Salto Alto, Batom Vermelho e Cigarros escrita por thaisadam


Capítulo 3
Capítulo 3




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Capítulo 3 - Salto Alto


  O quarto pequeno e desarrumado jamais fora tão sem sal. Não que sua aparência fosse a das melhores, mas a nostalgia carregava o lugar em sua melhor dose. Eu me sentia envolvida naquele ambiente, mas nada tinha a ver com o lugar em si. Eram as minhas sensações, minhas emoções que pareciam distantes.

  As cortinas estavam fechadas, e não havia sinal de ar ali, mas os meus pulmões trabalhavam corretamente aspirando a fumaça dos cigarros. Eu estava sentada na escrivaninha, com folhas rasgadas espalhadas sobre ela e uma caneta nas mãos. Minha mão estava imposta sobre uma folha, anotando algo que eu não conseguia lembrar, a minha mente não estava trabalhando com nitidez. Eu sentia o odor que saía do meu hálito, o copo de whisky estava a minha frente, vazio. Não me recordava de quanto whisky havia bebido, mas eu sentia que estava começando a ficar fora de mim. A perder o foco.

"Eu não quero, não quero, eu não quero, eu quero! EU QUERO. EU QUERO GRITAR. Eu quero a morte, por saber que é eterna e dormente. Não sentir, NÃO SENTIR. Não quero amar, mas amo, eu amo. COMO EU AMO!" - eu escrevia até os papéis furarem contra a caneta. Suspirando. Tremendo. Chorando.

  Levantei, bambeando sobre os saltos, gemendo. Eu sentia dor. Servi-me de mais um copo de whisky barato, e engoli de uma vez só. Fechei os olhos sentindo a realidade brusca sob os meus olhos. O sofrimento real não é tão bonito e nem suportável quanto em um pensamento ilusionista.

  Ouvi uma batida na porta. Hesitei. Andei com dificuldade e abri a porta sem nem ao menos perguntar quem era. Era ele. Mas eu estava entorpecida demais com o álcool para manter as reações que eu teria ao vê-lo. O desespero de nunca sair de perto. De me fundir e esquecer a mim mesma.

    Apoiei minha mão em seu ombro, encarei seus olhos, tentando entender quando eu tinha me deixado cair no abismo deles. Os seus olhos castanhos me olharam confusos, desesperados. Ele pousou suas mãos em minha cintura e me arremessou contra ele. Seus braços me envolveram em um abraço.


- Eu quero seus braços envolta dos meus, sua boca na minha e ouvir os seus sussurros diante dos meus afagos. Seu sorriso ao me olhar, o riso das banalidades e o desdém da sociedade hipócrita. Eu quero você, mas não posso te querer simplesmente porque eu quero. - eu disse com a voz de embriaguez em seu ouvido. - Você precisa ir embora, pra eu ser livre. Eu quero ser livre! - gritei com todo o ar de meus pulmões e o empurrei para longe. Ele estava olhando fixamente para mim, atônito. Com milhares de palavras nos olhos e nenhuma nos lábios. Eu estava seminua, com o cabelo bagunçado, os olhos borrados pelas lágrimas. Alcancei meus cigarros a poucos passos, acendi um e o traguei de forma trêmula. A sensação de excitação corria velozmente nas veias, mas não reconfortava. Era excitação do novo, o medo de continuar naquela direção e ter um fim diferente. Eu não queria ser feliz. A felicidade nunca dura pra sempre, não quero tê-la e vê-la se esvair dos meus dedos. Eu quero buscar e nunca encontrar. Só quero absorver. Absorver tudo e não dar nada em troca. A ninguém.

  Parei diante da janela e afastei um pouco as cortinas para observar o lugar, para depositar nas ruas mal estruturadas as minhas angústias. Elas já tinham por si só as suas, mas eu contribuí para que sua depressão se tornasse mais eficaz e afundasse o bairro em lágrimas de granito. Eu iria parar com meu guarda chuva de mediocridade e rir nas suas costas. Sem remorso. Eu senti meu corpo leve de arrependimentos, de crises de consciência, de futilidades de amor ao próximo, e meu temor pelo certo ou errado se esvaiu. E aquilo tudo de repente me pareceu tão engraçado. Meu sorriso irônico detestado por todos surgiu, com mais veemência do que todas as outras vezes que eu o executei. Minhas unhas roçaram meus lábios, encostando um pouco abaixo do queixo. Traguei o cigarro uma última vez antes de jogar o que restou pela janela, virar para trás e olhar para ele com meu corpo repleto de ondas de graça e dor. Era tão engraçado que eu mal podia me controlar. A minha gargalhada iniciou de forma até sutil, mas pouco tempo se manteve assim, soando cada vez mais histérica.  Ele me encarava de forma inocente, tentando me entender, entender minhas palavras, minha postura. "O que quer dizer tudo isso?"
 Estava escrito no seu olhar, junto com as outras frases. Tentou se aproximar, mas a minha gargalhada sem humor o afastou e o espanto tomou sua expressão.

- O que está acontecendo? - ele perguntou gentilmente. Baixinho, num sussurro. Ele pronunciou aquilo com sua voz repleta de doçura, amor.

- O que está acontecendo? O QUE ESTÁ ACONTECENDO? - eu gritei. Perdi totalmente o controle sobre minhas ações e tudo que eu queria era não saber o que eu estava fazendo. Corri em direção à escrivaninha e joguei tudo que estava lá, com força no chão. O copo quebrou junto a garrafa com um barulho alto. As folhas voaram, enquanto o cinzeiro atravessava a janela. As minhas mãos nervosas buscaram meu corpo, impactando com força, arranhando. A cama estava próxima a mim, os lençóis bagunçados, revirados. Me joguei na cama com força, gargalhando sem humor, me debatendo, me machucando, chorando. Gritando. Ele se aproximou rapidamente, me imobilizando enquanto eu me debatia contra ele. Ele me prendeu, mas eu ainda tentava me mexer, e ainda gritava quando ele me calou com um beijo. Aquele beijo que me fazia esquecer de todo o resto. Enterrou suas mãos em meus cabelos, aproximando mais seu corpo no meu, tombando sobre mim. Logo suas mãos percorriam o meu corpo e me levaram para fora de mim mais uma vez.

                                                                                                           * * *


Estávamos nus. Ele beijava suavemente a ponta dos meus dedos, e prolongava em cada um deles. Ele me abraçou e encostou sua cabeça na minha. Sussurrou sobre meu ouvido.

- Eu te amo.

- Eu te amo também.

O beijei, tentando extrair tudo que ele tinha a me oferecer para entregar de bandeja às lembranças. Para que houvesse uma razão por toda a dor necessária. Levantei completamente nua e busquei um cigarro entre a bagunça, o acendi com meu típico isqueiro cor de rosa. Olhei pela janela e sorri. Traguei lentamente antes de olhar pra trás e fixar toda minha atenção a ele.

- Vá embora. - eu disse calmamente. Havia somente ironia em minha voz e um sorriso nos lábios. Ele pareceu perturbado, surpreso. Triste.

- Você disse que me amava. - ele disse em voz baixa. Havia lágrimas em seus olhos.

- É exatamente por isso que você tem que ir.

Não olhei uma última vez para ele, nem em uma despedida silenciosa. As lágrimas caíram dos meus olhos sem nenhuma restrição. Mas ao meio de tanta dor, havia o alívio. O alívio de ter acabado antes de começar. Eu estava absolutamente consciente que ele não voltaria. Nunca mais.


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