Procura-se Uma Babá escrita por Kel Costa


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

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A menina subiu as escadas correndo e veio na minha direção como quem procurava abrigo para se proteger de um meteoro. Nem sei o que me levou a ficar parada ali, esperando para abrigá-la sob minhas asas, sabendo que um pai furioso estava prestes a nos alcançar, mas eu fiquei.

— Sofia!

Sabia que aquilo era para ela, mas também fiquei com medo com Edward terminou de subir as escadas, com o rosto mais sério e fechado que eu já o vi exibir. A criança se escondeu atrás de mim e ele parou, encarando-me nervoso.

— Saia daí, Sofia! Não estou brincando. — ele deu a volta em torno do meu corpo e puxou-a pelo braço para tirá-la do esconderijo. — O que deu em você?

— Eu não acho que ela vá falar...

— Isso eu resolvo com ela, Isabella. — ele falou rispidamente sem me olhar, para então parar os olhos nos meus. — Ela deu um copo cheio de álcool para Rosalie tomar. Álcool!

— Ela é criança.

— Exatamente. Criança. Não um selvagem. — ele agachou-se de frente para Sofia, que se mantinha emburrada como uma pedra, sem esboçar nenhum tipo de reação. A menina era dura na queda mesmo. — Nós vamos descer e você vai pedir desculpas. Se não quiser voltar a falar, vai escrever num papel e mostrar a Rosalie.

Tem horas, num trabalho como esse – principalmente ele sendo recente – que a gente deve ficar de boca calada. Bem, esse não foi o meu caso. Eu nem sabia se tinha tantos pontos assim com meu patrão, mas de repente, ao ver a pequena Sofia sendo arrastada degraus abaixo para balançar a bandeira branca na cara da mocréia, uma coragem nasceu dentro de mim e corri para segurar o ombro de Edward.

— Não acha que isso talvez seja traumatizante demais para ela? — engoli em seco ao vê-lo fuzilando-me com os olhos. — Veja bem, não será assim que fará com que ela aceite sua namorada.

— Rosalie não é minha namorada e mesmo que fosse, também não seria dando razão ao ciúme de Sofia, que eu ajudaria na aceitação.

Tudo bem, não foi assim tão ruim. Ele expôs a opinião dele e eu tinha a consciência tranqüila por ter tentado livrar Sofia daquilo. Já ia dando-lhe as costas para ir ao meu quarto, quando meu patrão continuou.

— Além do mais Isabella, creio que você tem parte de culpa nisso tudo. Onde estava durante o jantar?

Oh-oh. Deveria contar a verdade? “Estava olhando para suas pernas (e o centro delas) debaixo da mesa, enquanto sua não-namorada roçava o pé em você”.  Ele não poderia me despedir por ser sincera demais.

— Estava me sentindo um pouco mal, tenho pressão baixa – e lá se vai mais uma mentira para meu histórico – e achei melhor me deitar um pouco. Não pensei que fossem precisar de mim no jantar.

Ele se penalizou, via-se pelo seu olhar que mudou de raivoso para benevolente. Podia até visualizá-lo colocando minha cabeça em seu ombro e alisando minhas costas, com sua voz rouca: “Espero que esteja melhor agora, querida. Se precisar de mim para subir sua pressão, basta chamar”.

— Pois bem, isso não teria acontecido se estivesse com Sofia. — quase me afoguei com o balde de água fria, mas procurei não transparecer. — Agora não importa. Vamos, Sofia.

A pobrezinha ainda virou-se para me olhar, compadecida comigo – ou com raiva por eu não ter sido capaz de salvá-la daquilo – e eles desceram. Covarde e infantil do jeito que eu era, a única coisa que soube fazer, foi me esconder em meu quarto e chorar. Qualquer um que falasse comigo num tom acima do normal, já era motivo para me desfazer em lágrimas feito manteiga derretida. Diversas vezes eu tentei mudar e ser mais forte, mas nunca conseguia e sempre acabava assim, me sentindo um passarinho indefeso num mundo de pessoas cruéis. É, eu sei, sou dramática.

[...]

Levantei da cama sentindo o rosto inchado e os olhos pesados, fundos, algo que sempre acontecia quando eu chorava e afundava a cara no travesseiro. Tinha caído no sono sem sentir e quando olhei o relógio da cabeceira, notei que não havia se passado nem 1 hora depois do incidente.

— Sofia, eu... — abri a porta e parei com a boca ainda aberta, surpresa com a pessoa na minha frente.

— Olá. — a loira tinha uma das mãos na cintura e olhava-me com sarcasmo expresso num sorriso que não mostrava os dentes. — Lamento não ser quem você esperava. Vocês duas fizeram amizade, não é mesmo?

Eu estava um pouco em choque, sem saber o que fazer e tentando descobrir o que levara a biscate a ir falar comigo. Era muita cara de pau dela vir até meu quarto, mexer com quem está quieto. Por fim, depois de processar a imagem por alguns segundos, balancei a cabeça afirmativamente.

— Hum, eu entendo. Pessoas com idade física diferente, mas com idade mental similares, tendem a se entender perfeitamente. É bem comum isso. — a maldita parecia ter martelado minha cabeça e me enterrado na areia. — Mas não foi por isso que vim aqui. Seu círculo de amizade não me interessa. Só vim avisá-la para ficar fora do meu caminho...

— Ou o que? — queria ter tido a mesma confiança que ela usava para falar, mas não entendia o que estava me deixando tão lesada naquele momento. Rezei para que Edward aparecesse e a pegasse no flagra, me ameaçando. Ele a colocaria para fora de casa aos berros, defendendo minha honra.

— Ou eu serei seu pior pesadelo.

Ela piscou. Tipo, simplesmente piscou, como se fôssemos amigas dividindo segredos. Como quis gritar para que Edward viesse vê-la piscando enquanto quase colocava uma arma na minha cabeça. Então, como em um filme, eu juro que ela virou-se para ir embora e seus cabelos esvoaçaram lindamente – e diabolicamente – no meu rosto.

— Rose, o que faz aqui?

Agora sim! Ele finalmente subiu e a encontrou ali, me atacando, me ferindo. Vi que olhou com fúria para ela e com carinho para mim. Olhando atentamente, percebi que estava errada.

— Se perdeu aqui em cima, querida? — todo meloso para cima dela e todo indiferente comigo. Inacreditável!

— Não, não me perdi. Vim ver se Isabella estava bem, já que ela não apareceu para jantar...

O QUE??? Quase me sufoquei com o veneno que estava prestes a cuspir em suas costas. Megera desgraçada! E ele ainda parecia ter acreditado! Meu patrão se desfez em sorrisos, orgulhoso da presença angelical em sua casa.

— É muita consideração de sua parte. Ainda não entendo como Sofia pode ter se comportado tão injustamente contigo... — vomitei internamente quando ele entrelaçou seus dedos nos dela e a puxou para descer. — Sei que não merece esse tratamento, mas prometo que ela é assim com quase todo mundo. Depois passa.

Por que ele estava tendo uma conversa daquele teor com Rosalie? Era algo típico de casal de namorados, não era? Ou de um casal que pretendia engrenar um namoro, pelo menos. De qualquer forma, nenhuma das duas opções era legal.

Depois que sumiram de vista, saí do quarto para procurar por Sofia, a única que poderia me entender naquele momento. Encontrei-a no quarto, cheia de bonecas Barbies ao seu redor. Era fofa vê-la brincando de vesti-las e maquiá-las, me fazia lembrar um pouco minha infância.

— Ei, como foi lá? Você está bem?

Ela balançou a cabeça positivamente e me aproximei para sentar ao seu lado. Não seria má idéia brincar um pouco de boneca e voltar ao mundo dos contos de fadas. Quando procurei por uma Barbie para fingir de minha, notei que tinha uma caída num cantinho. Era loira, mas não tinha os cabelos longos. Eles estavam cortados totalmente desconexos de um modo que parecia ter sido proposital.

— O que aconteceu com essa aqui?

— Nada.

— Foi você quem cortou os cabelos?

— Uhum.

— Entendi... Quer ser cabeleireira quando crescer, né? Eu tinha vontade de ser tinturista.

— Não. Quero ser médica.

— Ah. Então por que cortou os cabelos da boneca?

Sofia tirou a Barbie de minha mão e encarou a pobre boneca pelada e quase careca. Ela virou o pescoço da boneca, assim como a menina do Exorcista e depois o puxou com força, arrancando a cabeça e jogando o corpo no chão.

— É a Rosalie.

Fiquei imóvel olhando para a menina de rosto mimoso e interior diabólico, pensando na melhor forma de conversar com ela. Por fim, levantei, dando um beijo em sua testa antes de sair do quarto.

— Boa menina. Amanhã sairemos para comprar mais Barbies. Loiras.

[...]

Sofia dormia um sono profundo quando comecei a arrumar aquela bagunça que ficara espalhada no chão de seu quarto. A boneca sem cabeça estava caída num canto, com o corpo todo rabiscado de canetinha preta. Finalmente dei um jeito naquilo tudo e guardei a grande caixa de brinquedos no armário.

 — Boa noite, pestinha. — falei baixinho, apesar de saber que ela não me ouviria.   

Eu também estava querendo muito uma cama. Na verdade, primeiro queria um bom banho relaxante e então poder me jogar numa cama e esquecer de alguns acontecimentos do dia. Antes disso, fui até a cozinha fazer um lanchinho rápido, já que eu mal tinha me alimentado nesse bendito jantar.

Agradeci o silêncio que encontrei na cozinha, sem ter a irmã gêmea de Hitler por perto. Abri a geladeira para pegar um suco e me arrepiei com a visão das várias caixas de leite de vaca que meu patrão tinha comprado especialmente para mim. Eu provavelmente demoraria todo o meu período de au pair para tomar aquilo tudo. Era obrigada a diariamente, esvaziar uma caixa inteira na privada para que não notassem que eu não estava tomando aquilo.

— Maldita vaca!

— Que vaca?

Antes de olhar, já sabendo de quem era aquela voz, perguntei-me o motivo de tanto azar em uma só vida. Será possível que seria mesmo sempre assim? Uma vergonha atrás da outra? Estava com algumas uvas na boca, então primeiro as engoli – me engasgando com os caroços, mas que se dane – e depois levantei a cabeça, respirando fundo e sorrindo gentilmente.

— Não sabia que estava em casa. — era preciso distraí-lo até que eu tivesse uma idéia para falar da maldita vaca.

— Por que não estaria?

Porque imaginei que tivesse ido comer a loira vagabunda, mas mordi a língua – de verdade mesmo – e dei de ombros.

— Não sei. Desculpe, realmente não sei e nem tenho direito de ficar achando alguma coisa. — dei alguns passos na esperança de conseguir sair da cozinha e encerrar aquela conversa.

— Bem, sei o que está sugerindo, mas não estou dormindo com Rosalie. — ele sorriu, mas não para mim, era apenas um reflexo do que ele estava pensando. — Não ainda.

— Claro. — o que mais eu podia dizer? Dar uns tapinhas nas costas do meu patrão?

Aproveitei que Edward tinha ido na direção da bancada que ficava no centro da cozinha e tentei dar o fora dali. Depois dos últimos acontecimentos eu não me importava mais em deixá-lo com os próprios fantasmas.

— Não posso entrar de cabeça num relacionamento sem saber se minha filha vai aceitar isso. Ainda mais sendo uma pessoa como Rosalie, garota legal, daquelas que não devemos magoar.

Ah Deus, aquilo era um sinal de que ele pretendia mesmo conversar comigo, não era? Parei a poucos centímetros da saída, de costas para ele e pude revirar os olhos antes de dar meia volta e encará-lo.

— Rosalie, né? — juro por tudo que é mais sagrado que nunca precisei fazer esforço maior do que neste momento. Tudo para que ele não notasse o horror na minha expressão e a ironia na minha voz. Rosalie? Uma garota legal? Era brincadeira com a minha cara!

— Sim, a Rosalie. — ele sorriu. — Gostou dela, né?

— Bem, é cedo ainda para dizer...

— Sabia! Todos se encantam com ela!

Meu Deus, ele era cego? Surdo? Mudo pelo menos eu sabia que não, mas talvez devesse, para deixar de falar asneiras. Eu realmente não sabia o que responder. Achava que qualquer coisa que saísse de minha boca faria soar uma sirene que indicasse minha falsidade. Por causa disso, preferi apenas sorrir – com os lábios tremendo – e balançar a cabeça.

Meu patrão apoiou as mãos na bancada e deu impulso, levantando o corpo para então sentar-se sobre o mármore. Algo me dizia que meu banho teria que esperar um pouco mais. Ele suspirou e tirou uma faca do suporte. Pronto, descobriu que eu tinha dado leite para a filha e agora planejava me matar.

— Eu posso explicar... — fui logo dizendo, gaguejando e levantando as mãos.

— Eu achava que Sofia ia se dar bem com Rose, eu juro que achava...

Parei e calei a boca. Será que ele ao menos se dava conta da minha presença ali? Parecia mais estar tendo uma conversa com seu Edward interior. Mas então, ele levantou os olhos e me encarou.

— Desculpe, o que você estava tentando dizer?

— Eu? Nada! — fiz cara de desentendida e ele pareceu acreditar.

— Sofia sempre recusou a aproximação das pessoas, principalmente do sexo feminino, mas quando eu a vi se relacionando tão bem com você, tive esperanças de que... — um suspiro forte. — Eu não sei.

— Acho que ela pensa diferente, sabe? Digo, Sofia sabe que eu não represento nenhum perigo para ela. Não no sentido de ocupar o lugar da mãe dela.

Meu patrão levantou os olhos novamente e percorreu meu corpo com eles, como quem avaliava o material para saber se eu poderia ou não ocupar o lugar da falecida esposa. Arrepios passaram por onde seus olhos estiveram.

— Ela não poderia saber disso. Sempre rejeitou todas as babás, o que justo você tem de diferente para não representar perigo?

Por uns segundos, eu fiquei pensando numa resposta. Idiota. Depois dei de ombros e encostei-me na parede de frente para ele. Estava cansada, mas não conseguia levar meu corpo embora dali.

— Acho que você é a primeira a quem ela enxergou como uma amiga.

Ponderei um pouco. Ele estava me chamando de criança ou aquilo era um tipo de elogio, como se eu fizesse meu trabalho tão bem a ponto de mudar a opinião de uma garotinha?

— Ela é fácil de lidar. — sorri, sabendo que estava falando a verdade. Sofia, pelo menos comigo, era um amor de criança.

Ele desceu da bancada e foi até a geladeira, trazendo numa mão uma garrafa de vinho e na outra, uma caixa de leite. Oh não, por favor não. Pegou duas taças e serviu um líquido em cada uma delas.

— Creio que tenha sido isso que te fez vir até aqui, não é? E eu interrompi o seu lance com a vaca. — ele sorriu e agora nem parecia mais aquele Edward estressado com a filha de algumas horas antes.

— Hum, claro.  — meu estômago embrulhou quando peguei a taça de leite puro da mão dele e o cheiro alcançou meu nariz. — Obrigada.

— Por que você estava xingando a vaca?

Sério mesmo? Isso lá era pergunta que se fazia? Se eu tinha algum problema com a vaca, isso deveria ser particular, não? Pelo visto, não. Ele me olhava intrigado, com os olhos estreitos, enquanto o vinho se agitava dentro de sua taça.

— É uma bobeira minha. Eu só... tenho raiva dela por me fazer engordar. Leite engorda.

Edward franziu a testa e deu seu sorriso torto e inebriante. Como eu queria ser aquela taça, que agora encostava em sua boca, devagar, toda se querendo, doida para que ele sugasse seu líquido. O calor de sua mão fazia o cristal embaçar.

— Não acho que precise se preocupar com isso.

— Hahahahahaha. — mordi os lábios para parar de rir que nem maluca. Até ele se assustou com minha risada alta e esganiçada. — Bem, obrigada. Vou dormir. Boa noite.

Parecia que meu cérebro tinha entrado em piloto automático, emitindo um aviso de perigo e um comando para que eu me afastasse rapidamente do alvo. Quem era eu para desobedecer, né? Então, bruscamente, girei sob os calcanhares e saí em disparada pela porta sem nem esperar por uma resposta dele.

— Isabella?

Já estava no 3º degrau da escada quando sua mão grande, pesada e máscula tocou meu ombro, fazendo-me parar. Ele me virou para olhá-lo e eu precisei enroscar meus dedos no corrimão da escada – para não enroscar em seus cabelos.

— Queria me desculpar por essa noite. O modo como agi com você não foi correto. Sofia me tirou do sério, eu sei, mas entendo que você não podia fazer nada naquela hora.

Eu já tinha percebido que ele estava mais ameno, mas não esperava que me pedisse desculpas por absolutamente nada. Não me preparei para ver aquela boca atraente me implorando por perdão – ok, um exagero de minha parte, mas como quase não acontece, acho que posso fantasiar um pouco.

— Está tudo bem. Eu entendo perfeitamente. — respirei fundo. Porra nenhuma que entendo, mas ele era o patrão que eu queria pegar, então apenas sorri delicadamente.

— Que bom. Embora Sofia não esteja satisfeita comigo, ela sem dúvida alguma está feliz com você por aqui. — sua mão que até então ainda estava em meu ombro, desceu pelas minhas costas, causando um frisson em meus nervos. — Obrigado pela paciência conosco. — e me beijou. Na bochecha, é lógico, mas mesmo assim foi um beijo.

O momento tinha sido extremamente rápido, como qualquer outro beijo no rosto que quaisquer outras pessoas trocam, mas para mim demorou uma eternidade. Eu ainda estava aproveitando as cócegas que os lábios dele deixaram em minha pele, quando saí do transe com sua voz.

— Primeiro as damas. — meu patrão me apontou o topo da escada e eu entendi que ele queria que eu subisse. Para meu quarto, provavelmente. Sozinha.

Recomecei a subida, incomodada por ele estar vindo logo atrás de mim. Eu esperava mesmo que hoje pelo menos, só hoje, minha bunda estivesse com uma boa aparência. Não lembrava se eu estava usando uma das calcinhas de “vovó” que gostava de usar e que marcavam um pouco a calça. Droga, queria poder parar e olhar. Maldita escada!


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