Gato Preto escrita por Lilly


Capítulo 2
Uma Gata - Capítulo 2




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Ela ouviu sirenes. Particularmente detestava esse tipo de som, o som de sirenes. Lembrava-lhe coisas que preferia esquecer, coisas que ela, sendo uma gata, não conseguia entender por que sua memória que deveria ser tão curta ainda não tinha apagado.

Viu da janela do quarto um garoto pular seu portão, foi direto até a única janela que ela tinha deixado aberta para o ar circular... "Talvez seja o destino... O destino dele é se encontrar com uma criatura simplesmente tão maravilhosa... É um destino invejável", pensou pegando a vela que iluminava tão pouco de seu quarto para ir até ele.

Quando parou em frente a ele percebeu nitidamente as mudanças no garoto. Seu coração tinha disparado, o rosto tinha perdido um pouco a cor, os músculos estavam rígidos. Foi uma reação desagradável, mas ela realmente não esperava por menos, nem todos estavam aptos a estar na presença de criatura tão fabulosa.

_Ora essa... Tenho visita. Isso é uma notícia muito... Deliciosa - ela sorria enquanto falava, sentia que devia fazê-lo. Tinha algo de muito bom naquela pessoa. Devia ser... Saltou para perto. Isso. Cheiro de comida - Você é bonito e cheiroso... Acho que vou gostar de você.

Ele não parecia estar entendendo nada. E ela nem se preocupava com a ideia de dar sentido a algo, tinha gostado daquele humano, algo nele parecia muito certo, e isso era tudo o que importava.

Por isso agiu daquela forma. Nunca antes deixaria um desconhecido sequer pensar em lhe dar um nome. Nunca teria permitido que um desconhecido ficasse em sua casa. Nunca permitiria que um desconhecido lhe tocasse. Nunca, nunca, nunca. E aquela pessoa, que burlara suas regras por conta de uma simples sensação que causara em sua primeira impressão, ainda estava lá no dia seguinte, não tinha fugido dela. Sim, ela devia estar certa desde o começo, o destino o levara até lá.

Quando resolveu se levantar do sofá após a breve conversa que tivera com o humano Christian notou o estado em que ele se encontrava - e não se agradou nem um pouco com aquilo. Apesar de ter a pele negra e elegante, tal como o maravilhoso pelo que Cherie cultivava, ele usava roupas batidas e sujas, seu rosto era um pouco mais magro do que ela considerava saudável e ela podia ver sobre a pele vários arranhões, e ver ferimentos sempre lhe causou imenso desconforto.

_Você... - ele começou em voz baixa, pigarreou e continuou deixando a voz sair mais claramente - alguma coisa está te incomodando?

_Você está feio - jogou a frase sobre ele sem remorso algum. Ele parou. Analisou as próprias mãos e pernas, pondo-as um tanto à frente de si. Foi a primeira vez em muito tempo que parara para pensar em si mesmo.

_Tem razão... - Murmurou um pouco mais surpreso do que planejava. - Tem um lugar para eu tomar banho?

_Tem.

Ele aguardou, mas ela não parecia ter a intenção de lhe dizer onde era. Num suspirou, levantou-se e foi explorar a casa, agora que estava clara era o melhor momento para fazê-lo. Cherie o seguiu.

Logo descobriu que o térreo era composto por uma sala de estar, cozinha, um pequeno lavatório e sala de jantar. Subiu as escadas espiraladas. O primeiro andar era composto por três quartos, a suíte, claramente o quarto onde Cherie dormia, outro usado como escritório, o terceiro como uma biblioteca. Subiu o último lance. O segundo andar era feito de um banheiro grande e o restante do espaço aberto, feito de uma espécie de atelier. A casa toda era feita de madeira, cada cômodo, menos os banheiros, era preenchido por um papel de parede floral diferente do outro, todos os móveis eram antigos em estilo tradicional e poeira em conjunto com teias de aranha era com certeza o que mais se via.

_Algum problema se eu usar esse banheiro? - se referia ao do segundo andar. Ela deu de ombros e murmurou, descendo as escadas.

_A tranca não funciona.

Ele não deu muita importância ao fato. Só queria saber se água saia do chuveiro, mesmo se fosse fria serviria. Sim, saía água - e água quente. Uma das poucas surpresas agradáveis que teve por aqueles dias.

Cherie ficou fora de vista por todo o tempo que tomava banho - gatos não gostam de água, afinal. Ele viu sangue e sujeira escorrer pelo seu corpo e chegar ao ralo, uma visão um tanto mais desagradável do que esperava. Os ferimentos espalhados por todo o seu corpo faziam a pele arder, um arrepio visível se espalhara por seu corpo ao lembrar a forma como foram adquiridos - algo que logo que desligou a água do chuveiro fez questão de deixar de lado.

Uma toalha preta estava sobre a pia do banheiro, tal como roupas que ele desconhecia. Suas roupas, logo constatou, tinham desaparecido - Cherie as tinhas substituído sem que notasse sua presença em momento algum.

O que ela deixou ali para que ele vestisse se tratava de um antiquado terno branco e uma brilhante gravata preta, acompanhada de um par de sapatos igualmente pretos ainda mais brilhantes. Um conjunto que jamais diria ser em alguma coisa adequado a si, mas ainda assim, vestiu cuidadosamente cada uma das peças. Assim que se viu vestido e pôde mais uma vez constatar - dessa vez com a ajuda de um espelho - que aquela roupa não se parecia com ele, pôs-se a vagar pela casa em busca da gata.

Ela estava enfiada em seu quarto, no escuro, enrolada em cobertas completamente desnecessárias. Abriu os olhos para conferir quem entrava. Se esticou, sem a menor intenção de levantar.

_Melhor - grunhiu, lhe dando as costas para voltar a seu cochilo.

_De onde apareceram essas roupas? - questionou desconfiado.

_Hdihg - algo impossível de ser compreendido saiu da boca da felina, que não conseguia se colocar em nenhum humor diferente de irritação por estar tendo seu sono atrapalhado. Ele deu de ombros, ao que a felina mentalmente agradeceu, não queria mais incômodos. Precisava dormir. Sempre precisava dormir.

Se mexeu desconfortável. Havia algo errado, ela não tinha entrado no sonho usual. A começar, o cenário era diferente. Enquanto quase todos os seus sonhos se passavam num campo florido, aquele estava acontecendo numa sala cinzenta e fechada, sem portas nas paredes, e janelas altas, com grades. Deu um salto em direção a uma das janelas, caíra antes da metade do caminho.

–Confusa, muito confusa - murmurou a si mesma.

Uma borboleta entrou por entre as grandes, Cherie sentiu que ela batia as asas mais devagar do que as outras borboletas. Acompanhou-a com o olhar, se preparando para o momento em que poderia dar o bote. Para sua extrema frustração, novamente seu salto não chegou em nem metade do caminho e a borboleta agora ia cada vez mais alto.

Ouviu passos vindo de cima, ao que olhou, notou que uma pequena porta estava ali, o que explicava bem como tinha ido parar lá dentro. Com um rangido desagradável a porta se abriu, dando visão a um rosto magro, com um bigode grosso e sobrancelhas arqueadas. O homem tinha as mãos de dedos longos segurando cuidadosamente as beiradas da abertura e um sorriso infantil tomava seus lábios, cujos dentes muito brancos eram também levemente separados - o que imediatamente a incomodou.

_Quebrou a pata, minha querida? - ele perguntou em tom amável. Ela sentiu naquele mesmo momento uma pontada de dor, e apenas com um grunhido respondeu que sim, a pata estava machucada. - Assim a gata malvada não consegue sair da prisão - observou sem perder o bom humor. - Daremos um jeito, não é?

Ela abanou a cabeça. Não, não gostava que Ed aparecesse em seus sonhos, não lembrava de em algum momento ter dado a ele esse tipo de permissão. Ed pareceu ter notado que havia nela algum conflito, assim que logo lhe dizia:

_Não se preocupe. Estamos numa... ocasião especial. Não é o tipo de coisa que aconteceria por um motivo qualquer, você deve saber.

Voltou a olhar para ele e deu de ombros. Era uma gata. A última coisa, que uma classe de criatura tão importante faria seria se preocupar com algo como aquele humano, um ser tão egoísta. Abanou o rabo inquieta. Ainda queria aquela borboleta. Seu orgulho não permitiria que aquele inseto lhe passasse para trás.

_Vamos. Você tem que sair daqui - Ed insistiu. - Você sabe que nunca é bom ficar na prisão da rainha. Seja ou não dentro de um sonho.


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