murmurar, embora meu corpo quisesse saltar naquela maldita garupa e resolver todos os assuntos que ainda restavam entre nós dois, não podia, porque se fizesse isso, aí sim daria motivo para que Aidan partilhasse dos sentimentos negativos de Christian. Não podia permitir que aquilo se tornasse algo mútuo, que ambos quisessem se matar, pelo menos eu poderia manter Aidan na linha, Christian eu jamais conseguiria controlar mesmo. Ele tinha um coração rebelde. Jamais me ouviria, e percebi que o que ele queria realmente era provocar Aidan, e estava me usando para realizar esse feito.

Mais uma vez ele deu de ombros, os olhos azuis desafiavam-me, quase me fazendo ceder... Quase...

- Tem certeza? – ele perguntou, arqueando as sobrancelhas, lançando-me um sorriso de escárnio, fazendo meu coração acelerar em meu peito. Por alguns instantes, realmente cogitei essa possibilidade, mas não era certo. Se eu ainda esperançava fazer os dois se reconciliarem, precisaria andar na linha e evitar Christian.

Suspirei, desamparada e desolada, assentindo, olhando-o com firmeza e segurança em minha decisão, sem vacilar.

- Tenho.

- Você é quem sabe. – murmurou ele e deu a partida na moto, acelerando-a, lançou-me uma piscadela, retirou óculos de sol do bolso da jaqueta e os colocou, privando-me do azul de seus olhos, não deixando de sorrir por um minuto sequer, mas eu sabia que ele ainda estava jogando. E então tirou os pés do chão. Os pneus cantaram na passarela de pedra, fazendo-me engasgar com a fumaça produzida, inicialmente, e depois ele já desaparecia pelos altos portões, deixando uma trilha de fumaça.

Fiquei ali, observando a trilha deixada por seu trajeto desaparecer, e cruzei os braços, sem ter muita certeza do que exatamente deveria fazer agora.

Tomei fôlego e voltei para a mansão, não procurei por Aidan, não ainda. Sabia que ele estaria irritadiço e muito azedo, porque viu a cena no jardim, protagonizada por mim, Christian e uma moto negra e veloz.

Então, refugiei-me em um canto qualquer da mansão, sentei em um sofá estreito e passei os braços ao redor de minhas pernas, tentando distrair minha mente com pensamentos banais, pelo menos até que eles caminharam até minha mãe. Sequei os olhos, quando estes ficaram úmidos demais para o meu gosto, e meu coração apertou-se de saudades.

Pensei em John também, em como ele deveria estar consolando-a nesse momento, como estariam Peter e Tamara na escola sem mim. Lembrei-me de South Hooksett, de cada insignificante pedaço daquela cidadezinha, da loja de minha mãe à escola, até minha casa, meu antigo lar.

E quando tornei à realidade já me debulhava em lágrimas... Que patético, desde quando eu me tornei tão sensível assim? Ri sem humor, limpando o rosto na manga da blusa, tentando desfazer aquela tempestade que me assolava por dentro naquele momento.

O que eu não daria para rever minha mãe, meus amigos, meu futuro padrasto outra vez? Tantas e tantas coisas...

Ouvi a porta ser aberta, e sobressaltei-me, tentando recompor-me, mas era Aidan, e assim que viu meu estado, suspirou, sentou-se ao meu lado, o rosto pensativo entre as mãos. Até que seus olhos buscaram pelos meus, cautelosos.

- Sente saudades da sua mãe, não é?

Assenti muda, buscando refúgio nos braços dele, pousando minha face em seu peito largo e quente, deixando que todas as minhas inquietações morressem ali. Aidan fechou seus braços ao meu redor, beijando meus cabelos.

- Acho que posso entender a sua dor... Um pouco... – confessou-me ele, e eu lembrei-me instantaneamente da noite em que descobri o que ele realmente era, a mesma noite em que fui manipulada pelo desertor para saltar da ponte e passar por uma experiência de quase morte.

- Você sente saudades da sua mãe também. – era para ter soado como uma pergunta, mais saiu mais como uma afirmação. Ouvi seus batimentos se alterarem com a lembrança sombria.

- De certa forma, consegui decepcioná-la tantas vezes, inclusive falhar com a promessa que lhe fiz no leito de morte.

Sustentei minha face, fitando seu rosto perturbado, enquanto ele remoia seu passado.

- Que promessa?

Aidan respirou fundo, tomando coragem para me revelar mais um detalhe sórdido de suas falhas no passado.

- Prometi que como irmão mais velho, cuidaria de Christian. Mas jamais tive intenção de cumpri-la. Embora respeitasse sua memória, nunca tive chance de crescer sob os cuidados e o carinho de minha mãe.

- Ducian o separou dela, não foi? – perguntei, tocando sua face com ternura.

Ele suspirou, seus olhos tornaram-se vagos, distanciaram-se de mim, enquanto ele se pronunciava novamente:

- Ducian sabia que para me tornar em um animal sanguinolento, precisaria me afastar de qualquer espécie de afeto. Ele sabia que para me transformar em um animal, desprovido de compaixão e bondade, ele teria que me afastar de tudo o que eu amava.

Afaguei seu rosto, tentando confortá-lo de alguma maneira, e permanecemos em completo silêncio, abraçados, por um tempo que ao meu ver pareceu interminável.

Mais tarde, eu e Aidan procuramos Lucius para tratar de sua integração a Ephemera. Se ele permaneceria aqui, realmente, todo o tempo, então era obrigatório que ele fosse o primeiro a saber.

Eu apoiava-me na cadeira, as mãos sobre os ombros de Aidan, permanecendo ao lado dele em todos os momentos, um sinal de que eu estaria presente em sua vida sempre que ele precisasse de mim, sempre que fosse requisitada.

Lucius cruzou as pernas, uma sobre a outra e entrelaçou seus dedos, os olhos não escondiam sua satisfação pela decisão de Aidan. De qualquer forma, era mais um reforço que ele teria no caso de um ataque de Ducian.

- Você sabe que é muito bem-vindo aqui, Aidan, e fico muito feliz por sua decisão, mas eu devo alertá-lo, uma vez que você estiver dentro, não poderá deixar, Ducian não o poupará, muito menos lhe concederá uma segunda chance. Ser um informante é algo bem diferente de realmente lutar e aderir a nossa pequena e nobre causa.

- Estou ciente dos riscos e – ele sustentou seus olhos, encarando-me por longos segundos – acredito que estou tomando a primeira decisão correta em toda a minha vida. Tudo o que desejo é proteger Agatha.

Lucius disfarçou uma risada, pigarreando e encarou a nós dois com uma expressão um tanto... maliciosa.

- Agatha, Aidan me contou do futuro que você dois estão planejando, fico muito feliz de que tenham se acertado.

Eu corei, imaginando o que exatamente Lucius pensava que eu e ele fossemos fazer em Nápoles, futuramente. E corei ainda mais, porque eu mesma não havia pensado nessa possibilidade.

- Quando tudo isso terminar, claro. – ele completou, ainda um certo toque de malícia, depois riu levemente – Agatha seria um grande trunfo para nossas forças. Ela te contou, Aidan, como controlou com uma destreza quase perfeita e um controle muito avançado para alguém com nenhuma experiência ou instrução como ela, os seus poderes durante os cinco dias do Wayeb?

De repente senti Aidan enrijecer, seus ombros tornaram-se tensos, e ele estreitou os olhos castanhos, seu estado de espírito havia mudado... e muito.

Lucius sorriu novamente para nós dois, aguardando por nossa resposta, mas foi Aidan quem respondeu.

- Não, ela não me contou. – senti a tensão até mesmo em sua voz, ele estava esforçando-se muito para se controlar. Franzi o cenho e decidi que perguntaria sobre seu comportamento estranho quando Lucius mencionou meus poderes.

- Isso é uma pena – disse ele, sacudindo a cabeça –, Agatha tem muito potencial, e espero que você esteja pensando seriamente em minha proposta.

Assenti, relembrando-me de que ainda devia uma resposta a ele, sobre o ritual para remover meu selo, ritual que seria realizado por Solomon O’Grady. Só não sabia se Aidan estava a par de tudo. Precisaria confessar tudo a ele, futuramente, principalmente se optasse por passar pelo ritual e despertar minhas habilidades latentes e suprimidas pelo selo.

Aidan nada disse, apenas permaneceu imerso em seus próprios pensamentos, que infelizmente encontravam-se longe de mim.

Quando deixamos a sala de Lucius, Aidan acompanhou-me até meu quarto. Por mais incrível que possa parecer, a noite já havia caído. E eu percebi, com desânimo, que não tinha visto Christian perambulando pela mansão o dia todo.

Não sei por que estava me sentindo daquela maneira... Culpada por seu sumiço. Quando estava óbvio que ele estava tentando evitar um confronto com o irmão, e também, tentando clarear os pensamentos.

Deitei-me sobre o colchão macio, nem um pouco disposta a dormir ainda. Lembrei-me de terminar um livro que peguei emprestado na biblioteca da mansão, de título “Seda”, do autor italiano Alessando Baricco.

Aidan manteve-se ao meu lado durante todo o tempo, afagando meus cabelos, deslizando seus dedos por meus braços desnudos, sempre em silêncio, sempre me observando, minuciosamente, captando cada respiração minha, cada farfalhar das páginas do livro em minhas mãos.

Até que eu não consegui mais adiar nossa tão “temida” conversa. Fechei o livro, e fitei-o, enquanto seus dedos ainda se enrolavam nas mechas de meus cabelos.

Toquei sua face, observando enquanto ele cerrava os olhos, cedendo aos meus toques. Tomei fôlego, sabendo que não seria nada, nada fácil, muito menos agradável, mas tinha opção?

- Aidan, por que reagiu daquela forma quando Lucius mencionou sobre meus poderes?

Os olhos castanhos revelaram-se novamente, e fugiram dos meus, enquanto ele afastava-se de mim, deixando-me desolada.

- Agatha, diga-me que não aceitará a proposta dele. – pediu-me ele, as feições do rosto endurecidas e tensas.

Escancarei os lábios, tentando dizer algo a ele, mas nenhum som foi produzido. Eu o encarava, incrédula. Baixei os olhos, entendendo perfeitamente o que passava ali.

- Você não aprova a idéia de que eu desperte meus poderes... Você não quer que eu me torne como eles. – murmurei, com um certo toque de amargura na voz, como pude ser tão tola? Tão... cega.

Aidan tornou a encarar-me no mesmo instante, aproximando-se novamente de meu corpo, sustentando meu olhar até o dele.

- Você não entendeu. – sussurrou ele, os olhos semicerrados, os lábios comprimidos, a voz tensa e séria.

- O que eu não entendi? – repeti, exaltando-me um pouco – Que você não me quer como uma deles? Que não aceita o fato dessa ser a minha origem?

Sacudi a cabeça, incrédula – e um pouco irritada. Agora as peças começavam a se encaixar.

- Desde o principio você nunca aceitou minha origem, não é mesmo? Desde que descobriu o selo em meu ombro você...

Aidan interrompeu-me, silenciando meus lábios com seus dedos, deixando-me completamente aturdida. Mesmo assim, sua voz permanecia tensa, controlada demais.

- Por que você sempre faz esse tipo de suposição a meu respeito? – ele sacudiu a cabeça, parecendo-me extremamente ofendido – Não é nada disso...

- Então o que há de errado com meus poderes? Melhor – corrijo-me, espalmando as mãos –, o que há de errado com a minha ancestralidade?

- Não há absolutamente nada de errado com a sua origem, Agatha. Muito pelo contrário – ele riu sem humor algum – sempre considerei os seus semelhantes como uma raça guerreira e destemida. A força que corre nas suas veias é algo que eu sempre admirei, e sempre vou admirar.

Crispei os lábios, não importa o quanto eu quisesse pôr um ponto final naquele assunto, aquela sensação estranha que eu estivera sentindo desde a manhã ainda me incomodava.

- Mas isso não muda nada, não é? Você ainda me quer na minha forma... mais frágil. Na minha forma humana. E eu não posso parar de achar que isso se deve ao fato de que você se apaixonou por mim antes de descobrir a minha verdadeira origem.

- Agatha – ele começou, pausou, trincou os dentes e obrigou-se a continuar – não, é verdade que meus sentimentos por você já existiam, mesmo antes de saber sobre o selo, ou que você pertencia à raça que combati e aprendi a odiar e respeitar durante um século e meio.

Vendo minha tristeza, ele exigiu minha atenção novamente.

- Mas é verdade que também passei a te admirar ainda mais, quando conheci a sua verdadeira origem, e aceitei que esse era o meu destino, que estávamos ligados um ao outro por algo muito mais forte e puro do que séculos de perseguição e dor.

- Então por que você não me aceita como eu sou? Você... Você mal suportava a idéia de me ver aqui, em Ephemera, junto dos meus semelhantes, eu sei disso porque um Devorador de Almas me mostrou a sua conversa com Michael naquela noite na escola.

- Agatha, não é uma questão de eu não aceitar quem você é, tem a ver com não aceitar o fato de envolvê-la nessa guerra. Por que você não compreende que é a coisa mais importante para mim? Que se te perdesse para essa guerra, eu provavelmente enlouqueceria...

Inclinei-me na sua direção, disposta a levar essa discussão até o fim. Precisava convencê-lo de que seria o melhor para mim.

- Aidan, não importa o quão avesso a essa idéia você seja, eles são o meu povo, são minha família, de certa forma, e precisam da minha ajuda.

Ele desviou os olhos, parecia não estar disposto a ceder. Mas seria tão repulsiva assim a idéia de que eu me tornasse uma deles? De que sentisse a necessidade de protegê-los?

Se for a única forma de ajudá-los, como ele poderia me negar algo assim? Aidan demonstrava naquele momento, um lado seu que eu ainda não havia conhecido, um lado tão... egoísta.

Cerrando os olhos com força e trincando os dentes, ele baixou sua face, não me permitindo mais decifrar quais tipos de sentimentos estavam sendo expostos ali.

- Por favor,... – sussurrei – deixe-me fazer isso. Deixe-me ajudá-los, se esta for a minha decisão, não faça nada para me impedir.

- Não, Agatha – ele murmurou, definitivamente pondo fim à discussão. – Estabelecerei algumas condições a partir de agora, e conversarei com Lucius, você não será submetida ao ritual. Eu mesmo vou me certificar de que isso não aconteça.

Encarei-o, pasmada, a irritação dominava-me naquele momento. Aidan mostrava-se inflexível e teimoso. Franzi o cenho, tentando refrear minha raiva, mas ela era como uma chama ao sol. Queimava devastadoramente e incontrolavelmente.

Respirei fundo, contando mentalmente até dez. Fazia tempo que eu não tinha um ataque, não explodia daquela forma, talvez fosse até bom.

Encolhi-me na cama, abraçando meus joelhos, olhando fixamente... para o nada. Por que ele tinha que ser tão teimoso e egoísta? E mesmo assim, mesmo com toda a raiva que estava sentindo naquele momento, não consegui repeli-lo quando ele envolveu-me com seus braços, abafando um pequeno riso em meu cabelo.

- Desculpe, não queria irritá-la dessa forma, mas gostaria que você também fosse um pouquinho mais compreensiva com minhas motivações.

Ignorei-o, não lhe respondendo absolutamente nada. Eu o deixaria no vácuo, suspenso, seria um bom castigo.

- Agatha, por que sempre tem que discordar do que eu quero para você? E acredite em mim, o que desejo é apenas o melhor para você. Claro que você deve achar excitante o fato de tanto poder estar suprimido dentro de você, tantas pessoas que você poderia ajudar, salvar, mas não há nada de glorioso ou bonito na guerra que você quer se meter. Eu vi o que a guerra é capaz de fazer às pessoas, eu mesmo fui o maior exemplo de suas conseqüências.

Ele beijou meus cabelos, apertando-me mais contra o seu corpo, àquela altura eu já não estava tão zangada com ele. Ainda não tinha parado para pensar por esse ângulo.

- Eu só quero que você seja feliz, que você tenha uma vida completamente segura e longe de tanta violência e horror. Você é tão pura, tão inocente, que se eu a visse corrompida pela guerra, simplesmente não suportaria. E mesmo que suas intenções sejam boas, no lugar para o qual você quer ir, não há esperança, não há amanhã, há apenas a matança e o sangue. É exatamente por isso que estou me esforçando tanto para mantê-la longe desse conflito, ajudando Lucius a pôr um fim de uma vez por todas em tantos séculos de dor e perdas para o seu povo.

Talvez Aidan estivesse certo. Eu estava tão entusiasmada com a idéia de poder proteger aqueles a quem amava com meus poderes, que não havia parado para pensar no que a guerra poderia mudar, no que ela poderia causar em mim.

De fato eu não havia visto nada dela. Mas Aidan... Aidan havia, e a guerra fizera dele um monstro por tantos anos. Um monstro capaz de trair o próprio irmão, sangue do seu sangue.

- O que eu vi na guerra foi capaz de me tornar uma fera sanguinolenta e incontrolável. Transformou-me no mais repugnante dos seres... – continuou ele, e eu envolvi-o com meus braços, pousando minha face em seu peito, ouvindo seus batimentos lentos e compassados.

- Christian me contou sobre a noite em que sua fazenda pegou fogo, durante a guerra civil. E que aquilo o transformou da água para o vinho.

Ele inspirou profundamente, afagando minhas costas delicadamente.

- Ele está certo, o que vi naquela noite me marcou para sempre.

- E o que exatamente você viu?

- O próprio inferno. – murmurou ele, enrijecendo de repente, seus braços estreitando-se ao meu redor.

Decidi encerrar esse assunto, não queria afastá-lo ainda mais de mim. Então fechei os olhos e aguardei que aquele dia cansativo e atribulado tivesse o mais depressa possível o seu desfecho.

E com Aidan ainda mexendo nos meus cabelos, eu adormeci. Deixando a realidade e mergulhando de cabeça na dimensão dos sonhos. E sonhei apenas uma vez, mas este único sonho foi capaz de me fazer ter um sono agitado.

Em meu sonho, eu estava em um corredor escuro e estreito. Havia água sob meus pés, e eu tremia de frio. Porém o mais estranho era a longa e interminável fileira de espelhos que se desenrolava a minha frente. E desses espelhos emanava uma luz própria, uma luz que iluminava meu caminho estreito e infindável.

Todos eles refletiam-me de corpo inteiro, e em todos eles eu continha a mesma expressão melancólica e confusa. Conforme o tempo se arrastava, eu ousei caminhar por aquele longo corredor, arrastando meus pés sobre a água gelada.

Mas fui obrigada a me deter em meu trajeto quando o primeiro espelho trincou, uma fenda enorme foi aberta, desfigurando meu reflexo. Em seguida todos os espelhos trincavam, sem que força alguma agisse sobre eles.

Era apavorante.

Não restara um único espelho intacto no longo corredor; nenhum. E todos eles refletiam a mesma coisa, por mais absurda que fosse parecer, um eu meu sombrio e que gargalhava incessantemente, sua gargalhada maléfica ecoava por todo o corredor, machucando meus ouvidos.

Levei as mãos até os ouvidos, tapando-os, mas só me desesperei realmente quando a água sob meus pés transformou-se em sangue, o mesmo sangue brilhante e grosso que escorria dos espelhos trincados.

Eu queria poder gritar, mas minha voz não saia, minha garganta arranhada não produzia som algum, e agora o sangue empoçava em mim, ameaçando cobrir-me por inteira e soterrar-me...

Despertei, sobressaltada e ofegante, o coração espremido contra o peito. Só um sonho, disse a mim mesma, apenas um sonho, e estava prestes a desabar no colchão novamente, quando dei por falta de alguém.

- Aidan? – chamei-o, minhas mãos instintivamente apalpavam o colchão, mas estava frio, ele não estava mais ali há muito tempo. Como havia perdido o sono, decidi que não mais permaneceria ali. As lembranças do sonho ainda eram reais e nítidas demais, pareciam ter sido gravadas em meu cérebro.

Calcei os sapatos e deixei o silêncio de meu quarto, apenas para adentrar em um silêncio ainda mais mortal, um que envolvia toda a mansão, como uma bolha impenetrável.

Cruzei o corredor, disposta a procurá-lo por toda a mansão. Mas só havia um único lugar em que ele poderia estar, e logo me encaminhei para o escritório de Lucius. Cruzei os braços, e ouvi alguns baixos murmúrios, ao longe, eles escapavam através da pequena fresta, deixada pela porta levemente recostada.

Porém, eu estaquei assim que ouvi a suposta voz sussurrar meu nome. Meus punhos cerraram-se por reflexo e meu coração acelerou. Eu sabia que o que estava prestes a fazer era errado, mas mesmo assim, aquele instinto estranho ainda me guiava até a pequena fresta. Aquela sensação estranha puxava-me para lá, como um campo magnético invisível.

E tão logo eu plantei meus ouvidos na porta, esperançando ouvir algo que fizesse mais sentindo, reconheci, com choque, que a voz era de Aidan. E que ele conversava sobre mim com alguém...

Alguém não, corrigi-me, Lucius, constatei ao ouvir sua voz de anjo reverberar pelas quatro paredes da sala, até permear a pequena fresta e chegar até meus ouvidos. Acalmei meus batimentos e concentrei-me no que eles falavam.

- Aidan, isso não é certo, uma hora ou outra, ela acabará descobrindo, não há escapatória. O correto é você dizer a verdade, se ela o ama, com certeza o perdoará.

Essa era a voz de Lucius, mas Aidan devia contar-me sobre o quê? Aidan parecia-me completamente seguro ao respondê-lo:

- Você não entende, eu não posso correr esse risco. Não posso contar nada a ela, não posso perdê-la dessa forma, Lucius, eu não... suportaria olhá-la nos olhos e ver a acusação, ver a sua confiança traída.

Lucius suspirou alto demais, longos segundos passou-se antes que ele se pronunciasse novamente.

- Aidan, a mentira não é algo bom para se ter em um relacionamento. Se você a ama, deve ser franco, deve contar toda a verdade, Agatha é uma boa menina, tenho plena certeza de que compreenderá seus motivos e os motivos que teve o pai dela...

Levei a mão aos lábios diante da apunhalada que recebi, meu corpo estava frio, de uma forma estranha, minhas mãos tremiam e meus olhos ardiam.

E mesmo que meu desejo fosse o de sair correndo dali o mais depressa possível, desaparecer por entre os corredores, eu não conseguia, eu havia petrificado ali, porque aquele instinto ainda me alertava de que não havia acabado, de que eu precisava ficar, mesmo a contragosto.

Pelo som da cadeira sendo arrastada, parecia que alguém havia se levantado e agora transitava pelo escritório, o som de seus passos eram abafados pelo carpete persa.

- Continuo achando, Aidan, que a verdade ainda é indispensável. Pense bem, se você pretende construir uma vida ao lado dela, todo um futuro, não é certo que continue enganando-a desta maneira.

- Não quero fazê-la sofrer. – retrucou Aidan, parecendo-me extremamente tenso.

- Não se trata apenas da felicidade dela, Aidan, meu Deus – Lucius exclamou, suspirando pesadamente –, eu simplesmente não acredito que isso tenha realmente acontecido. É difícil imaginar que Henry tenha tomado uma decisão como essa.

- Ele as amava, mais do que qualquer outra coisa, primeiramente. Acho que esse amor incondicional o levou a fazer esse sacrifício. – Aidan rebateu mais uma vez, sua voz quase sem vida naquele instante.

Àquela altura, as lágrimas já rolavam por minha face, descendo quentes e salgadas até meus lábios, minha garganta estava apertada, como se houvesse um bolo entalado nela, um que não se dissolveria tão cedo.

- É difícil aceitar, tantos anos imaginei o que pudesse ter acontecido em San Diego, e agora me deparo com uma situação dessas... Se não fosse por você, Aidan, jamais teria descoberto o que de fato houve naquela noite.

Lucius caminhou novamente pelo escritório, em seguida houve outra movimentação, e ele sentou-se novamente, arrastando a cadeira consigo.

- Ainda assim – recomeçou ele, mais recomposto – acredito que Agatha deva saber a verdade sobre o que houve entre você e o pai dela naquela noite. Ela merece saber a decisão que o pai tomou, e principalmente deve saber sobre o sacrifício que ele fez por ela e pela mãe...

Não fui capaz de me conter mais, simplesmente espalmei minhas mãos na porta semi-aberta, escancarando-a, os olhos transbordando lágrimas, o coração retumbando violentamente no peito, completamente sem fôlego, avancei, trôpega, até Lucius e Aidan.

E assim que viu meu estado, ele levantou-se em um movimento abrupto da cadeira, os olhos arregalados e apavorados por constatarem que eu havia ouvido tudo, ou pelo menos o suficiente.

Eu tremia tanto que mal conseguia permanecer de pé, e mesmo com a vista embaçada, reconheci o mesmo pânico nos olhos azul turquesa de Lucius, assim que me viu ali também, plantada, aos prantos, e desesperada.

Mesmo assim, minha atenção estava totalmente direcionada a Aidan, a sua expressão de choque e pavor. Eu arfava, tentando fazer com o que o oxigênio chegasse até meus pulmões, mas que diferença fazia se eu morresse ali e agora? Não faria nenhuma.

Crispei os lábios, enxugando as lágrimas na manga da blusa, trinquei os dentes e apertei os olhos, deixando que aquela sensação – que se provou verdadeira – falasse por mim, comandasse meu corpo, pensasse por mim, colocasse as tão temidas palavras na ponta de minha língua, para que eu as proferisse com amargura e fúria.

- Diga-me a verdade! – exigi, cuspindo através dos dentes trincados, meus músculos enrijeciam pela fúria que dominava meu corpo naquele momento, e Aidan baixou os olhos, cerrando-os.

Não consegui refrear meu desejo insano de estapeá-lo, simplesmente avancei até ele, ainda trêmula, e o esbofeteei na face, sentindo a palma de minha mão latejar pelo golpe. Aidan nada fez, nada disse, apenas permitiu que eu descontasse minha fúria nele, como se ele a merecesse, como se ele quisesse que eu o acusasse.

Ele nem mesmo tentaria se defender.

- Diga-me a verdade, agora! – esbravejei, sendo consumida e corroída por minha raiva e por meu ultraje.

Lucius encarava a nós dois, pasmo, os olhos arregalados, os lábios escancarados. Eu ainda chorava, mas só agora, meu corpo inteiro irrompia em espasmos violentos, sacudindo-me por inteira, e eu não pude mais lutar contra aquele desespero, simplesmente me apoiei na parede, tonta, deixando que as lágrimas rolassem por meu rosto aflito e desolado.

- Você mentiu para mim... – sussurrei, sentindo o nó na garganta se atenuar, até quase me sufocar. – Todo esse tempo, você mentiu... Você mentiu...

Só então Aidan sustentou seu olhar, uma vermelhidão incomum alastrava-se por seu rosto, no exato local onde eu o havia esbofeteado.

- Deixe-nos a sós, Lucius... – pediu ele, calmamente, a voz tingida por uma tristeza imensurável, mas que não me comoveu nem um pouco, porque tudo em mim se resumia a ódio e ressentimento.

Lucius assentiu, tocou o ombro dele de leve, passando por minha figura chorosa e prestes a desmaiar. Fechou a porta, e então estávamos sós...

Levei as mãos aos lábios novamente, abafando meus soluços e gemidos, desejando que tudo aquilo não passasse de um terrível engano, que eu havia entendido mal, que não era verdade, que aquilo que eu estava pensando não havia acontecido.

- Você quer a verdade, Agatha? – começou ele, o rosto impassível e frio, como quem trata de simples negócios – Muito bem, então, você a terá...

E depois, todo o mundo desabava sobre mim, soterrando-me embaixo de metros e mais metros de escombros, sufocando-me com suas mentiras e com suas enganações.

Levando-me a desejar a morte naquele exato momento... Desejando que eu jamais tivesse conhecido o monstro que agora está bem diante de mim, encarando-me com seus olhos repletos de mentiras e mais mentiras. O monstro, que inegavelmente, eu amava. O monstro que roubou algo valiosíssimo e insubstituível de mim, meu próprio pai.


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Notas finais do capítulo

O.O OMG! Quê que foi isso? Aidan envolvido na morte do pai da Agatha? Ahhhhhhhh! Tô tão passada quanto vocês... kkkkkkkkk'

Mentirinha, eu já sabia disso desde o começo! Hahahahaha!! Eu disse que ia aprontar e olha só o que eu fiz??? *eu sou má*


Mas e agora? O que será que realmente aconteceu naquela noite em que o pai da Agatha desapareceu? No próximo capítulo, teremos tudo revelado, tim-tim por tim-tim! Parece até coisa de novela, né?? kkkkkkkkk'


Brincadeirinha... Enfim, grandes mudanças estão a caminho! Preparem-se!


Queria agradecer a Lehgatinha716 por recomendar a Saga! Valeu mesmo!!! Eu fico muito grata!


E se tiver qualquer errinho tosco, perdoem-me, não tive tempo de revisar, mas assim que sobrer um tempinho, eu reviso o cap. e arrumo!


Até o próximo e tenso capítulo!


Beijinhos!!!!