Fazia um tempo que não tinha noticias de minha irmã. Ela não havia nem ao menos ligado durante toda a missão, e estava dividido numa mistura de irritação e preocupação por isso.

Caminhei rapidamente até a casa grande, estava muito frio e tudo que eu usava era uma fina camisa de manga curta, mas não me importei muito com aquilo. Tudo que eu queria era ver Bianca e saber se ela havia conseguido sucesso em sua missão.

Bati na porta e não esperei nem mesmo resposta, entrei logo na sala, respirando pesadamente devido ao frio e cansaço.

Sorri levemente ao ver todos ali reunidos e tratei de procurar Bianca, mas logo meu sorriso foi murchando ao perceber que ela não estava ali.

-Hey! Onde está... onde está minha irmã?

Não houve resposta alguma, e aquilo me deixou nervoso.

Percy olhou para Quíron de uma forma estranha e eu não gostei do que aquilo pareceu significar.

Bianca estava bem, certo? Ela tinha que estar! Era a única pessoa no mundo a quem eu podia chamar de família.

- Hey, Nico. – Percy levantou de sua cadeira parecendo um pouco desconfortável – Vamos caminhar, ok? Nós precisamos conversar.

Eu assenti e o segui em silêncio até o pavilhão-refeitório. Eu me lembrei que fora ali onde nos havíamos conversado pela ultima vez, antes de ele partir para missão. Ele havia prometido que protegeria Bianca, e não estava parecendo que cumprira sua promessa.

-Bianca... Ela não está mais aqui. – ele fez uma breve pausa como se procurasse palavras certas para dizer aquilo. - Eu realmente sinto muito, Nico.

Eu não pude responder, até por que eu não conseguia entender o que ele estava dizendo. Parecia que cada palavra era levada embora e eu não conseguia junta-las para entender seu sentido.

Eu não podia acreditar que Bianca estivesse morta, simplesmente era algo que eu jamais considerei possível. Ela era minha irmã mais velha, a única quem esteve ao meu lado sempre, me passando aquela sensação de segurança.

Percy explicou tudo nos mínimos detalhes, disse como Bianca havia sacrificado para o sucesso da missão, e cada palavra que ele dizia era como se um grande vazio apoderasse de mim.

Dor e solidão. Era tudo que eu sentia naquele momento.

-Ela queria que você tivesse isso. – Percy disse depois de uns segundos de silêncio.

Mostrou-me uma pequena estatua, e eu a reconheci rapidamente. Era Hades, o deus dos mortos. A última estatua que faltava para completar minha coleção de mitomagia. 

A observei por alguns segundos, tentando pensar em qualquer coisa menos na minha irmã, mas tudo que vinha a minha mente era a última imagem que eu tinha dela, partindo para a maldita missão que a matara.

A neve caia lentamente sobre os degraus de mármore, e o vento parecia ficar mais frio a cada minuto. Só que o frio era o que menos me importava no momento.

-Você prometeu que iria protegê-la. – Aquilo foi tudo que consegui dizer.

O rosto de Percy se contorceu em uma pequena careta de dor, mas logo sua face voltara ao normal.

Nico. - ele disse. - Eu tentei. Mas Bianca se entregou para salvar o resto de nós. Eu falei para ela não fazer. Mas ela —

-Você prometeu! – eu gritei agora.

Tudo que eu menos queria naquele momento era passar-me por fraco, mas eu não estava conseguindo conter as lágrimas que tentavam cair. Meus olhos já estavam vermelhos de tanto segurar o choro. Apertei a estatua de Hades com força, agora a raiva tomava conta de mim de uma maneira impressionante.

- Eu não devia ter confiado em você. - Minha voz falhou. – Você mentiu pra mim. Meus pesadelos estavam certos.

- Espere. Que pesadelos? – ele perguntou alarmado, mas não lhe dei atenção.

Atirei com total força a maldita estatueta no chão, ela bateu contra o mármore gelado e lá ficou.

- Eu odeio você!

-Ela pode estar viva – ele falou desesperadamente, mas nem ele mesmo parecia acreditar nisso. - Eu não sei ao certo —

- Ela está morta. – Eu disse por fim.

Fechei os olhos e me deixei ser levado para um lugar distante daqui. Senti meu corpo todo tremer, enquanto sentia uma nova e estranha força fluir em mim. Então eu vi, era como se eu estivesse no submundo, mesmo sabendo que me encontrava agora no acampamento meio-sangue.

- Eu devia saber disso mais cedo. Ela está nos campos de Asfódelos, diante dos juízes neste exato momento, sendo avaliada. Eu posso sentir isso.

- O que você quer dizer, você pode sentir isso?

Eu não o respondi. Continuei concentrado naquele poder que parecia fluir de dentro de mim, senti como se um nuvem negra me envolvesse e quando abri os olhos novamente, tudo que vi foram quatro guerreiros esqueletos, que sorriam cruelmente.

“Meestre.” – eles sibilaram em minha mente.

Vi Percy sacar sua espada e preparar-se para lutar, e tudo que eu fiz foi recuar assustado com aquilo.

- Você esta tentando me matar! - gritei. - Você trouxe essas... essas coisas?

Era esse seu plano, ele queria eu e Bianca mortos. Tinha a certeza!

-Não! Quero dizer, sim, eles me seguiram, mas não! Nico, corra. Eles não podem ser destruídos. – respondeu ele confuso.

- Eu não confio em você! – falei com raiva.

A voz de Percy parecia se misturar com a dos esqueletos, que produziam ruídos agoniantes e estranhos. Tudo aquilo estava me deixando perturbado.

Vi o primeiro esqueleto começar a atacar, Percy tentava loucamente destruí-los, mas parecia que nada adiantava e eles voltavam a se juntarem.

-Corra Nico! – ele falou, enquanto investia contra um dos esqueletos. -Consiga ajuda!

-Não! – eu não sei realmente para quem disse aquilo. Não sei se fora para o Percy ou para os esqueletos que agora pareciam gritar em minha mente.

Pressionei as mãos nos ouvidos, tentando inutilmente afastar qualquer som.

Eles continuavam avançado e Percy continuava a tentar destruí-los.

-Não! – gritei com todo meu fôlego. Eu só queria que tudo aquilo parasse. – Vão embora!

Não achei que teria efeito, mas senti novamente aquela força acumular-se em meu corpo e todo chão tremeu.

Os esqueletos congelaram em seus lugares atuais, e segundos depois um fenda se abriu aos pés deles. O chão se partiu e de dentro dele grandes labaredas saíram, engolindo todos os quatros guerreiros esqueletos.

Houve um horrível barulho e em minha mente pude ouvir seus gritos, antes de tudo voltar a ficar silencioso.

No chão só havia agora uma grande rachadura.

-Como você —? – Percy olhou-me horrorizado e sem reação.

Eu não sabia o que estava acontecendo. Estava confuso e assustado, tinha só dez anos e estava sozinho no mundo agora.

- Vá embora! – gritei para Percy . - Eu odeio você! Eu gostaria que você estivesse morto!

Corri. Não me interessava para onde eu ia, tudo que queria era paz e silêncio.

Não olhei para trás, mas percebi que Percy não me seguiu.

A neve caia sobre mim, o frio parecia mais cruel a cada minuto, mas nada me importava.

Deixei as lágrimas rolarem naquele momento, senti-me fraco e cansado.

Eu estava só agora.

Sentei-me numa pedra úmida, respirando com dificuldade o ar gelado.  Agora tudo parecia tão claro em minha mente. Os sonhos, os guerreiros, as chamas e aquele poder que senti em mim.

Eu estava de alguma maneira conectado ao submundo, e isso só podia significar uma coisa: Eu era filho de Hades, Senhor dos mortos.

Naquele momento percebi que meu lugar não era no acampamento meio-sangue. Meu lugar não era nem mesmo ao lado dos vivos.

Eu arrumaria alguma forma de partir para o submundo, onde era meu lugar. Lá eu ao menos teria paz.

Fechei os olhos rendendo-me ao cansaço, parecia que tudo aquilo que havia acontecido no pavilhão-refeitório havia tirado todas as minhas forças.

Só lembro-me de sentir a neve cair sobre mim e pouco depois já estava a dormir.

x

Abri os olhos com dificuldade devido a claridade da manhã. Meu cabelo e roupas estavam totalmente brancos por causa da neve. O frio estava muito pior agora, e meus dentes batiam descontroladamente.

Praguejei baixo e sacudi a neve de minha roupa.

Não sabia exatamente onde estava, mas provavelmente em algum lugar do acampamento meio-sangue, e lá não era um lugar que eu gostaria de ficar por mais tempo.

Mas pra onde mais eu poderia ir?

Não fazia idéia de onde ficava o submundo e nem mesmo tinha certeza se Hades era meu pai.

Era dificil me acostumar a ter de agir sozinho, Bianca sempre estivera comigo.

Mas agora ela estava morta...

Pensar naquilo doeu mais do que ontem, pois agora eu via a situação com clareza e ela parecia cada vez pior.

Eu sentia raiva de Percy, muita, muita raiva. Ele havia prometido protege-la, mas ele não cumprira sua promessa. Ele havia me enganado.

Como no dia anterior, senti uma espécie de nuvem negra me envolver e ao fechar os olhos me vi num lugar totalmente diferente de onde estava agora.

Lá era quente, mas quer dizer, era agradável se comparado ao frio que estava sentindo. Era escuro, mas eu não me incomodava com aquilo.

Podia sentir os mortos ao meu redor, haviam crianças, jovens, adultos, velhos. Alguns não se conformavam com seu destino, já outros seguiam em paz por aquele caminho sombrio.

Eu particularmente não tinha medo, as águas turvas e escuras do rio Styx passavam ao meu lado e me deixavam até mesmo calmo.

Na hora eu soube onde estava: No submundo.

Mas de certa forma aquilo não era real. Eu não estava realmente lá, mesmo que tivesse a sensação que sim.

Não quis abrir os olhos. Preferia ficar naquela ilusão para sempre, do que voltar para o frio bosque do acampamento meio-sangue.

Eu me sentia forte e poderoso ali. Não me sentia sozinho, e parecia que lá estava mais perto de Bianca.

-Espero por você aqui, Nico. – Uma voz profunda ecoou em minha mente, e mesmo nunca tendo ouvido-a eu soube quem era.

Hades. Ele esperava por mim no submundo.

Abri os olhos, me vendo novamente no meio de frio e neve. Eu queria voltar para o submundo, mesmo nunca tendo estado lá realmente.

Fechei os olhos e respirei profundamente o ar tão gélido que chegava a ser dolorido. Eu não sabia o que estava fazendo exatamente, quando corri de encontro a escuridão das árvores, mas ainda sim o fiz.

E então... eu não estava mais lá.

Tudo que eu via era escuridão, e algumas sombras mais negras ainda, que davam arrepios. Percebi que deixar os olhos abertos era pior ainda, então os fechei, esperando que aquilo acabasse logo.

Sentia um arrepio gélido percorrer minha espinha constantemente e toda aquela falta de luz era estranhamente sufocante.

Quando tudo acabou, senti-me caindo num chão duro, e mesmo depois de toda aquela escuridão, este lugar parecia praticamente igual.

Fui preenchido por força e poder.

De certa forma eu sabia que enfim estava em meu lar: O submundo.