- Zac, por quê?

Aquelas palavras se sobrepunham aos seus pensamentos. A garota fechava os olhos tentando descansar. Aquelas palavras. De novo aquela sensação. Seus olhos submergindo em lágrimas; sua boca com um gosto salgado; seu coração encolhendo e expandindo dentro de seu próprio limite; suas pernas bambeando. É a segunda vez que a vejo morrer. Ele não aguentava mais aquilo.

Por fim, a garota tornou a cabeça para onde Zachary e Natalie estavam. Ele recuou, inutilmente, porque ela não poderia vê-los.

- Por que... - e parou para encará-la - por que ela olha pra cá?

- Não sei - respondeu Natalie, que agora fitava uma pequena ampulheta que carregava.

Zac agora se ajoelhou, enquanto se observava saindo cruzando os becos assustado, olhando para trás algumas vezes. Ele se lembrava de como se sentiu como se fosse ontem.

Tentou acariciar mais uma vez o rosto da garota, mas acabou percebendo que sua mão atravessava o seu corpo. Ele chorou.

- Eu ainda te amo, sabe? - murmurava - A gente vai ficar junto um dia.

Natalie se incomodou. Parecia que alguma coisa naquela frase não lhe inspirava confiança. Ele mal sabe que...

- Hei - chamou - quem é aquele cara? - fez Zac, interrompendo os pensamentos dela.

O homem em questão estava caminhando em sua direção, com um olhar apertado e um rosto jovem, o careca caminhava em passos largos, agora exibindo um grande revólver que acabara de tirar de seu bolso. Sua pele negra, seu braços marcados, duas asas branquíssimas que terminavam de se retrair. Vejam só, ela trouxe um amiguinho. Pensou em voz alta.

O inglês assustou-se, apressando-se em ficar próximo de Natalie, disse ao meio:

- Quem é ele?

Ela continuava a encará-lo. Ele se aproximava. Zac surtava.

- QUEM É ELE, MERDA? - apelava.

- Feche os olhos.

- MAS O QUE?

- Agora.

Foi como uma ordem. De repente Zachary sentiu como se seu estômago estivesse sugando o resto de seu corpo. Como se seus membros estivessem mergulhados em um grande turbilhão. Ele não conseguia ver Natalie no meio de tudo aquilo. Ele não conseguia ver nada no meio de tudo aquilo.

Sua cabeça estava uma confusão. Pensamentos simultâneos. A sua namorada, o homem estranho, porque ela olhou para eles…

Então tudo ficou branco, silencioso, o corpo do britânico já havia se rearranjado.

- Natalie? - a voz do moreno funcionou como um martelo. Martelo este que quebrara aquele campo alvo, tirando a gravidade que o sustentava em levitação, revelando um local inóspito, trazendo de volta um barulho gelado de vento. Natalie estava ali, no meio. Zachary caiu.

- Que lugar é esse? - se contorcia de dor enquanto se levantava.

Não havia nada ali, só gelo, gelo, e mais gelo. Aquela imensidão branca parecia não ter fim. Um pouco mais a frente, devagar, um objeto reluzente subia, a cada segundo revelando-se cada vez maior.

- Isso é...

- Uma pirâmide - completou a loira.

Por fim, o grande monumento se levantara por completo. Tinha alguns trinta e poucos metros e era visivelmente feito de ouro. Havia desenhos minúsculos espalhados pela sua superfície, e um pouco mais abaixo, no lado norte em específico, havia um pequeno portal, com uma porta de madeira envelhecida, cuja qual a garota se direcionava a essa hora.

- Quem era aquele cara? - disse ele acompanhando-a.

- Era um decaído - respondeu finalmente.

- Isso eu percebi, mas - agora este se jogou a frente dela - o que ele queria com aquele revólver.

A mulher parou. Encarou-o nos olhos e disse sem titubear:

- Matar você - e desviou-se do rapaz ensaiando um sorriso.

- ME matar? O que você quer dizer com isso? - ele insistia, enquanto Natalie continuava seu percurso - Não era VOCÊ quem tinha que fazer isso?

Natalie suspirou. Ela não queria ter que fazer o que estava fazendo. E poderia cancelar tudo aquilo com um simples estalar de dedos. Mas não. Aquilo era necessário. Isso precisa acabar. Ela repetia pra si mesma.

- Acontece que se ele te matar duas coisas acontecem.

Zac tentou indagar-lhe mais uma vez, porém julgou mais correto ouvi-la.

- Ele irá adicionar mais sete anos a sua expectativa de vida - e passou a fitá-lo - e se...

A garota recuava. Ele não pode escolher assim.

- "E se" o que?

- Bem, se eu for a sua ceifeira, você irá para o purgatório, e não sofrerá, nem será feliz.

Ele achou justo, visto o fato que ele pode controlar o espaço-tempo por sete dias. Porém algo despertava sua curiosidade.

- Qual é a segunda coisa que acontece - e parou para respirar - se ele me matar?

- Você será condenado ao inferno.

O rapaz temia ouvir aquilo. Por um instante ele levou a mão ao coração, tentando disfarçar a sua aceleração instantânea. Sua boca salivava sem parar. Ele tinha medo.

A garota parou debaixo ao portal. A porta havia um pequeno pergaminho junto a maçaneta, meio amarelado pelo tempo, que Zac se esforçou em observar.

Não encare o ceifeiro vermelho.

- Não encare o...

- NÃO DIGA EM VOZ ALTA - a garota o interrompeu a tempo.

O outro começou a sussurrar:

- O que tem aí dentro? - inclinou-se para os ouvidos da loira.

- O único modo de você continuar vivo.

Zachary voltou sua posição normal. Arqueou as sobrancelhas. O que ela quer dizer com isso. Sua mente latejava.

- Você vai matar aquele cara?

- Não - e voltou suas orbes aos olhos dele - vou te transformar num decaído.

O rapaz deu um passo para trás. Suas pernas tremiam mais uma vez. Aquilo já estava se tornando comum para ele. O medo. Então passou a encarar um vidrinho em forma de "8" que a americana carregava, a areia já havia se alocada toda na parte debaixo. Não havia como voltar atrás. O último grão relutante se jogou neste momento. Hora de virar a ampulheta.