O Anjo Perdido escrita por VanNessinha Mikaelson


Capítulo 19
Capítulo 19




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  Capítulo 19 – O rebelde contra-ataca

  Tratava-se de uma gélida prisão. Nada havia em volta... Nenhum som, nenhuma fala. Apenas o silêncio. Seria, portanto, um local perfeito para uma boa meditação; o clima, entretanto, não estava nada adequado para isso.

  Jogado em um canto da cela, o anjo pensava em sua existência. Ferido e enfraquecido por tentar se defender e fugir, ele só desejava regressar ao planeta dos homens; queria proteger a amiga, pois sentia que ela não estava bem. Mas não era possível pretender zelar por alguém tão especial, se sequer conseguia sair da prisão de gelo onde se encontrava.

  Era muito difícil para Castiel saber o que lhe doía mais: se os machucados pela batalha contra Abdiel, ou se as baixas temperaturas que sentia penetrar-lhe pelos poros do corpo na horrenda cela. O anjo procurava se proteger da horripilante sensação térmica que sentia; todo frio queimava dentro dele de um modo desesperador.

  – Veja, Castiel, tanto quis fugir do destino que foi traçado para você, tanto negou que me serviria, que agora está assim: enjaulado. É uma situação bastante triste... Reconheço. Nada, porém, modificará o que penso. Continuará aí até que resolva me servir – falou Abdiel.

  – Por que faz isso? Por que resolveu investir contra Samael e contra Deus, lhes tirando aliados, ao mesmo tempo? Julga ter forças suficientes para enfrentar o Senhor e o Primogênito?

  – Sua questão merece uma resposta bem inteligente e longa. É pelo abandono. Passei séculos e séculos sozinho. Inúmeras gerações se seguiram e eu continuava largado... Nem Samael me aceitava, nem Deus me perdoava. Queria dar um jeito nisso, mas não me vinha idéia alguma. Aos poucos percebi que os anjos, tidos como criaturas divinas, também eram passíveis de falha... Não apenas os homens carregavam esse peso. A diferença é que alguns sabem lidar com ele, outros não estão nem aí para o fardo, e há os que se rebelam porque não admitem mais carregar tudo em suas costas. E foi o que Lúcifer fez há tempos: não aceitou se submeter às leis de um Senhor omisso e egocêntrico. Eu, no entanto, permanecia esquecido em um canto. Talvez aquele que se diz Deus tenha achado que eu jamais tentaria me rebelar por conta própria... Enganou-se Ele! Quando descobri que você tinha sido atirado no planeta Terra por Ediel, vislumbrei uma chance de me aproximar de um irmão que sofria o mesmo mal que eu: o abandono. Mas quando fui informado por quem controlava os registros no Primeiro Céu que você era Castiel, o arcanjo recém-escolhido para proteger Saturno – planeta totalmente devastado por uma insana e injusta guerra entre seres de poder inimaginável –, compreendi o que estava ao meu alcance. Planejei, então, sempre com o inestimável auxílio de Ediel, uma forma de induzir você a me seguir. Quando o momento adequado chegou, tive a surpresa desagradável de saber que era ajudado por uma demônia, que inclusive deve estar morta agora. Ela dificultou muito minhas ações, admito. Mas de nada adiantou... O único prejudicado nisso tudo é você, pois será ainda mais difícil sua estada comigo, até que entenda quão grande é seu poder.

  – Sabe qual é seu problema, Abdiel, você fala demais. Eu nunca servirei aos seus propósitos!

  – Tudo bem, Castiel. Mas peço que reflita bem. Sua amiga deve estar morta agora – repetiu. – Não há mais por quem lutar... Ou não me diga que resistirá em nome de seus irmãos ingratos, que o abandonaram na Terra?

  – Eles não sabiam de nada...

  – Esse é o seu problema: acreditar em tudo que dizem...

  – Creio neles... Em você não – interrompeu-o.

  – Está bem... Como disse, não tenho pressa alguma. Pode permanecer aí o tempo que quiser, ou que agüentar – concluiu, antes de gargalhar.

  Os vários machucados nas pernas e nos braços de Castiel lhe doíam muito. Mesmo que o frio já tivesse adormecido a sensação incômoda de dor intensa, ele começava a se sentir mal, de fato, pela baixa sensação térmica.

  – Se você agüentar – comentou Abdiel. – A propósito – continuou ele. – Creio que ainda não saiba o nome de sua amiga, não é?

  Castiel o fulminou com um olhar agressivo e, ao mesmo tempo, melancólico. Ele sentia que o fim se aproximava; não pretendia, contudo, ser aniquilado de maneira tão grosseira e inútil. E não queria morrer sem ver a amiga.

  – Não... Você nem imagina quem seja – falou Abdiel, o tom sarcástico.

  – Cale a boca. Se alguém tiver de me contar, que seja ela!

  – Ora, anjo de Deus, não acha estranho que alguém o auxilie tanto assim e, ao menos, não diga quem é? Nunca se perguntou se a tal criatura não o ajuda para depois levar você ao Vale para que trabalhem juntos? Por que razão ela não falaria quem é, se o único que não sabe disso é exatamente aquele que confia nela? – o anjo caído pegou a espada de Castiel e prosseguiu: – Demônios não mudam nunca, irmão. Eles sempre agem do mesmo modo... – Abdiel foi atingido com um golpe violento na cabeça.

  – Quer dizer assim... Seu desgraçado! – falou a demônia.

  O sangue do inimigo espirrou para todos os lados. Já Castiel, não suportou todo frio existente no local; devido à gravidade das lesões, ficou inconsciente pouco depois. Ela, percebendo a urgência da situação, abriu a porta da cela com apenas um chute. Após pegar o amigo no colo, a mulher resgatou a arma de guerra dele e partiu ao Quarto Céu, sem dar a mínima atenção ao oponente.

  Lá chegando, foi surpreendida por um batalhão de trezentos anjos rebeldes. A demônia colocou Castiel para o lado de fora do portão principal e pensou: – Seja o que Deus quiser. – Ela se lançou em um combate suicida contra os desertores, ignorando os machucados da tortura que sofrera na Terra e a possibilidade evidente de que fosse aniquilada com eles, pois não era admitido derramar sangue angelical em um solo puro.

            Após um tempo impreciso, no qual muito sangue foi derramado, um destacamento de dez mil anjos leais a Deus esmagou os cerca de duzentos rebeldes restantes. Entre os seres angelicais que lutavam em nome do Pai estava o Arcanjo Uriel, que ajudou a garota a se levantar.

  – Venha, eu cuidarei disso – ele a pôs em seu colo. – Consegue me dizer onde está o irmão Castiel?

  – Lá fora... Creio que ele esteja com hipotermia.

  – Curarei seus ferimentos e iremos até lá. Certo?

  – Certo. Obrigada, Fogo de Deus.

  Assim que os rebeldes foram eliminados, os soldados perfilaram-se em torno de Uriel e da mulher de negro, que permanecia no colo do ser celestial. Arcanjo Miguel comandava pessoalmente a numerosa falange Angélica. Ao vê-lo, a Deusa da noite pôs-se de pé em sinal de respeito.

  – Torne a descansar – falou o chefe do exército de Deus. – Recupere-se e continue a defender e a proteger nosso irmão Castiel.

  – Não sei se o faço como desejam – retrucou.

  – Sim, o faz. Foi resgatá-lo sozinha da gélida prisão onde o mantiveram enclausurado; pegou a espada dele; e, por fim, o trouxe para cá.

  – É, mas não imaginava que anjos desertores me aguardariam. Acabei por manchar o território de Deus com sangue... – a demônia fez uma pausa; mostrava-se surpresa por não ter ocorrido nenhuma restrição consigo ao ter aniquilado os rebeldes. – Como não morri, se está escrito: “A entidade maligna que derramar sangue angelical em terras divinas, será morta junto com eles”. O que houve aqui?

  – Eles já não são mais considerados anjos do Senhor – esclareceu Miguel.

  – Entendi. Obrigada por me ajudar, arcanjo.

  – De nada. Agora vá. Cuide de Castiel, por favor. Confiamos em você – a garota sorriu.

  A falange Angélica partiu para outro ponto do Quarto Céu, a fim de lutar contra outro grupo de rebeldes que desejavam raptar Castiel. Enquanto isso, Uriel os levava de volta ao planeta azul. O arcanjo, porém, tinha sido chamado por Miguel, pois a batalha se intensificara de maneira inesperada.

  Ao deixá-los na residência dela em Buenos Aires, ele entregou a mulher tudo quanto fosse necessário passar nos machucados de Castiel, que ainda estava inconsciente.

  – Tenho de ir agora. Mas deixarei uma barreira energética para que não sejam perturbados por um tempo. Infelizmente não posso precisar por quantas horas ela ficará ativa, mas esteja certa de que terão um longo tempo de descanso. Cure-o com esses medicamentos. A hipotermia também cessará.

  – Obrigada. Farei o que puder.

  O arcanjo decolou para o Quarto Céu, enquanto que a demônia tratava dos ferimentos no corpo de Samuel, expostos porque o anjo entrara no físico do garoto.

  Somente cinco horas depois de regressarem a Terra, o anjo despertou. Ainda sentia dores pelo desgaste na luta contra Abdiel e também pela prisão na qual se encontrava antes. Ao vê-lo acordar, ela se aproximou.

  – Sente-se bem?

  – Sim. Com algumas dores, mas tudo certo. E você, tudo bem?

  – Sim. Fui ajudada por Uriel e pelo arcanjo Miguel. Quis levar você ao Quarto Céu, porém fui recebida por diversos desertores; mas o exército comandado por Miguel os encurralou em poucos instantes. Uriel, por sua vez, foi quem me curou.

  – No fim das contas não sei se tenho condições de me defender e de cuidar de você – comentou o anjo.

  – Claro que tem – respondeu. – Só que as coisas estão mais difíceis agora. É natural que venhamos a passar por problemas desse tipo.

  – É, mas estou cansado... Não sei se terei forças para ir até o fim...

  – Tem forças, claro! – exclamou. – É um anjo de Deus, amigo. Agarre-se nEle se não está seguro de si.

  Castiel a olhou e não lhe respondeu mais nada. A expressão calma deu lugar à aflição e à intensa tristeza.

  – Fique calmo; tudo terminará bem.

  Ao perceber que o Arauto chorava, ela o pegou no colo. Após alguns instantes em silêncio, a amiga lhe perguntou, preocupada:

  – O que há, querido?

  – Não sei. Não retornei cem por cento...

  O choro compulsivo sequer permitia que ele dissesse algo. Ela, então, resolveu analisar a energia dele; e para sua surpresa, a ligação do anjo com Deus – através dos sete chakras –, estava cortada. Sem saber o que fazer para ajudá-lo, ela começou a reconectá-lo energeticamente ao Pai, sem ter certeza de que daria certo ou não.

  Aos poucos o choro dele serenou. O anjo tornou a dormir, agora no colo dela. Assim que encerrou a reconecção do amigo, a mulher verificou, com maior espanto, que ele estava ligado ao Todo-Poderoso novamente.

  – O que mais houve na prisão em que Abdiel o colocou? – perguntava-se. – Deve ter ocorrido algo muito grave enquanto não cheguei no local.

  A moça o pôs deitado na cama após verificar uma vez mais sua energia. E ficou a zelar pelo sono dele.

  Assim que se certificou de que tudo estava bem, a demônia foi à cozinha preparar um lanche para alimentá-los. Afinal de contas, sequer comeram algo, devido à chegada tumultuada em Buenos Aires.

  Passadas duas horas, Castiel despertou. Foi à sala e a encontrou sentada no sofá a fumar. Ele perguntou:

  – Por que não descansou também?

  – Preferi permanecer em alerta. Caso necessitasse de mim, iria num instante.

  – Agradeço por ter me religado a Deus.

  – Não entendo como fiz isso, mas o que importa é que deu certo, não é? Vamos à cozinha comer algo?

  – Sim, com certeza!

  Os amigos se sentaram à mesa da cozinha. Após, ela o serviu e buscou comida para si, também. A fome dos dois era tamanha, que tornaram a encher os pratos. Ao terminarem a refeição, limparam tudo e voltaram à sala. Depois de um impreciso tempo no qual ela analisou demoradamente os olhos de Castiel, resolveu lhe perguntar:

  – O que houve na prisão onde o largaram?

  – Como assim?

  – O que fizeram com você para que regressasse ao planeta com sua conexão divina cortada?

  – Torturaram-me – comentou.

  – Eu lamento – falou, consternada com a situação.

  – Tudo bem, isso passa. O importante é que já foi refeita a minha ligação com o Pai.

  – É. Mas não está abalado com tudo que sofreu?

  – Estou, não vou mentir. Só que os perdôo.

  – Como assim? Mesmo que tenham machucado você desse modo?

  – Sim, sem dúvida.

  – Como ele consegue ser tão bom – pensou.

  Ambos continuaram a conversar por boa parte da noite. Como os fatos foram extremamente tensos horas antes, não queriam dormir; Castiel já recuperara o sono; ela, porém, se mostrava inquieta; era toda a adrenalina que circulava em seu sangue. Devido a isso, o anjo fez um chá para que a amiga se acalmasse. E o diálogo prosseguiu. Ele lhe contou a versão que Abdiel dava sobre a rebelião; a demônia, por sua vez, considerava as idéias do anjo caído absurdas demais.

  – É, eu sei. Mas fui jogado aqui, talvez por isso ele tenha visto tal semelhança – prosseguiu em seu relato.

  – Semelhança que é inexistente, diga-se de passagem. Não pensa que Abdiel esteja certo, não é?

  – Acho que não. Mas temo que as coisas continuem assim...

  – Que quer dizer?

  – Ele tocou em pontos bastante doloridos para mim. Não soube como reagir ao que era falado. Passei anos sem ter amigos, ou até mesmo alguém como companhia; os pais de Samuel mal se importavam comigo; e por isso temo ter me tornado alguém injusto.

  – Mas não é assim, amigo. Não o conheço de longa data, porém me atrevo a afirmar que é bom e que possui um nobre coração. Abdiel nunca soube o que é isso. Ele só utiliza uma técnica covarde a fim de puxar você para a causa dele.

  – É, tem razão.

  Após esse diálogo, foram descansar um pouco. Eles continuavam temerosos; não imaginavam o que ocorreria no futuro... Queriam, entretanto, fazer o máximo para zelarem um pelo outro.

  No dia seguinte, passearam pela cidade. Ela mostrou as praças e parques a ele; encantado com tudo que viu, Castiel agradeceu ao Todo-Poderoso por tamanha beleza, ainda que o que vislumbrara não chegasse aos pés do que encontraria no Céu.

  À noite, a mulher de negro comprou uma garrafa de vinho, da qual sorveu, em plena madrugada e em segredo de Castiel, metade do líquido, a fim de não relevar as perturbações que sentia pelo lúgubre passado que vivera.

  Mesmo assim, eles tiveram um dia de paz e de calmaria, o que foi ótimo para que descansassem e desfrutassem da beleza de Buenos Aires.


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Notas finais do capítulo

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Espero que tenham gostado do capítulo!



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